Quarta, 15 De Janeiro De 2025
       
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CONGA X VULCABRÁS – MEMÓRIA E CULTURA ESCOLAR NA LAGARTO DOS ANOS 70 e 80


Publicado em 01 de abril de 2021
Por Jornal Do Dia


 

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Entre os finais dos anos 1970 e 1980, fui aluno do Colégio Cenecista Laudelino Freire, na cidade de Lagarto-SE. A instituição, criada no dia 29 de julho de 1943, teve suas atividades interrompidas em 2012. Segue o prédio abandonado, sem utilidade alguma até a presente data.
Eu era uma criança de classe média pobre. Meus pais não tinham condições de pagar uma escola particular. Por meio de bolsas, conseguidas junto a líderes políticos locais, em razão de meu pai ter sido vereador municipal, sem perceber salário, consegui fazer todo meu ginásio na rede Cenecista de ensino, em Sergipe.
Foram anos memoráveis, de grandes aprendizagens e vivências. Era uma escola grande, com pátios e salas de aula arejadas. Uma área externa ampla, onde praticávamos Educação Física. Na biblioteca, muito sortida, tinha um quadro imenso de Emílio Garrastazu Médici. Sem ter consciência do tempo político que eu vivia, morria de medo daquele homem e evitava olhar para ele quando por lá  pesquisava ou estudava.
Eu tinha limitações financeiras, mas meus pais procuravam dar a todos, a mim e a meus mais três irmãos e três irmãs, o melhor possível à época, como ter lápis de cor Faber Castell, cujo cheiro até hoje me encanta. O fardamento era de linho branco, camisa de botão, com bolso no lado esquerdo com o escudo da escola. Calça de linho azul marinho e calçado.
À época, os mais abastados usavam sapato Vulcabrás preto e meias brancas. De couro e sola de borracha, era mais caro. Mesmo calçado de outra importante escola do município de Lagarto, o Colégio Nossa Senhora da Piedade, criado em 1947. Os menos abastados, quando era permitido pela instituição, usavam conga ou outro tipo menos inferior, sob o olhar atento e disciplinado de Tia Eliane Machado.
Eu era o único no Colégio Cenecista Laudelino Freire a usar Kichute. Era uma mistura de tênis com chuteira, muito confortável, todo preto, de lona com borracha, incluindo os cravos na sola. Ficou muito famoso depois da conquista do tricampeonato mundial da Seleção Brasileira de Futebol, em 1970.
Em tempos nada politicamente incorretos, fui, por conta dessa indumentária escolar específica, alvo do que chamamos hoje de bullying. Até a chegada de uma coleguinha chamada Iracema. Baixinha e fofinha, de cabelos lisos cortados em forma de cuia, sardas no rosto e com uma personalidade muito forte. Sua mãe morava perto da escola e fazia sonho (tipo de pão com açúcar) para vender.
Iracema chegou na escola, com saia azul marinho de pregas, meias brancas à altura dos joelhos, e usando Kichute, também. Fiquei fascinado a primeira vez que a vi. Eu me senti representado e identificado. Foi um alento social e nos tornamos grandes amigos. Juntos, nos impomos e ultrapassamos um código social ridículo e sem sentido que se impunha nas escolas da época e que durou por anos.
Quem usava Vulcabrás era de uma condição social melhor, em tese. Salvo os casos, em sua grande maioria, de alunos cujos pais se sacrificavam financeiramente para dar um calçado daqueles aos seus filhos. Talvez por não ter que ver seus filhos passarem pelo que eu e Iracema passamos.
Iracema não passou mais do que dois anos na escola. Mudou-se da cidade e até a presente data não tive mais notícias dela. Conhecer e conviver com ela me ajudou a ser uma criança mais autêntica e determinada. Nunca mais usar conga ou kichute me definiu. Passei a me orgulhar disso e segui em frente em minha jornada estudantil.
Usei conga ou kichute até o primeiro ano do Ensino Médio, substituindo-os por outra moda do momento, a basqueteira. Financeiramente, as coisas melhoraram. Agora, era aluno do Colégio Estadual Abelardo Romero Dantas, onde ser aluno era mais importante do que o que você usava, vestia ou calçava. Afinal de contas, nem sempre indumentária faz a pessoa. Mais vale o que se é do que, necessariamente, o que se calça ou veste.

Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos

Entre os finais dos anos 1970 e 1980, fui aluno do Colégio Cenecista Laudelino Freire, na cidade de Lagarto-SE. A instituição, criada no dia 29 de julho de 1943, teve suas atividades interrompidas em 2012. Segue o prédio abandonado, sem utilidade alguma até a presente data.
Eu era uma criança de classe média pobre. Meus pais não tinham condições de pagar uma escola particular. Por meio de bolsas, conseguidas junto a líderes políticos locais, em razão de meu pai ter sido vereador municipal, sem perceber salário, consegui fazer todo meu ginásio na rede Cenecista de ensino, em Sergipe.
Foram anos memoráveis, de grandes aprendizagens e vivências. Era uma escola grande, com pátios e salas de aula arejadas. Uma área externa ampla, onde praticávamos Educação Física. Na biblioteca, muito sortida, tinha um quadro imenso de Emílio Garrastazu Médici. Sem ter consciência do tempo político que eu vivia, morria de medo daquele homem e evitava olhar para ele quando por lá  pesquisava ou estudava.
Eu tinha limitações financeiras, mas meus pais procuravam dar a todos, a mim e a meus mais três irmãos e três irmãs, o melhor possível à época, como ter lápis de cor Faber Castell, cujo cheiro até hoje me encanta. O fardamento era de linho branco, camisa de botão, com bolso no lado esquerdo com o escudo da escola. Calça de linho azul marinho e calçado.
À época, os mais abastados usavam sapato Vulcabrás preto e meias brancas. De couro e sola de borracha, era mais caro. Mesmo calçado de outra importante escola do município de Lagarto, o Colégio Nossa Senhora da Piedade, criado em 1947. Os menos abastados, quando era permitido pela instituição, usavam conga ou outro tipo menos inferior, sob o olhar atento e disciplinado de Tia Eliane Machado.
Eu era o único no Colégio Cenecista Laudelino Freire a usar Kichute. Era uma mistura de tênis com chuteira, muito confortável, todo preto, de lona com borracha, incluindo os cravos na sola. Ficou muito famoso depois da conquista do tricampeonato mundial da Seleção Brasileira de Futebol, em 1970.
Em tempos nada politicamente incorretos, fui, por conta dessa indumentária escolar específica, alvo do que chamamos hoje de bullying. Até a chegada de uma coleguinha chamada Iracema. Baixinha e fofinha, de cabelos lisos cortados em forma de cuia, sardas no rosto e com uma personalidade muito forte. Sua mãe morava perto da escola e fazia sonho (tipo de pão com açúcar) para vender.
Iracema chegou na escola, com saia azul marinho de pregas, meias brancas à altura dos joelhos, e usando Kichute, também. Fiquei fascinado a primeira vez que a vi. Eu me senti representado e identificado. Foi um alento social e nos tornamos grandes amigos. Juntos, nos impomos e ultrapassamos um código social ridículo e sem sentido que se impunha nas escolas da época e que durou por anos.
Quem usava Vulcabrás era de uma condição social melhor, em tese. Salvo os casos, em sua grande maioria, de alunos cujos pais se sacrificavam financeiramente para dar um calçado daqueles aos seus filhos. Talvez por não ter que ver seus filhos passarem pelo que eu e Iracema passamos.
Iracema não passou mais do que dois anos na escola. Mudou-se da cidade e até a presente data não tive mais notícias dela. Conhecer e conviver com ela me ajudou a ser uma criança mais autêntica e determinada. Nunca mais usar conga ou kichute me definiu. Passei a me orgulhar disso e segui em frente em minha jornada estudantil.
Usei conga ou kichute até o primeiro ano do Ensino Médio, substituindo-os por outra moda do momento, a basqueteira. Financeiramente, as coisas melhoraram. Agora, era aluno do Colégio Estadual Abelardo Romero Dantas, onde ser aluno era mais importante do que o que você usava, vestia ou calçava. Afinal de contas, nem sempre indumentária faz a pessoa. Mais vale o que se é do que, necessariamente, o que se calça ou veste.

 

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