Bons exemplos e o silêncio obsequioso dos homens bons
Publicado em 20 de outubro de 2018
Por Jornal Do Dia
* Miguel dos Santos Cerqueira
Os versos de uma canção do gran- de compositor brasileiro, o Chico Buarque de Holanda, diz "que vence na vida quem diz sim" Isso significa que o dizer "não" é para poucos, talvez, para aqueles que têm coragem de contrariar e permanecerem sãos.
Não restam dúvidas que é sempre melhor seguir as multidões, ouvir os clamores do povo, atender aos apelos da opinião pública, sem auscultar os postulados da racionalidade, pois assim não se fica isolado e nem tido como, idiota, besta ou louco.
Após o nefando dia 13 de dezembro de 1968, quando foi baixado o Ato Institucional nº 5, AI-5, pelo então governo do general Costa e Silva, um golpe dentro do golpe que se iniciou em primeiro de abril de 1964, por discordarem das medidas severas adotadas pelo governo militar, três ministros do Supremo foram cassados, por meio de aposentadoria compulsória. Tratou-se de Hermes Lima, Victor Nunes Leal e Evandro Lins e Silva, que foram considerados de esquerda e apoiadores de comunistas pelos militares.
No ano de 1971, dois anos após a edição do Ato Institucional nº 5, quando o governo do então General Emílio Garrastazu Médici, editou a Lei da Censura Prévia, com regras que permitiam que censores ocupassem as redações dos jornais e vetassem a publicação de textos, um ministro do Supremo, Adaucto Lúcio Cardoso, abandonou o plenário e renunciou ao cargo de ministro do tribunal por ser o único contrário à referida lei.
Recentemente, na Alemanha, traumatizada pelos horrores do Nazismo, no dia 7 de maio de 2018, em Bielefeld, cidade na região oeste da Alemanha, a octogenária Ursula Haverbeck foi detida, e após ser sentenciada, cumprirá uma pena de 2 anos de prisão por negar reiteradamente o Holocausto. A alemã, de 89 anos, é ícone dos neonazistas e foi condenada por incitação ao ódio racial.
Também na Alemanha de Lutero, que acerca dos Judeus dizia: "Queime suas sinagogas. Negue a eles o que disse anteriormente. Force-os a trabalhar e trate-os com toda sorte de severidade… são inúteis, devemos tratá-los como cachorros loucos, para não sermos parceiros em suas blasfêmias e vícios, e para que não recebamos a ira de Deus sobre nós. Eu estou fazendo a minha parte." E, ainda, "Resumindo, caros príncipes e nobres que têm judeus em seus domínios, se este meu conselho não vos serve, encontrai solução melhor, para que vós e nós possamos nos ver livres dessa insuportável carga infernal – os judeus." No dia 6 de junho de 2018, o Presidente d Alemanha condenou severamente a audácia dos Neonazistas.
Com efeito, numa atitude de respeito e coerência, para que as feridas de um passado não tão longínquo não sejam reabertas, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, em uma resposta às declarações do líder do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), Alexander Gauland, que negou os horrores do Nazismo, condenou qualquer relativização do regime hitlerista, tendo afirmado que: "Negar, minimizar ou relativizar essa ruptura sem precedentes com a civilização não é só um insulto a milhões de vítimas, mas busca conscientemente reabrir feridas e semear de novo o ódio"
No nosso vizinho Uruguai, no mês de setembro último, o Governo do presidente Tabaré Vázquez depois que o comandante-geral do Exército o acusou indiretamente de mentir ao ministro do Trabalho Ernesto Murro, tomou uma decisão inédita, puniu o chefe do Estado-Maior, o general Marcelo Montaner, determinando que, por um período de 30 dias, após seu expediente de trabalho o referido militar teria de passar seu tempo livre confinado e sem poder receber visitas.
Também no Uruguai, uma semana após aplicar a punição ao chefe do Estado-Maior, o Governo uruguaio, depois de que a banda musical do Exército tocou um hino do Partido Nacional (na oposição) durante um evento público, ação interpretada como um protesto contra a punição imposta ao General, o segundo na hierarquia do exército uruguaio também foi punido com três dias de prisão simples.
A contundência do Governo de Vázquez foi cabal demonstração de que não se pode relativizar os princípios democráticos e admitir a subversão da ordem e da hierarquia, que não se pode abrir as portas para uma nova ditadura militar como a que vigeu o Uruguai entre os anos de 1973-a 1985, com numerosos casos de desaparecimentos e assassinatos.
No Chile, sob o Governo do direitista Sebastián Piñera, na semana passada, menos de 48 horas após o vazamento de um vídeo no qual um coronel transmitia em cerimônia informal na Escola Militar um recado do pai, um brigadeiro condenado e preso por crimes de lesa-Humanidade, no qual fazia defesa de assassinatos e crimes da ditadura pinochetista, sob o argumento que se tratava do bom combate e extermínio de comunistas, todos os envolvidos no episodio foram imediatamente punidos, tendo passado para reserva, com o apoio incondicional do Comandante do Exército, para fins de preservação da hierarquia e da tropa.
Com o gesto, o presidente chileno, Sebastián Piñera, que se repita trata-se de um direitista liberal, num embate inédito com o mundo militar, deixou claro que seu governo é liberal e não de extrema direita e que não tolerará qualquer tipo de respaldo a ex-repressores que tenham atuado na ditadura de Augusto Pinochet, que vigorou no Chile de 1973 até 1990.
Enquanto isso, aqui no Brasil, como uma tragédia anunciada, militares, ex-militares, policiais e membros de forças de segurança que gravitam em torno de certo candidato à Presidência da República, com todo denodo, sem qualquer pudor, estão a alardear a possibilidade de destituírem e prenderem Ministros do Supremo Tribunal Federal. Estão a ansiarem por tempos pretéritos, e até falam de quando estavam à frente de determinados órgãos e, não existam o Ministério Público e o IBAMA para "encherem o saco" e se podia desmatar, expulsar índios das suas terras, sem remorsos e sem punições.
Enquanto no Brasil, autoridades, membros de Igrejas que tiveram muitos dos seus martirizados, integrantes dos Tribunais e do Ministério Público, órgãos da Mídia e da Imprensa fazem ouvidos moucos e até mesmo aplaudem a audácia de muitos em negar, minimizar e relativizar os crimes da ditadura militar.
Algumas dessas "autoridades" até mesmo revisam a história para modificar palavras terminologias, episódios históricos a fim de que soem suaves para seus novos coligados, compactuando conscientemente com o derretimento da hierarquia e com a ameaça a democracia; na Alemanha, no Uruguai e mais recentemente no Chile, autoridades que de fato detém a Autoridade, que não são simplesmente "homens bons", que não daqueles que só sabem dizer sim, não se refugiaram no silencio obsequioso. E numa clara demonstração de que não se pode e não se dever apagar o passado e o povo e as gentes dos seus países não admitem o retorno das trevas, da tortura, dos desaparecimentos e dos extermínios em massa com políticas de governo e de Estado.
Sem embargo, a negação e relativização dos males da ditadura se tratam de uma aberração e um verdadeiro insulto às milhares de vítimas e seus familiares, sem se falar na abertura de via ampla para a o semear do ódio e a ascensão ao poder dessas mesmas forças reacionárias, que se encontram semi-adormecidas, uma vez que não foram debeladas.
Todavia, o que se tem triste e medonhamente alvissareiro é que as "autoridades", todas elas coniventes ou medrosas em face da audácia e destemor dos autocratas e pervertidos, nem mesmo elas terão seus cargos e cabeças preservadas e serão destinadas às margens e a lata do lixo da história, uma vez instaurada nova ditadura ou regime de exceção, uma vez venham encherem o saco, ou venham invocar a vigência da Ordem Constitucional e se rebelarem contra a perda de prerrogativas e de privilégios.
* Miguel dos Santos Cerqueira, Defensor Público, titular da Primeira Defensoria Pública Especial Cível do Estado de Sergipe, Estudioso de Filosofia e História e Militante de Direitos Humanos e-mail migueladvocate@folha.com.br.