Sábado, 30 De Novembro De 2024
       
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Crônicas musicais – O quente e o frio da Estação Sedução


Publicado em 01 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia


 

O Jornal do Dia publica, sempre às quartas, uma série de artigos assinados pelo jornalista Antonio Passos. São textos ambientados nos anos de formação de uma empolgante cena musical sergipana, nos quais Passos relata o que viu e viveu de perto, in loco, no calor do momento.
***
"Aracaju Estação Sedução", LP recém-lançado pela Emsetur, com doze composições de autoria de diversos artistas locais, apresenta um resultado irregular, marcado por momentos de alta, média e baixa temperatura a partir de casamentos harmônicos e desarmônicos entre composições e arranjos.
O disco é aberto por Irmão cantando "Belamine" de sua autoria. Uma composição de ritmo forte, entretanto, contido pelo arranjo pouco diversificado e desenvolvido a partir de modelos já demasiadamente utilizados, que soam desatualizados e abafam a possibilidade de maior brilho da música. Em seguida, a temperatura aumenta: Rogério, acompanhado pela banda Estrela Guia, mostra os frutos da experiência de quem já está, há algum tempo, em constante atividade musical, assumindo o arranjo e interpretando "Atitude Negra (OdêOda)" de Tonho Baixinho, na linha da atual música carnavalesca baiana, apresentando um competente resultado. A terceira música, na voz de Amorosa, é "Treme Terra (Rei Euclides)" de Irineu Fontes e Jorge Lins, faixa que brilha e mantém alta a temperatura, sobretudo pela diversidade rítmica apresentada – bem canalizada pelo arranjo (à sombra de Alceu Valença) – e por trazer o mais forte e contagiante refrão do vinil: "Quando eu cheguei nessa casa eu avisei / eu perguntei se eu podia rezar / ajoelhar bem direitinho / guerreiro fazendo pelo siná".
A quarta faixa, ainda do lado A é "Não Existe Solidão" de Cezar e Niltinho, interpretada pelo primeiro. A canção apresenta um deslocamento anterior à fase de construção do arranjo: a própria música, a exemplo de "Chuva de Verão" (3B) de Chico Queiroga e "Teu Corpo" (4B) de Lula Ribeiro, entra em dissonância com o espírito rítmico que vem sendo desenvolvido no conjunto do disco. Quando a agulha alcança essas três faixas, a temperatura chega aos níveis mais baixos, não justificando a participação delas no projeto. Outra música que poderia juntar-se às três citadas acima é "Vamos Abraçar o Sol" (6A) de José A. Vieira e Agnaldo Batista, cantada por Jota Carvalho e Grupo Repente, que é apenas mais um frevo eletrizado entre os incontáveis já existentes e que nada de destacável apresenta qualitativamente, mas, ao contrário das outras, justifica-se exatamente por ser um frevo, música sempre revisitada nos carnavais e verões nordestinos. Ainda no primeiro lado Jorge Ducci canta "Caras Pálidas" (sua e de Ismar Barreto), um reggae bem conduzido vocalmente e marcado por um agradável refrão ("rock é vida do reggae / reggae é vida do rock"), com arranjo à moda dos reggaes de Gil.
O lado "B" é iniciado com a música "Mar" de Antonio Carlos Du Aracaju, uma canção suave, vista panorâmico-musical da capital sergipana, partindo do seu encontro com o mar e alcançando diversos bairros da cidade. Irineu Fontes, continuando sua investida pelo mundo da lambada, aparece então após o batucar de um pandeiro para interpretar "É Só Te Encontrar", parceria dele com MarkusTrolleis, bem arrojada em alguns trechos, porém demasiadamente "clicherizada" no geral.
Quase no final do vinil, surge então, sem dúvida, a melhor entre todas as faixas: "AlekundeTomboliê", composição de Tonho Baixinho com título sugerido por Gildo Simões da revista África-Brasil, o que não está citado em nenhum lugar do disco. Um acorde construído sobre timbres ruidosos é introduzido por um teclado e seguido por uma guitarra distorcida: detona-se assim, a fluência ricamente sonora que caracteriza o arranjo. Lembrei imediatamente da música "Esqueça o que te disseram sobre o amor" dos Paralamas do Sucesso (LP Big Bang), o que não significa dizer que se trate de uma cópia feita por Tonho Baixinho. O compositor sergipano, já há algum tempo, tem escutado sistematicamente música africana contemporânea, fonte também da banda brasiliense, além de outros sons. O que essa semelhança revela são as antenas ligadas de Tonho Baixinho nesses tempos de "world music": "Eu que amo meu país / quero ver ele crescer / não quero ver tanta miséria / espalhada por aí", diz a letra de Tonho Baixinho. Encerrando o disco Jorge Ducci volta cantando, de Paulo Lobo, "Grafitti", que certamente soaria melhor antes da audição de "AlekundeTomboliê". Longe dos momentos mais frios da coletânea, "Grafitti", pelo contrário, é um bom momento, com destaque para a introdução incidental da música "Exército do Surf": "Nós somos jovens, jovens, jovens / somos do exército / do exército do surf".
Três problemas, porém, atrapalham um melhor desempenho da produção "Aracaju Estação Sedução". Em primeiro lugar o obscuro processo de escolha dos participantes, capaz de deixar de fora, por exemplo, Jimi (Jimidias), autor e intérprete do maior "hit" local de 1989 – "Aracaju Tudo Bem". Em segundo lugar, os arranjos feitos com pressa por profissionais pernambucanos, não só nessa, mas também em outras produções fonográficas locais, têm-se mostrado desatualizados, apesar de competentes. Finalmente, já está em tempo de se exigir mais cuidado com o acabamento dos discos sergipanos (mixagem, prensagem etc), o que é tarefa dos produtores.
Em resumo, um dado positivo espalha-se por todo o disco. Mais ou menos, todas as faixas podem constar na lista de programação das FMs, a julgar pelo que hoje povoa essas listas. Isso é um bom começo para uma produção que, ao menos inicialmente, foi pensada para ser extremamente divulgada.
Publicação original em: Folha da Praia, Aracaju, 11 a 17 de março de 1990.

O Jornal do Dia publica, sempre às quartas, uma série de artigos assinados pelo jornalista Antonio Passos. São textos ambientados nos anos de formação de uma empolgante cena musical sergipana, nos quais Passos relata o que viu e viveu de perto, in loco, no calor do momento.

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"Aracaju Estação Sedução", LP recém-lançado pela Emsetur, com doze composições de autoria de diversos artistas locais, apresenta um resultado irregular, marcado por momentos de alta, média e baixa temperatura a partir de casamentos harmônicos e desarmônicos entre composições e arranjos.
O disco é aberto por Irmão cantando "Belamine" de sua autoria. Uma composição de ritmo forte, entretanto, contido pelo arranjo pouco diversificado e desenvolvido a partir de modelos já demasiadamente utilizados, que soam desatualizados e abafam a possibilidade de maior brilho da música. Em seguida, a temperatura aumenta: Rogério, acompanhado pela banda Estrela Guia, mostra os frutos da experiência de quem já está, há algum tempo, em constante atividade musical, assumindo o arranjo e interpretando "Atitude Negra (OdêOda)" de Tonho Baixinho, na linha da atual música carnavalesca baiana, apresentando um competente resultado. A terceira música, na voz de Amorosa, é "Treme Terra (Rei Euclides)" de Irineu Fontes e Jorge Lins, faixa que brilha e mantém alta a temperatura, sobretudo pela diversidade rítmica apresentada – bem canalizada pelo arranjo (à sombra de Alceu Valença) – e por trazer o mais forte e contagiante refrão do vinil: "Quando eu cheguei nessa casa eu avisei / eu perguntei se eu podia rezar / ajoelhar bem direitinho / guerreiro fazendo pelo siná".
A quarta faixa, ainda do lado A é "Não Existe Solidão" de Cezar e Niltinho, interpretada pelo primeiro. A canção apresenta um deslocamento anterior à fase de construção do arranjo: a própria música, a exemplo de "Chuva de Verão" (3B) de Chico Queiroga e "Teu Corpo" (4B) de Lula Ribeiro, entra em dissonância com o espírito rítmico que vem sendo desenvolvido no conjunto do disco. Quando a agulha alcança essas três faixas, a temperatura chega aos níveis mais baixos, não justificando a participação delas no projeto. Outra música que poderia juntar-se às três citadas acima é "Vamos Abraçar o Sol" (6A) de José A. Vieira e Agnaldo Batista, cantada por Jota Carvalho e Grupo Repente, que é apenas mais um frevo eletrizado entre os incontáveis já existentes e que nada de destacável apresenta qualitativamente, mas, ao contrário das outras, justifica-se exatamente por ser um frevo, música sempre revisitada nos carnavais e verões nordestinos. Ainda no primeiro lado Jorge Ducci canta "Caras Pálidas" (sua e de Ismar Barreto), um reggae bem conduzido vocalmente e marcado por um agradável refrão ("rock é vida do reggae / reggae é vida do rock"), com arranjo à moda dos reggaes de Gil.
O lado "B" é iniciado com a música "Mar" de Antonio Carlos Du Aracaju, uma canção suave, vista panorâmico-musical da capital sergipana, partindo do seu encontro com o mar e alcançando diversos bairros da cidade. Irineu Fontes, continuando sua investida pelo mundo da lambada, aparece então após o batucar de um pandeiro para interpretar "É Só Te Encontrar", parceria dele com MarkusTrolleis, bem arrojada em alguns trechos, porém demasiadamente "clicherizada" no geral.
Quase no final do vinil, surge então, sem dúvida, a melhor entre todas as faixas: "AlekundeTomboliê", composição de Tonho Baixinho com título sugerido por Gildo Simões da revista África-Brasil, o que não está citado em nenhum lugar do disco. Um acorde construído sobre timbres ruidosos é introduzido por um teclado e seguido por uma guitarra distorcida: detona-se assim, a fluência ricamente sonora que caracteriza o arranjo. Lembrei imediatamente da música "Esqueça o que te disseram sobre o amor" dos Paralamas do Sucesso (LP Big Bang), o que não significa dizer que se trate de uma cópia feita por Tonho Baixinho. O compositor sergipano, já há algum tempo, tem escutado sistematicamente música africana contemporânea, fonte também da banda brasiliense, além de outros sons. O que essa semelhança revela são as antenas ligadas de Tonho Baixinho nesses tempos de "world music": "Eu que amo meu país / quero ver ele crescer / não quero ver tanta miséria / espalhada por aí", diz a letra de Tonho Baixinho. Encerrando o disco Jorge Ducci volta cantando, de Paulo Lobo, "Grafitti", que certamente soaria melhor antes da audição de "AlekundeTomboliê". Longe dos momentos mais frios da coletânea, "Grafitti", pelo contrário, é um bom momento, com destaque para a introdução incidental da música "Exército do Surf": "Nós somos jovens, jovens, jovens / somos do exército / do exército do surf".
Três problemas, porém, atrapalham um melhor desempenho da produção "Aracaju Estação Sedução". Em primeiro lugar o obscuro processo de escolha dos participantes, capaz de deixar de fora, por exemplo, Jimi (Jimidias), autor e intérprete do maior "hit" local de 1989 – "Aracaju Tudo Bem". Em segundo lugar, os arranjos feitos com pressa por profissionais pernambucanos, não só nessa, mas também em outras produções fonográficas locais, têm-se mostrado desatualizados, apesar de competentes. Finalmente, já está em tempo de se exigir mais cuidado com o acabamento dos discos sergipanos (mixagem, prensagem etc), o que é tarefa dos produtores.
Em resumo, um dado positivo espalha-se por todo o disco. Mais ou menos, todas as faixas podem constar na lista de programação das FMs, a julgar pelo que hoje povoa essas listas. Isso é um bom começo para uma produção que, ao menos inicialmente, foi pensada para ser extremamente divulgada.

Publicação original em: Folha da Praia, Aracaju, 11 a 17 de março de 1990.

 

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