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Em Estância, no “milagre dos passarinhos”: o Cruzeiro da Cabeça do Boi (III)


Publicado em 13 de março de 2025
Por Jornal Do Dia Se


* Acrísio Gonçalves de Oliveira

 

… Ao que tudo indica foi daí que surgiu a ideia de José Elesbão fazer os famosos “bonecos”, que virou uma referência na região. Seu filho, José Pedro nunca esqueceu do artístico trabalho do pai, nem da presença do Cruzeiro. Em detalhe, nos conta: “Meu pai tinha uma olaria bem em frente ao Santo Antônio. Naquele morro lá tinha um Cruzeiro, onde as pessoas iam pagar promessa. Geralmente no domingo à tarde de duas horas em diante o povo da redondeza começava a chegar pra fazer suas orações, fazer promessa… Meu pai era um artesão do barro, herdou de meu avô e de minha avó. Eu vi ele fazer caqueiro, e vi ele fazer cabeça de barro, braço, perna, joelho, rosto, um ombro, uma mão… Ele fazia por encomenda e o povo comprava pra pagar promessa”. Complementa José Pedro que “quando as pessoas recebiam a graça do Santo Cruzeiro elas iam pro morro, faziam a oração na escultura e deixavam lá”.
Voltando-se também para o passado seu irmão Welington Nascimento (Welington Quilombola), líder do movimento quilombola, diz o seguinte: “Aquele espaço tem a ver com a nossa criação. Criação de luta, de resistência. Agente, ainda menino, saía a pé do Beco das Panelas (do centro da cidade) para ajudar nosso pai. Eu subi várias vezes no morro do Cruzeiro. Lembro que muitas pessoas acampavam ao redor dele”. No entanto, a nostalgia do nosso entrevistado estanca ao mesmo tempo que constata desencantado que: “Se o trabalho que meu pai fez fosse reconhecido, se tivesse autoridade que reconhecesse esse trabalho, ali seria um ponto turístico que poderia estar bem desenvolvido. Além do atrativo da fabricação dos tijolos e telhas, do forró do asfalto que meu pai fazia, ali seria um ponto religioso, visitado por gente de fora”. Welington Quilombola vai mais além: “o Alto do Morro seria bem movimentado, com as promessas feitas pelos fieis, aquelas fitas como se faz na igreja Senhor do Bonfim, na Bahia. Ali poderia existir uma capela para receber o povo. Poderia ser um lugar para vender artesanato, como aqueles feitos por meu pai. Ali seria um ponto comercial, um ponto turístico, um ponto cultural”.
Mas você pode querer saber que fim teve a fonte Milagre dos Passarinhos que havia no pé do morro. Pra começar, durante séculos sua água abasteceu diversas famílias próximas. Bem mais tarde uma encanação por baixo da BR 101 que por ali passa permitiu levar a água aos moradores para o outro lado dela, em um pequeno chafariz. Sentimos dizer que o chafariz não existe mais, tampouco a água que servia ao povo. Agora tudo está destruído junto de um amontoado de lixo fétido de toda espécie. Já a pobre fonte Milagre dos Passarinhos essa se encontra descoberta, metida numa espécie de tanque. Nela, em meio a um capinzal sofrido, arrematam a tragédia, plásticos e outras imundícies em seu leito. Na água suja pude ver uma enorme jia soberana mergulhando. Ao certo não sei como tal criatura sairá dali. Decerto que na face da terra não há maior abandono se comparado com a que sofre a solitária nascente!
Quanto ao Morro da Cabeça do Boi, a força religiosa de alguns estancianos, atentas ao seu chamado, costuma escalá-lo e lá continuam a fazer orações. Nele acendem fogo, abrem os braços, se põem de joelhos, abrem a bíblia. Do cume calmo do morro de seixos infindáveis, o centro de Estância e suas cercanias, como se fizessem parte do céu, são vistos azulados. Apesar de não integrar mais a paisagem o secular cruzeiro, o Morro da Cabeça do Boi, pelo que notamos, jamais deixará de ser sagrado.

*Acrísio Gonçalves de Oliveira, pesquisador, professor do Estado e da Rede Pública de Estância

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