Domingo, 05 De Janeiro De 2025
       
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DIÁRIO DO ISOLAMENTO SOCIAL, O GURU


Publicado em 29 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia


 

* Lelê Teles
Alceu é funcionário público, seu hobby é ler Jung e tocar flauta doce.
Frequenta uma chácara, nos arredores deBbrasília, propriedade de um coroa barbudo que se autodeclara guru.
O sujeito manja de mantras, massagem ayurvédica e, apesar de solteiro, faz terapia para casais.
Por influência do tal guru, Alceu já foi à Índia.
Ir àÍíndia, pra essa moçada que cultua gurus, é como ir ao vaticano para os católicos, à meca para os muçulmanos e à Israel para os seguidores dos empresários de Cristo.
Alceu é casado com Alice, que é atriz e nutróloga e frequenta o retiro com o marido.
Por força de um decreto do governo do Distrito Federal, o casal foi obrigado a ficar sem ver o guru por pelo menos quinze dias.
Há sete dias Alice não vai ao teatro e nem ao consultório e, pelo mesmo período, Alceu não vai ao trabalho carimbar papéis.
Estão em casa, não têm filhos.
Apesar de ouvir recitais de cítara, saborear folhas e leguminosas frescas e se recusar a comer cadáver de animais, Alceu é um abusador agressivo e sem remorsos; costuma tratar a mulher com superioridade e um certo desprezo, é metido a sabichão tagarela e é a caricatura do machão possessivo.
Estar em casa, por uma semana com o marido, tem sido uma tortura para Alice.
Longe dos olhares serenos dos colegas de chácara, Alceu é um monstrinho.
Ele começa o dia calmo e carinhoso, contempla as nuvens, observa o caminhar organizado das formigas, fotografa uma borboleta que pousa no ombro da esposa.
Em lótus, sob a sombra de um guapuruvu, Alceu toca sua flauta; num aflato fluido e fônico.
No almoço, enquanto despeja azeite sobre a salada, ele inventa um pretexto para reclamar da esposa, eles batem boca.
A briga vai se estender, com pequenos intervalos, até as nove da noite.
À noite, ébrio de vinho, Alceu fica mais solto e mais agressivo.
Depois de xingar e humilhar a mulher por ela ter esbarrado no seu jarro com uma muda de purple haze, Alceu lhe esbofeteia, chamando-a de idiota desastrada.
Ela grita, retruca, não dá o braço à torcer.
Mas ele lhe torce o braço, lhe puxa o cabelo e lhe soca o rosto como quem bate em alguém que se odeia.
Alceu se mostrou um imbecil agressivo um ano após começarem a namorar, estão juntos há quatro anos, ele a espanca duas ou três vezes por mês, ela acredita que, de uma forma ou de outra, ela tem culpa por apanhar; se ela não derruba aquele vaso…
Depois de ser covardemente massacrada, ela se encolhe e chora.
Pouco tempo depois ele, com as mãos na cabeça como quem perdeu o juízo, afaga a esposa, simula arrependimento, lhe faz cafuné, lhe envolve em seus braços acolhedoramente e acarinha e infeliz ferida.
Esquenta água e faz compressa para os hematomas do rosto e do olho que começa a inchar.
Lhe trata as feridas e diz que a ama do fundo do seu coração; pede desculpas, diz que perdeu a cabeça e que a terapia está funcionando, ele vai conseguir se controlar da próxima vez.
O psicopata agressor controla a mente de sua vítima, ele estuda e mapeia sua estrutura emocional, conhece todos os seus caminhos e atalhos.
Alice está presa nessa armadilha.
Encolhida num canto, abraçando os joelhos, com o corpo trêmulo, o rosto quente e banhado em lágrimas, Alice, fragilizada e em desamparo, beija seu agressor, diz que o perdoa, chorando.
Ele deita-se sobre ela, olhos nos olhos, e a penetra com carinho; tântricamente.
Eles se beijam e chegam ao orgasmo juntos.
Uma estrela cadente rasga o céu escuro, uma coruja observa absorta e absorve.
Eles miram as estrelas.
Palavra da salvação.
***
ps: o lar é um dos lugares mais inseguros para meninas e mulheres, sejam elas namoradas, esposas, irmãs, filhas ou enteadas.
A violência contra a mulher espalha-se como uma epidemia.
#ficaemcasa, mas fica de boa.
* Lelê Teles é jornalsita, publicitário e roteirista

* Lelê Teles

Alceu é funcionário público, seu hobby é ler Jung e tocar flauta doce.
Frequenta uma chácara, nos arredores deBbrasília, propriedade de um coroa barbudo que se autodeclara guru.
O sujeito manja de mantras, massagem ayurvédica e, apesar de solteiro, faz terapia para casais.
Por influência do tal guru, Alceu já foi à Índia.
Ir àÍíndia, pra essa moçada que cultua gurus, é como ir ao vaticano para os católicos, à meca para os muçulmanos e à Israel para os seguidores dos empresários de Cristo.
Alceu é casado com Alice, que é atriz e nutróloga e frequenta o retiro com o marido.
Por força de um decreto do governo do Distrito Federal, o casal foi obrigado a ficar sem ver o guru por pelo menos quinze dias.
Há sete dias Alice não vai ao teatro e nem ao consultório e, pelo mesmo período, Alceu não vai ao trabalho carimbar papéis.
Estão em casa, não têm filhos.
Apesar de ouvir recitais de cítara, saborear folhas e leguminosas frescas e se recusar a comer cadáver de animais, Alceu é um abusador agressivo e sem remorsos; costuma tratar a mulher com superioridade e um certo desprezo, é metido a sabichão tagarela e é a caricatura do machão possessivo.
Estar em casa, por uma semana com o marido, tem sido uma tortura para Alice.
Longe dos olhares serenos dos colegas de chácara, Alceu é um monstrinho.
Ele começa o dia calmo e carinhoso, contempla as nuvens, observa o caminhar organizado das formigas, fotografa uma borboleta que pousa no ombro da esposa.
Em lótus, sob a sombra de um guapuruvu, Alceu toca sua flauta; num aflato fluido e fônico.
No almoço, enquanto despeja azeite sobre a salada, ele inventa um pretexto para reclamar da esposa, eles batem boca.
A briga vai se estender, com pequenos intervalos, até as nove da noite.
À noite, ébrio de vinho, Alceu fica mais solto e mais agressivo.
Depois de xingar e humilhar a mulher por ela ter esbarrado no seu jarro com uma muda de purple haze, Alceu lhe esbofeteia, chamando-a de idiota desastrada.
Ela grita, retruca, não dá o braço à torcer.
Mas ele lhe torce o braço, lhe puxa o cabelo e lhe soca o rosto como quem bate em alguém que se odeia.
Alceu se mostrou um imbecil agressivo um ano após começarem a namorar, estão juntos há quatro anos, ele a espanca duas ou três vezes por mês, ela acredita que, de uma forma ou de outra, ela tem culpa por apanhar; se ela não derruba aquele vaso…
Depois de ser covardemente massacrada, ela se encolhe e chora.
Pouco tempo depois ele, com as mãos na cabeça como quem perdeu o juízo, afaga a esposa, simula arrependimento, lhe faz cafuné, lhe envolve em seus braços acolhedoramente e acarinha e infeliz ferida.
Esquenta água e faz compressa para os hematomas do rosto e do olho que começa a inchar.
Lhe trata as feridas e diz que a ama do fundo do seu coração; pede desculpas, diz que perdeu a cabeça e que a terapia está funcionando, ele vai conseguir se controlar da próxima vez.
O psicopata agressor controla a mente de sua vítima, ele estuda e mapeia sua estrutura emocional, conhece todos os seus caminhos e atalhos.
Alice está presa nessa armadilha.
Encolhida num canto, abraçando os joelhos, com o corpo trêmulo, o rosto quente e banhado em lágrimas, Alice, fragilizada e em desamparo, beija seu agressor, diz que o perdoa, chorando.
Ele deita-se sobre ela, olhos nos olhos, e a penetra com carinho; tântricamente.
Eles se beijam e chegam ao orgasmo juntos.
Uma estrela cadente rasga o céu escuro, uma coruja observa absorta e absorve.
Eles miram as estrelas.
Palavra da salvação.

***

ps: o lar é um dos lugares mais inseguros para meninas e mulheres, sejam elas namoradas, esposas, irmãs, filhas ou enteadas.
A violência contra a mulher espalha-se como uma epidemia.
#ficaemcasa, mas fica de boa.

* Lelê Teles é jornalsita, publicitário e roteirista

 

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