Coisa de eleições…
Publicado em 24 de abril de 2018
Por Jornal Do Dia
* Raymundo Mello
(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)
Neste período que antecede o prazo li- mite para que os partidos políticos fa- çam as convenções e indiquem seus candidatos na eleição de 7 de outubro próximo – atentem para a data do pleito! -, o assunto "Eleições" – leia-se: candidaturas, coligações, conchavos – ocupa parte significativa dos noticiários nas televisões, rádios, jornais e outras mídias sociais. Como muitos leitores, ao me encontrarem, sempre "reclamam" que tenho diminuído a publicação de textos de meu pai, o ‘Memorialista Raymundo Mello’, trago hoje uma de suas memórias sobre eleições no passado. Um texto alegre, mais pro anedotário, fugindo do clima angustiante da política contemporânea. Melhor, pra relaxarmos um pouco…
O texto foi publicado na edição de 27/09/2016 do ‘Jornal do Dia’, encimado pelo título "Sobre eleições". Assim escreveu Raymundo Mello:
"Ensina-nos o livro do Eclesiastes, no primeiro versículo do capítulo 3, que "para tudo há um tempo", e, dentre os ‘vários tempos’ referidos na sequência do texto, elenca que há "tempo para chorar, e tempo para rir" (versículo 4) e "tempo para calar, e tempo para falar" (versículo 7). Vou usar o tempo para rir e o tempo para falar, acrescentando ‘tempo para registrar’. São dois registros simples, sobre eleições.
1.º) Recentemente, cidadão respeitável, inteligente, palavra fácil, que já ocupou várias funções públicas com muito êxito, ainda em plena atividade, conceito sempre em alta, resolveu candidatar-se a Deputado Estadual. E assim o fez.
Nome disputado por várias legendas, escolheu a que julgou mais próxima de suas aspirações, autorizou o registro e tornou conhecida sua candidatura. O efeito foi altamente positivo. Começou a receber adesões. E foram tantas que ele resolveu anotar para seu controle.
"Vou votar em você (ou, no senhor). Vamos votar para sua eleição, a família inteira, porque o senhor merece, é homem digno". Colegas de profissão, de atividades e clube de serviço, entre outros, com o mesmo entusiasmo. E as boas expectativas acumulando-se.
A propaganda eleitoral, especialmente no rádio e televisão, foi um sucesso. E então começaram a surgir aquelas propostas costumeiras: "O meu grupo vai sufragar seu nome. Depois das eleições, a gente conversa, né? Tem uns eleitores que pedem um "auxiliozinho" que vou adiantando; depois nós acertamos". E ele sempre respondia: "Obrigado pelo apoio, mas que os compromissos sejam espontâneos".
E assim foi. Caderneta de anotações cheia de "apoios". Até para 1.º ou 2.º suplente a vaga estava garantida. E aí, surge, assim, ‘sem-mais-nem-menos’, a adesão, ou melhor, o apoio de um chefe político do interior, por intermédio de um dos seus fiéis colaboradores. Insatisfeito com o que se passava em suas hostes, resolveu, segundo o intermediário, encaminhar seu eleitorado para o nobre candidato."Doutor – diz o ‘cabo eleitoral’ -, são votos de mais de 3.000 pessoas. Tudo pro senhor. ‘Tamos’ eleitos!", já mudando o tratamento.
Alegre, bem motivado, o candidato começou a confidenciar ser praticamente garantida sua eleição. Mas só soltou agradecimentos; dinheiro, jamais, e muito menos outras ofertas.
E aguardou o grande dia. Mas… a chuva de votos não aconteceu. Nas cidades onde ele contabilizara ótimos números, nada. Em algumas delas, ‘zero votos’. E o ilustre candidato ficou mesmo na esperança. Só mesmo aqueles primeiros votos, dos íntimos, chegaram às urnas.
Ficou triste? Abatido? Não. A experiência lhe valeu conhecimento: aprendeu como funciona a roda política. Em outra oportunidade, se houver e ainda interessar, saberá resistir às tentações.
2.º) O segundo registro é um pouco mais antigo. Cidadão de boa formação, simples, trabalhador, estabelecido no ramo de funilaria, boa clientela, trânsito livre e aplaudido entre as ruas São Cristóvão, Laranjeiras, Propriá e adjacências, boa família, sorriso nos lábios em qualquer circunstância, era um baixinho agitado, sempre andando às pressas, saudando uns e outros, feições magras e rubras. E era fanho. Entendia bem o que lhe diziam, mas para entender suas falas era preciso muito boa vontade. Assim mesmo, comunicava-se bem.
Por brincadeira, e atendendo convite do Deputado Federal ‘Francisco de Araújo Macedo’, presidente estadual do PTB de então – o legítimo PTB do doutor ‘Getúlio Vargas’ -, candidatou-se a Vereador na cidade de Aracaju e obteve 25 votos. Foi um sucesso. Ficou longe de eleição, mas foi -entusiasticamente – aplaudido por parentes e amigos.
Incentivado, bem orientado, passou a levar a sério o processo eleitoral e preparou-se para a eleição seguinte, quatro anos depois. Juntou dinheiro, trabalhou com afinco junto a familiares e possíveis eleitores, encaminhou amigos e amigas para inscreverem-se como tal. Acompanhava a tramitação do processo e na data prometida pelo cartório acompanhava os eleitores para recebimento do respectivo título, ao tempo em que anotava o endereço e o número da sessão eleitoral de cada um e comprometia-se a apanhar o/a eleitor/a em casa na data certa e levá-los/as de volta para suas residências após o voto.
Familiares, amigos e eleitores anônimos tiveram o mesmo trato. Contratou 4 ‘carros de praça’, pagando almoço para os motoristas, e, no dia da eleição, coordenou os trabalhos de locomoção dos eleitores às sessões eleitorais, ida-e-volta, sempre agradecendo o voto de cada um.
Conforme a legislação eleitoral vigente à época, cada eleitor já entrava na sessão com a chapa do candidato a Vereador na mão. Era só depositar a chapa na urna; não tinha possibilidade de erro.
Faltando poucos minutos para as 17 horas o candidato dirigiu-se à sua sessão eleitoral para votar. E aí, o inesperado: não havia levado o título. Tomou o carro de praça, voltou até sua casa, pegou o documento e, a toda pressa, chegou à sessão. Mas aí, já era tarde. Os trabalhos eleitorais estavam encerrados.
No dia seguinte começou a contagem de votos, um a um, cada chapa passando pelas mãos dos vários escrutinadores. Dias e dias de trabalho – 15 a 20 dias, mais ou menos, em cada sessão -, 1.ª zona, 2.ª zona, "urna número tal, não houve impugnação", dizia o Presidente da Junta até que os votos eram apurados.
Quase um mês depois, a promulgação do resultado. Não seria surpresa se o candidato tivesse um voto a menos do que o esperado, afinal, ele, justamente ele próprio, não conseguira depositar seu voto. E o que é pior, ainda teria que justificar a ausência junto ao Juiz Eleitoral.
Mas a surpresa existiu. O candidato não teve um voto sequer apurado. Foi ‘zero votos’ mesmo. Parentes, amigos, eleitores anônimos, trocaram de chapa na hora de depositar o voto e não deu pra notar, pois, antes de ir à urna as chapas eram envelopadas.
Os envelopes eram mágicos, trocavam as chapas sem ninguém notar? O velho candidato não entendeu, pois todos confirmaram os votos a seu favor. Acabou a euforia do "já ganhou". Mistééério…
Coisa de eleições. Pedir recontagem, nem pensar – foi zero mesmo, em todas as urnas da capital.
Sobre Partido, depois eu conto".
* Raymundo Mello é Memorialistaraymundopmello@yahoo.com.br