Capoeira: Luta, jogo ou arte?
Publicado em 13 de maio de 2014
Por Jornal Do Dia
* Joanelice Oliveira Santana
Os trezentos e dezoito anos da morte de Zumbi colocaram na ordem do dia a luta contra o preconceito e a discriminação racial no Brasil. Nas discussões, a negritude e cidadania merecem maior destaque como temas de extrema importância relacionados ao mercado de trabalho, moradia, acesso à educação e saúde. Nesse contexto, a capoeira, símbolo de luta e resistência dos quilombolas, hoje ensinada nas academias de ginástica, nas universidades, vem se espalhando por alguns países do 1º mundo. Deixa assim, de ser apenas uma brincadeira dos jovens da periferia.
Essa luta, jogo, ou arte, surgiu no momento em que os negros africanos escravizados no Brasil, romperam com o poder senhorial e formaram a República dos Palmares. Reunindo 30 mil pessoas, entre homens e mulheres, transformou-se em um Estado Africano com estrutura sócio-econômica, política e jurídica, opondo-se ao governo. Essa comunidade alternativa manteve sua população, graças a um sistema coletivo de produção: o excedente era distribuído igualmente. Para que esta sociedade se defendesse das forças repressoras do Governo colonial, foi necessário a criação de um sistema de defesa, através da luta corporal e resistência física, com evidências de que a capoeira foi peça fundamental nos conflitos entre as expedições holandesas e portuguesas cujo líder, Zumbi, guerreiro e estrategista e, sobretudo, segundo a história oral, um grande capoeirista.
Depois da destruição do Quilombo dos Palmeiras, em 1690, passou-se um longo período sem informações sobre a capoeira (talvez por falta de pesquisas). Somente no século XIX esta luta vai aparecer nas Leis e Decretos do reinado de D. João VI, como prática de malandragem. Este, preocupado em manter a ordem na Capital do país (Rio de Janeiro), criou a Intendência da Política comandada por major Vidigal, o imbatível dos capoeiras. A partir daí esse jogo foi alvo de perseguição das forças repressoras do Estado Monárquico.
No Governo do Marechal Deodoro da Fonseca, responsável inicialmente pela montagem da estrutura de poder, do Estado Republicano, tendo como lema "Ordem, Progresso e Liberdade", transformou a capoeira em uma prática criminosa (vê Código Penal 1890). Assim, o indivíduo que lutava e participava dos maltas era punido com dois a seis meses de prisão.
Essa Lei vai ser revogada somente com a Constituição em 34, na qual a Ca poeira vai ser considerada apenas um espetáculo folclórico; mas, com a Constituição outorgada, por Getúlio Vargas, em 1937, (início do estado Novo), a capoeira passa a ser oficializada como luta, sendo referenciada pelo Mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado), criador do Centro de Cultura Física da Bahia. Ele vai dar o caráter didático, denominado Capoeira Regional, introduzindo novos movimentos ao estilo, chamado Angola, criado por Mestre Pastinha. Tal inovação criou grandes discussões e disputa entre os que as classificam como arte, folclore, vadiagem e os que as defendem como luta e defesa pessoal. Já para outros, não há distinção entre as duas modalidades, uma completa a outra e o verdadeiro capoeirista pratica ambas.
Em 1972, a capoeira se transformou em esporte competitivo: é reconhecida pelo MEC como a Arte Macial Brasileira, havendo perspectivas de ser incluída nas próximas Olimpíadas. Crescendo a sua aceitação, deixa de ser praticado nas periferias, como jogo exclusivo de homens e ganha novos adeptos, notadamente as mulheres e jovens de classe média atraídos pelos meios de comunicação e academias que hoje tomam conta dos grandes centros urbanos, como acontece na zona sul de Aracaju.
Outrora instrumento de luta dos escravos contra seus opressores, assimilada ao longo da História do Brasil pela classe subalterna, a capoeira, hoje é praticada pelos filhos da burguesia e sofre o risco de perder totalmente seu significado. Tudo porque, ser capoeira segundo Mestre Ziza, (é uma maneira diferente de ser), portanto, muito longe de ser um modismo que atraia a elite nos nossos dias.
* Joanelice Oliveira Santana é professora de História da Rede Estadual de Ensino.