Domingo, 12 De Janeiro De 2025
       
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ABELARDO ROMERO, OS SONS E UM LUGAR DE MEMÓRIA


Publicado em 13 de dezembro de 2020
Por Jornal Do Dia


 

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Para além das imagens, os sons se revestem de sentido e também são detonadores de lembranças. Eles transcrevem e representam situações que ficaram marcadas seja nas trajetórias de vida das pessoas, seja no imaginário coletivo. Nesse sentido, Maurice Halbwachs (1877-1945) foi muito feliz quando, em relação aos sons, disse que eles: "Resultam de convenções, e não têm sentido a não ser em relação ao grupo que os inventou ou adotou" (1925, p. 166).
Em 1955, o poeta sergipano Abelardo Romero escreveu um poema em homenagem a sua terra natal: Lagarto. Nascido na Capital do Interior de Sergipe no dia 13 de junho de 1907, notabilizou-se na imprensa e na literatura brasileira na cidade do Rio de Janeiro, onde fez carreira e sucesso, atuando no Diários Associados, de Assis Chateaubriand,  tendo publicado diversos livros, tais como: Vozes da América (1941), A musa armada (1953), O passado adiante (1969), entre outros, como a obra póstuma Limites Democráticos do Brasil (2009).
Sinos de Lagarto, à luz das assertivas de Maurice Halbwachs, certamente vai ao encontro de muitos elementos identitários, sobretudo quando a interface em questão é o som e o lugar de memória. Composto de quatorze estrofes, o poema é reporta o autor e quem o ler à uma Lagarto de velhos tempos, em que o badalar dos sinos da Matriz de Nossa Senhora da Piedade determina o ritmo do lugar e se apresenta como um grande arauto de notícias as mais diversas: do nascer ao morrer, do celebrar ao prantear.
Finos e longos, com golpes de bronze, o pequeno e o grande, dobram a finados e o fazem indistintamente por qualquer um: do nobre ao bêbado. Trata-se de uma convenção social democrática, capaz de unir a todos numa mesma toada. Anuncia festa de santo, desgraças como a cólera, a guerra, a fome, mas também as boas novas do viver de um povo. 
Quando eu era menino, alcancei uma Lagarto pacata e tranquila, onde cochilava-se à tarde sem fechar portas ou janelas, sem grades ou cerca elétricas. Do meu quarto, na esquina da Travessa Municipal com a Rua Senhor do Bomfim, ouvia-se o código sagrado que vinha das torres da Piedade. Se finos e longos, como nos dias o poeta, pode ter certeza, morria-se alguém. Os sinos que chamam para a Missa e nos convidam para a Ave Maria. Espetáculo descrito por Romero ao se referir às andorinhas que floresciam "sob o vaso de bronze". E aquele cair de tarde, até hoje melancólico e lindo, mesmo em tempos de tantos sons, como de buzinas de carro, carros de propaganda, motos velozes e furiosas.
À noite, da Praça da Piedade, hoje iluminada pelas luzes do Natal que se avizinha, do presépio sob o pé do palanque, crianças a correr e adultos a experimentar novos selfies, ainda é possível, como nos diz o poeta com maestria, ver: "Do sino grande, tombam morcegos, tontos de sono, na escuridão…". Lagarto de lindas noites estreladas, Abelardo está vivo em sua beleza histórica e na sua singeleza de velha vila sertaneja sergipana.
Abelardo Romero Dantas foi integrante da Academia Sergipana de Letras, ocupando a cadeira de número 16. Foi um dos grandes defensores e entusiastas da entrada de mulheres para o Sodalício, abrindo espaço para Ofenísia Freire. A cadeira 16, atualmente, é ocupada por uma exímia escritora sergipana: Ana Maria Medina Fonseca. Ele morreu no dia 17 de março de 1979, no atual Bairro Cidade Nova, em Lagarto e seu corpo está sepultado no Cemitério Senhor do Bomfim. Ao que consta, os sinos da Matriz de Nossa Senhora da Piedade também tocaram por ele.

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos

Para além das imagens, os sons se revestem de sentido e também são detonadores de lembranças. Eles transcrevem e representam situações que ficaram marcadas seja nas trajetórias de vida das pessoas, seja no imaginário coletivo. Nesse sentido, Maurice Halbwachs (1877-1945) foi muito feliz quando, em relação aos sons, disse que eles: "Resultam de convenções, e não têm sentido a não ser em relação ao grupo que os inventou ou adotou" (1925, p. 166).
Em 1955, o poeta sergipano Abelardo Romero escreveu um poema em homenagem a sua terra natal: Lagarto. Nascido na Capital do Interior de Sergipe no dia 13 de junho de 1907, notabilizou-se na imprensa e na literatura brasileira na cidade do Rio de Janeiro, onde fez carreira e sucesso, atuando no Diários Associados, de Assis Chateaubriand,  tendo publicado diversos livros, tais como: Vozes da América (1941), A musa armada (1953), O passado adiante (1969), entre outros, como a obra póstuma Limites Democráticos do Brasil (2009).
Sinos de Lagarto, à luz das assertivas de Maurice Halbwachs, certamente vai ao encontro de muitos elementos identitários, sobretudo quando a interface em questão é o som e o lugar de memória. Composto de quatorze estrofes, o poema é reporta o autor e quem o ler à uma Lagarto de velhos tempos, em que o badalar dos sinos da Matriz de Nossa Senhora da Piedade determina o ritmo do lugar e se apresenta como um grande arauto de notícias as mais diversas: do nascer ao morrer, do celebrar ao prantear.
Finos e longos, com golpes de bronze, o pequeno e o grande, dobram a finados e o fazem indistintamente por qualquer um: do nobre ao bêbado. Trata-se de uma convenção social democrática, capaz de unir a todos numa mesma toada. Anuncia festa de santo, desgraças como a cólera, a guerra, a fome, mas também as boas novas do viver de um povo. 
Quando eu era menino, alcancei uma Lagarto pacata e tranquila, onde cochilava-se à tarde sem fechar portas ou janelas, sem grades ou cerca elétricas. Do meu quarto, na esquina da Travessa Municipal com a Rua Senhor do Bomfim, ouvia-se o código sagrado que vinha das torres da Piedade. Se finos e longos, como nos dias o poeta, pode ter certeza, morria-se alguém. Os sinos que chamam para a Missa e nos convidam para a Ave Maria. Espetáculo descrito por Romero ao se referir às andorinhas que floresciam "sob o vaso de bronze". E aquele cair de tarde, até hoje melancólico e lindo, mesmo em tempos de tantos sons, como de buzinas de carro, carros de propaganda, motos velozes e furiosas.
À noite, da Praça da Piedade, hoje iluminada pelas luzes do Natal que se avizinha, do presépio sob o pé do palanque, crianças a correr e adultos a experimentar novos selfies, ainda é possível, como nos diz o poeta com maestria, ver: "Do sino grande, tombam morcegos, tontos de sono, na escuridão…". Lagarto de lindas noites estreladas, Abelardo está vivo em sua beleza histórica e na sua singeleza de velha vila sertaneja sergipana.
Abelardo Romero Dantas foi integrante da Academia Sergipana de Letras, ocupando a cadeira de número 16. Foi um dos grandes defensores e entusiastas da entrada de mulheres para o Sodalício, abrindo espaço para Ofenísia Freire. A cadeira 16, atualmente, é ocupada por uma exímia escritora sergipana: Ana Maria Medina Fonseca. Ele morreu no dia 17 de março de 1979, no atual Bairro Cidade Nova, em Lagarto e seu corpo está sepultado no Cemitério Senhor do Bomfim. Ao que consta, os sinos da Matriz de Nossa Senhora da Piedade também tocaram por ele.

 

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