Questão de pele

Após justa indignação, a morte de Genivaldo, assassinado de modo cruel por Policiais Rodoviários Federais em serviço, no interior de Sergipe, suscitas reflexões. Não faltou quem comparasse o episódio com o caso que deu origem a um grande movimento global em favor das vidas negras. Muito os aproxima. Nos Estados Unidos, onde o George Floyd, um homem negro, foi asfixiado até a morte por um policial branco, assim como em Sergipe, onde uma abordagem de rotina redundou em tortura e assassinato, o alto índice de letalidade policial escolhe vítimas a dedo.
Segundo uma canção popular, “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Num mundo ideal, o verso seria apenas uma frase de efeito, fruto de um flerte bem sucedido com o engajamento requisitado a artistas e intelectuais, desde sempre. Todas as estatísticas relacionadas à quarta população carcerária do mundo, a brasileira, no entanto, confirmam categoricamente o lamento.
Trata-se aqui de uma questão de pele, com reflexos em indicadores diversos. Não é de hoje, por exemplo, que o inchaço do sistema penitenciário brasileiro deixa patente o descaso das autoridades com a população carcerária – não por acaso, uma população formada majoritariamente por homens pobres e negros.
Segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), um órgão subordinado ao Ministério da Justiça, há pelo menos 811 mil presos nas cadeias brasileiras. Das 1.381 unidades prisionais, 997 têm mais de 100% da capacidade ocupada e outras 276 estão com ocupação superior a 200% (dados de 2021). Não custa repetir que a maioria dos custodiados amontoados de qualquer jeito são homens pobres e negros – grande parte de presos provisórios, trancafiados sem julgamento.
Não faltam episódios a demonstrar como o racismo estrutural das sociedades americana e brasileira resulta em violência policial, com índice de letalidade exorbitante. Lá, como cá, no Brasil, em Sergipe, até a violência é seletiva, vê-se nos números e nas ruas, a olho nu.