Quinta, 28 De Março De 2024
       
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O bafo quente da alegria


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Publicado em 19 de março de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Rian Santos
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Quem não conhece o vozerio estridente de uma feira livre, a cor e o perfume das bancas abarrotadas de frutas, certamente passará ao largo dos caminhos percorridos nas cinco faixas de ‘Piçarra’. No chão batido, a música de Alberto Silveira corre solta, aos pulos, feito um moleque de pés descalços, coberta de sol e poeira.
Não sei de trabalho mais claro, ensolarado, até, desde os álbuns gravados pelo Quinteto Armorial sob as bênçãos de Suassuna. O violão do sujeito estala, por assim dizer. Também não falta calor nas palmas calejadas de Kelvin Cruz e Pedrinho Mendonça. Em ‘Piçarra’ tudo resta pronunciado, tudo é declarado em alto e bom som. O sobe e desce das melodias curtas tem muito do pregão na boca arreganhada dos comerciantes. Pode-se apalpar propósitos, a intenção evidente do compositor. Tudo é tratado às claras, como se faz na hora da xepa.
Em certa medida, ‘Piçarra’ rende homenagens ao idílio nordestino. Bicho urbano, no entanto, o músico não se limita a evocar paisagens áridas, pintadas com suor e sofrimento. Nada disso. Ao invés de reproduzir os clichês mais gastos, em lugar de pendurar uma xilogravura desbotada na parede, ele se vira em idéia viva e conta a seu próprio modo, com rasgos de memória e imaginação, uma versão emotiva e mais animada dessa história.
Todo mundo conhece os versos de François Silvestre, declamados por Elomar em apresentação histórica, o show Cantoria: “Só é cantador quem traz no peito o cheiro e a cor da sua terra/ a marca de sangue de seus mortos e a certeza de luta de seus vivos”. Alberto Silveira jamais alimentou tal pretensão. Mas talvez acrescentasse à fórmula, à guisa de brincadeira, o bafo quente da alegria.

O primeiro tiro – ‘Baleadeira’ (2015), primeiro registro com a assinatura de Alberto Silveira, transforma em gesto a potência latente nas sempre oportunas aparições do músico – uma promessa pronunciada desde a revelação promovida pelo Festival Aperipê de Música, em 2010. Pedra cheirando a sangue. Desde então, ficou estabelecido em tácito consenso que a música instrumental realizada na aldeia contava com seis cordas de aço e, ainda mais importante, um compositor de primeira grandeza, sem nenhuma pose de erudição.
Do xote agalopado (um híbrido de acento blues) que batiza o EP, ao desfecho fracamente devotado a certo pendor interiorano, os temas aqui relacionados foram todos arranjados para dar relevo ao dedilhado ágil do violão. Ponto para a produção de Thiago Ribeiro, que aposta na simplicidade quase rude do instrumento para ressaltar a levada contagiante das composições.
Folk/pop/regional. Seria temerário eleger um gênero para acomodar todo o esforço criativo de Alberto Silveira. Mais proveitoso é perceber as diversas influências reunidas de modo personalíssimo, obra e graça de um compositor aparentemente cônscio de propósitos e intenções. Há uma pitada de bluegrass em quase todas as faixas, mas é na conciliação de vocabulários distintos e patadas vigorosas que Alberto constrói a própria linguagem, de uma fluência compreensível em qualquer lugar com algum passado nas costas.
Não é todo dia que as metáforas gastas traduzem alguma verdade. No caso em questão, contudo, é desnecessário evitar os adjetivos mais claros. Todo mundo está cansado de saber que o violonista Alberto Silveira é bom de mira. Pois ‘Baleadeira’ acerta bem no alvo.

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