Palestra com os anjos.
Arte contemporânea, para quem?
Publicado em 20 de setembro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
O fantasma de Arthur Bispo do Rosário, gênio e louco, será sempre evocado nos salões da província, a fim de remediar a indisposição corrente com as experiências limítrofes da arte contemporânea. Compreende-se. A nudez taxidérmica de John Eldon, por exemplo, ainda choca os gestores do Sesc em Sergipe – como ficou provado em episódio vexatório, oportunamente registrado nesta página. Mas o espectro de um desajustado sufocado sob sete palmos de terra, inofensivo, não fere o bom gosto de ninguém.
Arte contemporânea, para quem? Na Academia, uma redoma de vidro emborcada sobre o hálito de filósofos defuntos, os iluminados permanecem ignorantes da experiência cotidiana, alheios às provocações e a inteligência que florescem além da própria zona de conforto, indispostos ao diálogo. Nos periódicos, páginas e páginas de deserto crítico. Explica o status rebaixado das galerias, visitadas apenas quando convertidas em cenário de coluna social. Muita pose, bebida solta. E ainda botam a culpa no pinico de Duchamp.
A propósito: A nova galeria de artes do SESC ainda não disse a que veio. Após o vernissage da bela exposição individual dedicada ao trabalho de Véio – um vernissage com direito a repeteco, em função da conveniência política do deputado Laércio Oliveira – vive às moscas.
Bispo era doido de pedra, como todo mundo está cansado de saber. Palestrava com os anjos. Deriva de altura assim impossível, eu aposto, a liberdade absoluta com que alinhavava tecidos, imagens, narrativas, indiferente às noções correntes de uso e beleza. Se hoje ele é tema de exposições, mostras, doutos debates, isto se deve à inesperada consagração nos grandes circuitos de arte. Em vida, verdade seja dita, o artista seria varrido dos salões e dos coquetéis dos bem falantes e bem vestidos – aos sopapos.