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Vamos comer Caetano


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Publicado em 23 de julho de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Vocação para a alegria

Rian Santos
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O Brasil envelhece. Os anos dourados, quando a juventude da população e as madeixas cumpridas de Caetano Veloso afirmavam uma fé inabalável no futuro, ficaram para trás.
Hoje, 22 milhões de brasileiros contam mais de 60 anos, de acordo com dados reunidos pelo IBGE. Mais do que a faixa etária estampada nos cabelos brancos de um cantor e compositor baiano, entretanto, a atmosfera política recomenda cuidados. Hoje, velhos e moços, o país inteiro pisa no chão devagar, caminha sobre ovos, tem receio de andar para trás.
Caetano avança já para os 80 anos com a cuca fresca de um menino. Neste particular, o artista é muito diferente dos pobres mortais. Enquanto ele inventa, realiza turnês, mira o horizonte e grava novas canções, inquieto, a maioria se apavora, assombrada pela inflação e a fome. Hoje, tanto tempo depois, nunca estivemos tão perto de 64.
Também por isso é preciso celebrar a disposição de Caetano Veloso. Há uma live agendada no dia 07 de agosto, aniversário do baiano, na plataforma de streaming Globo Play, com a participação de seus filhos músicos e a irmã Maria Bethânia. Sem Gil e Caetano, João Gilberto, Os Novos Baianos, a Tropicália, apenas chumbo e sangue restariam do passado.

UM ABRAÇAÇO – Ninguém sabe, mas tenho Caetano Veloso como um irmão. Se nunca me gabei dos laços de parentesco, tímido doente, foi por conveniência de um temperamento em tudo oposto ao fogo ansioso do artista. Uns nascem para o aqui e agora de esquinas conhecidas desde sempre, outros para conquistar o mundo.
Caê viu de tudo com os olhos que a terra há de comer um dia, desde menino no olho do furacão. ‘Domingo’ (1967), um disco de serenidade sussurrada, de uma timidez incompatível com as ousadias futuras em companhia de Gal e os Doces Bárbaros, é uma afirmação de fé no próprio taco e disposição para a experiência. Para felicidade da música popular tupiniquim, o ‘Coração Vagabundo’ do compositor jamais perdeu a esperança de “ser tudo o que quer”.
Não por acaso, os três discos seguintes foram batizados simplesmente ‘Caetano Veloso’. O mano tem a necessidade de se corrigir, atualizar e reafirmar o tempo inteiro, até no exílio. Na ambivalência de um entusiasta da Bossa Nova com um pé na urgência barulhenta do rock, o seu maior trunfo. Revólver e coqueiro. Maluco e burguês.
Um passo à frente, dois passos atrás. Hoje, mais do que nunca, é importante celebrar Caetano Veloso. Surtos cristalizados na face odienta e caricata de Bolsonaros e Trumps, estranhos às condições materiais fornecidas pela facilidade de informação, um regalo da tecnologia, pipocam aqui e ali, alheios à experiência acumulada até agora, como se não houvesse versos dando ciência de vastidões e além. Felizmente, a fortuna crítica reunida nas memórias de Caetano, publicadas sob o título ‘Verdade Tropical’, passa a história a limpo, afirma e reafirma o lugar Brasil no mundo, o perfume, a cor, a vocação nativa para a alegria.

CUCA FRESCA – O leitor repare na capa do álbum mais recente de Caetano Veloso. Sim, ele é já um senhor de idade, como diziam as tias velhas de antigamente.
‘Meu coco’ soa como um romance de formação recitado de trás pra frente, faz alusão a um universo diverso, múltiplo, plural – a cuca fresca de Caetano. As referências estritamente musicais ecoam todo tipo de manifestação cultural, do baião ao funk, com uma esperteza muito particular. Os versos do compositor, por sua vez, dão saltos de criança arteira, moleques, brincam com a próprio noção de tempo.
Sim, Caetano é um artista com muita história nas costas, poderia se dar ao luxo de viver dos louros conquistados nos anos dourados, quando atualizou a sintaxe da Música Popular Brasileira de olho nos acontecimentos do mundo. Também por isso, faz sempre questão de render homenagens aos colegas com quem trombou em sua própria jornada. Ainda agora, de mãos dados com uma ruma de meninos, faz sugestões, compartilha vislumbres, teme e tem ânsia de futuros possíveis, aprende, como todo mundo.
Fosse alpinista, Caetano certamente falaria aos outros do alto do Everest, em código Morse, talvez, por sinais de fumaça. De tal altura, ele gravou um disco exuberante, todo ritmo. ‘Meu Coco’ responde à sombra do horizonte nublado como se evocasse Thiago de Mello, um poeta de seu tempo, aquele que disse “Faz escuro, mas eu canto”.

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