Quarta, 22 De Janeiro De 2025
       
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AS AVENTURAS DE SESTROSI


Publicado em 17 de agosto de 2014
Por Jornal Do Dia


Talvez por falta de assunto resolvemos criar uma estória, ficção, evidentemente, que gira em torno de um personagem por via de consequência também um ente meramente  ficcional. A ele demos o nome de Sestrosi. Dizia o nosso grande Ariano Suassuna, recentemente falecido, que todo contador de estórias, ou seja, os que fazem ficção, não passam de uns mentirosos. Sim, porque fazer ficção é colocar-se além da realidade, ou até alcançar o chamado realismo fantástico, como o fez, genialmente, Garcia Marquez. Há também o que os franceses chamam estórias ou romances à clef, ficção que se desenvolve em torno de fatos reais, quase sempre substituindo-se os nomes dos personagens. Balzac foi o grande mestre desse gênero de literatura, cujo maior exemplo é a vasta e fabulosa Comédia Humana. Um brasileiro, Otávio de  Farias, resolveu seguir a trilha de Balzac, e escreveu, também em vários volumes, uma obra  que denominou Tragédia Burguesa. Tem inegáveis méritos, mas é fastidiosa, cansativa para ser lida do começo ao fim.

As Aventuras de Sestrosi, cujo primeiro capítulo iniciamos são estorinhas, tudo, fruto da nossa escassa capacidade de criar, daí a fragilidade  da narrativa, a ausência de elementos que lhe dêem a consistência  de uma mentira bem contada, como seria o romance na concepção de Suassuna.
 Sestrosi, suspeita-se vagamente, teria nascido numa pequena cidade onde as pessoas construíram fama de muito trabalhadoras, hábeis comerciantes, mas ele preferiu ser apenas esperto. Para Sestrosi muito mais do que suar o rosto era preciso somente armar bons e bem sucedidos esquemas, tais como aproximar-se de gente influente, e, entre eles,  encontrar parceiros também muito ambiciosos e espertos, tendo, além do mais, o cuidado de  criar uma rede de proteção que lhe assegurasse manter a cabeça sobre os ombros se um dia viesse a ser  flagrado cometendo uma das suas costumeiras ousadias. Sestrosi sempre sonhou com ouro, muito ouro, e, para conseguí-lo da forma mais fácil, traçou cuidadosos planos.

Por aquele tempo Sestrosi pesquisava ardorosamente para encontrar  certas facilidades que não eram comuns no primitivo  sistema financeiro que  surgia para dar suporte às trocas de produtos que se intensificavam. Sestrosi logo constatou que a sua terra seria pequena para as suas portentosas ambições. E saiu em busca de outras paragens, onde houvesse cofres mais abarrotados,  e também mais acessíveis. Habilidoso e sagaz logo dedicou-se  a um trabalho de aproximação com pessoas influentes,  duques, mercadores abastados, até mesmo príncipes, e foi também com esperteza e malícia descobrindo nelas aquelas fraquezas humanas que costumam contaminar tanto nobres como plebeus. O ser humano é por natureza ambicioso, e Sestrosi, antecipando-se a uma futura ciência chamada psicologia, foi  meticulosamente investigando o que se passava na mente de cada um com os quais ele esperava contar para as empreitadas que exigiriam cúmplices competentes. Claro, não se faz uma jornada ousada sem que haja um rateio das vantagens obtidas. Naquele tempo que já vai tão longe,  não se tinha ainda caracterizado o crime de formação de quadrilha, embora na região fossem muito populares as façanhas de Ali Babá e os 40 Ladrões. Sestrosi, desde a mais tenra infância viu passar na sua frente dezenas, centenas de camelos carregados de mercadorias (a sua cidade natal tinha essa tradição) criou na mente infantil a idéia de que um dia seria um grande proprietário de camelos. Comprar camelos não era fácil, o  quadrúpede  bicho valorizado, digamos assim, o Scania, o Volvo, ou Mercedes- Benz daquela época. Então, para se tornar um grande proprietário de camelos Sestrosi articulou um ardiloso projeto.

Banqueiros já existiam muitos. Financiavam as grandes descobertas, as expedições em busca de especiarias, e cidades estado como Gênova, Veneza, Florença se transformaram em entrepostos comerciais e centros financeiros. Sestrosi para uma delas se dirigiu. Chegou até com cartas de recomendação. Logo descobriu que muito mais proveitoso do que fazer negócios com banqueiros particulares seria melhor buscar empréstimos nos bancos  que pertenciam aos governos daquelas cidades. Coisa pública é sempre mais fácil de ser manipulada, os funcionários podem ser cooptados, o tráfico de influencia acontece. Assim, Sestrosi procurou um daqueles bancos, talvez tenha sido um florentino que andava muito em voga, porque o Dodge da cidade ou seja, o governante, tinha fama de ser um tanto pródigo. Logo Sestrosi  com seus alforjes carregados de ouro estava a comprar camelos, pelo norte de África. Criou-se a Sestrosi Camelos. Sestrosi tinha outros planos mais audaciosos, porque lidar com camelos dava trabalho e não era bem isso o que ele desejava. A cáfila (coletivo de camelo) começou a sumir. Os arquivos da época são escassos, não se sabe precisamente o que aconteceu, o fato é que Sestrosi sem os camelos , também não pagou o que devia ao banco. Em Florença o escândalo foi grande, os magistrados começaram a agir, e quase todos os dirigentes e funcionários do banco foram condenados a penas bem pesadas. Sestrosi , como se sabe, sempre foi cercado de influencias, e conseguiu livrar-se da pena a que foi originalmente condenado, não se sabe se naquela época essa decisão chamava-se ¨trancamento da ação penal¨. A terminologia jurídica varia com o tempo e grande parte dela caiu em desuso.
Mas o espertíssimo Sestrosi nunca liquidou o seu débito com o banco florentino que, de tão lesado que fora, acabou sendo extinto. Sestrosi foi então viver outras aventuras, que caberão num segundo capítulo dessa estorinha sem pé nem cabeça.

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