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Antes tarde…


Publicado em 12 de março de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

Um músico com a ambição de alcançar os ouvidos alheios não tem alternativa: Há que se vender o próprio trabalho a troco de quase nada, disponibilizar o produto dos calos feridos na ponta dos dedos em todas as plataformas de streaming. Há vida inteligente longe do Spotify, claro. Neil Young é prova muito viva. Em formato físico, no entanto, os melhores álbuns rodam em vitrolas de alguns poucos, aficionados. Para berrar alto de verdade, o artista precisa aceitar as regras do jogo, jogar a música na rede, tem de rebolar em ambiente digital.
Antes tarde… Nino Karvan é um que demorou muito para disponibilizar a sua discografia completa nas tais plataformas. Só agora, por iniciativa da Kuarup, detentora dos direitos de distribuição, os primeiros álbuns de Nino estarão a um clique de distância de qualquer um. As duas partes aqui em questão bolaram um calendário de lançamentos, incluindo singles e álbuns, que vai de março até junho. O processo de remasterização ficou nas mãos de Ricardo Vieira, maestro e arranjador e produtor musical.
Melhor assim. Quando ‘Mangaba madura’ (2001) foi lançado, Nino já contava 15 anos de música. Apesar disso, o artista recusou o cetro e a coroa de cartolina das vacas sagradas e se arriscou num exercício de afirmação radical. Emprestou métrica e rima para aboios, emboladas e blues, decidido a chafurdar na lama do mangue Serigy. Não agradou a todo mundo. Nem podia. Mas permaneceu fiel ao intento aparente de fundar uma aldeia no coração da qual pudesse cantar mais alto.
Em Aquarela pra Pandeiro (2006), a forma aparece mais bem acabada, mas o propósito primeiro, a motivação que embala e faz o trabalho de Nino tão especial, permanece intocado. Como ele mesmo defende no encarte do disco, trata-se de apreender a vivência do interior nordestino, a música das feiras, a fala e a musicalidade do povo. Um forró certeiro, como só quem se mistura sem medo é capaz.
Neste sentido, José (2013) é um disco muito coerente. É a prova de que Nino não se enterrou vivo. Amparado por músicos calejados (a exemplo de Julio Rego, Rafael Findans e João Liberato, para ficar nos habitués da página), o cantor se empenhou num diálogo rico de timbres que remetem às premissas em voga nas cenas mais profícuas da música brasileira. O tecladinho de cabaré na primeira faixa do disco dá o recado. Aqui e agora. Daqui pra frente.

No romper da madrugada – Convém advertir os incautos: a discografia de Nino é um trabalho ainda em progresso, não está resumida nos três trabalhos a serem lançados pela feliz iniciativa da Kuarup. ‘No romper da madrugada’, talvez o seu melhor disco, foi lançado depois.
Poucos compositores já responderam com tamanha prontidão e simplicidade aos imperativos do ritmo. No caso dos sambas reunidos em ‘No romper da madrugada’ (2019), uma espécie de tributo às noites perdidas nos botecos da vida, em rodas de violão, contudo, impressionam os aspectos estritamente musicais do projeto. Ponto para a direção e os arranjos de Ricardo Vieira.
O samba em toda a majestade dos subúrbios. Todas as canções são defendidas na ponta da unha. Metais classudos, sessão rítmica bem marcada, graves cheios de volume. Eis as principais virtudes deste ‘No romper da madrugada’. Temas prosaicos ganham tratamento luxuoso, como a gaita de Julio Rego na faixa ‘Último desejo’, de Noel Rosa. Há que se destacar ainda, por razões óbvias, a participação do cantador Xangai em ‘Fulorô’, embalado por um trio de cordas de acento popular, um dos pontos altos do registro.
Malandragem pouca é bobagem. Urbano e contemporâneo, apesar de certa devoção às raízes do gênero, o samba de Nino Karvan fez do saudosismo um instrumento de afirmação criativa.

Elogio do amor – O álbum mais recente de Nino Karvan ainda reverbera nas paredes, aqui em casa. Não há muito a acrescentar à resenha emotiva publicada nesta mesma página, meses atrás, portanto. De todo modo, convém lembrar que ‘Elogio do amor’ (2021) flui sem obstáculos, corre como as crianças em espaços abertos, um rio de água clara, sem represa. Ligeiro, fresco, desarmado, honesto. Arrisco-me a dizer que este é o disco mais franco de Nino, o mais feliz.

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