Surpreendido em calças curtas
Carta aberta a um jovem poeta
Publicado em 23 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia
A juventude é a mais estúpida das virtu- des. A sentença de Nelson Rodrigues, o meu malvado favorito, deveria servir de advertência a todo gênio precoce, sonhando grandezas com os próprios botões. No fim das contas, em toda a história do ocidente, Rimbaud foi o único poeta fedendo a mijo vocacionado para a posteridade.
A complacência crítica em voga na aldeia empresta espaço e letra de imprensa a qualquer um com um soneto publicado embaixo do braço. Pablo Valadares anunciou: "Eu tenho 18 anos!". E foi o que bastou para o seu rosto diáfano, de quem nunca levou porrada na vida, para citar Fernando Pessoa, ser visto nos periódicos, proclamando com o semblante contrito a celebridade efêmera de um jovem intelectual.
Quem lê os versos do menino tem a impressão de tê-lo surpreendido em calças curtas. Os brindes erguidos aos anjos e às canções não transbordam nenhuma experiência autêntica. Sem nenhuma camisa manchada de vinho barato para cobrir os seus versos magros, tremendo de frio, Pablo Valadares faria melhor enchendo a cara nas madrugadas do Capitão Cook, enquanto é tempo, ao invés de imitar um personagem de Belle Époque em supostas noites boêmias, resvalando em falsidade.
Todo mundo escreve versos na flor da idade. Velho demais para se contentar com os pecados solitários, cometidos à portas fechadas, Pablo Valadares faz muito bem em jogar o próprio corpo no mundo. Os seus versos, ao contrário, são dignos das sete chaves de uma gaveta bem trancada.