DODÔ E OSMAR – UM TRIO ELÉTRICO EM SETE DÉCADAS DE ALEGRIA
Publicado em 14 de fevereiro de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
No princípio era o som e do som fez-se a luz. Luz de um carro na contramão da avenida. Do sebo maciço, a festa do povo na rua, sem corda numa horda de pulantes, com alegria de sobra para todos e para sempre. Amém.
Final dos anos 70 e início dos anos 80, em Lagarto-SE, molecote com pouco menos de dez anos, chamou a minha atenção um misto de magia e fascínio, assaltando minha inocência pueril.
No oitão do prédio da Câmara Municipal, uma luz foi tomando toda a parede do térreo e do primeiro andar. Ao compasso das caixas, charangas e guitarras, meu coração queria sair pela boca. Logo meus olhos se uniram ao som e o germe da música trieletrizada fez morada em meus nervos e sensibilidades.
Poucos anos depois, não menos que dois ou três, a vitrola, o disco e a paixão: Vassourinha Elétrica (1980). O Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar me acompanhou por toda a vida, não só nos carnavais, mas nas brincadeiras, incluindo desenhar trios, fabricá-los em miniatura, com caixa de isopor de ovos, tampinha de rum Montilla, canudinhos coloridos, cola branca, palitos de dentes ou de fósforo, recortes de papel e minhas miniaturas de faroeste e de soldados de plástico verde. Até um boneco do Homem Aranha sem os braços, me valia ou para ser uma representação de folião ou de músicos.
Esse encantamento arrebatador teve seu nascedouro na Bahia de Todos os Santos, em Salvador, em 1950, com os amigos Dodô e Osmar. Não bastassem a eles terem encontrado uma solução para o problema da microfonia e, assim, criado o pau elétrico no início dos anos 40 (embrião da guitarra baiana), em cima de um Ford Bigode 1929 improvisaram uma aparelhagem de som, que reproduzia clássicos do frevo pernambucano em formato trieletrizado. A Fobica foi o primeiro trio elétrico do mundo, fazendo valer a máxima "1950 – assim nasceu o trio elétrico".
Herdeiros daquela magia, um quarteto fantástico sedimentou um legado que dura mais de 70 anos, com variações diversas, mas mantendo a mesma essência: um som que faz pular ou uma "música prá pular brasileira", como diria certa feita Osmar Macêdo. Seus filhos, notadamente, mantêm com muita garra e entusiasmo o Trio Elétrico Armandinho, Dodô e Osmar desde 1974.
Armandinho, Aroldo, Betinho e André, jovens senhores, ano após ano, animam a festa momesca de Salvador e do Brasil, mantendo as origens da brincadeira, mas também agregando novos elementos e experiências musicais, construindo um repertório de sucesso, que teve no saudoso Morais Moreira um de seu maiores letristas e intérpretes.
Em 2019, tive a honra de iniciar uma trilogia dessa história primorosa de arte e talento, com o livro "A vida é um Trio Elétrico", um projeto que será retomado agora em 2021, com vistas, sobretudo a fazer memória não somente ao grupo, mas às suas origens e seus desdobramentos, em vários lugares do país e envolvendo outros sujeitos que construíram para que crianças como eu pudessem decorar as suas vidas com as alegorias do septuagenário caminhão da alegria.