EPIDEMIA, MEDO E DEVOÇÃO EM CAMPO DO BRITO
Publicado em 22 de maio de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Em 1999, sob a orientação do Prof. Dr. Lourival Santana Santos, Maria Cleide Leite Andrade apresentou para o Departamento de História da Universidade Federal, o trabalho de conclusão de curso "Epidemia, medo e devoção: aspectos devocionais no Município de Campo do Brito-SE (1910-1915). A monografia apresenta uma análise da questão do medo num processo epidêmico e sua interface com as questões de ordem social e religiosa.
A CPI da COVID-19, que entra em sua terceira semana de trabalhos, tem revelado uma série de situações que colocaram o Brasil entre as piores nações do mundo no enfrentamento à doença durante a pandemia que já ultrapassa um ano no país, enquanto outras nações já estão retomando suas atividades normais. Além disso, tem mostrado também como um certo obscurantismo fez parte das políticas públicas de saúde da nação, com práticas de curandeirismo e charlatanismo, algumas delas tendo como escopo questões de ordem religiosa e ideológica.
Isto tudo quando já ultrapassamos duas décadas do século XXI e sabe-se, pelo menos em tese, que em muito deveríamos estar mais avançados que há cem anos, quando, por exemplo, da gripe espanhola e no caso específico do trabalho de Maria Cleide, da epidemia de varíola em Sergipe, nos primeiros anos da década de 1910, quando vários municípios foram atingidos por este mal, levanto à Inspetoria de Higiene da época a agir, não somente com ações preventivas, mas também de combate efetivo à doença.
Na cidade de Campo do Brito, particularmente entre os anos 1914 e 1915, como em outros lugares do Estado, apesar das inúmeras ações sanitárias, que se valiam da racionalidade científica da época, as pessoas recorriam ao sobrenatural e a soluções que elas julgavam mais eficiências que as propaladas pela ciência ou mesmo pelo poder público, incluindo aí uma campanha de vacinação, que como já vimos em outros lugares do Brasil, a exemplo do Rio de Janeiro, enfrentou uma certa resistência popular.
Em Campo do Brito, em especial, recorreu-se à ação milagrosa de São Roque. Celebrado no dia 16 de agosto, o Santo foi filho de um rico mercador, aos dezoito anos de idade passou a se dedicar aos cuidados de pobres. No início do século XIV, peregrino, fez uma jornada a pé de Montpellier, na França, até Roma. Ao chegar na capital italiana, enfrentou uma agonizante epidemia e trabalhou em várias frentes, da assistência sanitária e espiritual às pessoas, bem como ao enterramento das vítimas.
Acometido mais tarde por uma doença misteriosa, na volta para as suas origens foi socorrido por um cachorro que trazia na boca um pedaço de pão. O dono do animal cuidou de São Roque. De volta para casa, não foi reconhecido pelos familiares e amigos. Confundido com um inimigo, foi preso e morto na prisão depois de longos cinco anos, com apenas 32 anos, em 1327. Foi canonizado em 1591, pelo papa Gregório XIII.
A padroeira de Campo do Brito é Nossa Senhora da Boa Morte. Durante a pandemia de varíola, São Roque entrou em cena e mobilizou as pessoas com gestos de profunda e sincera devoção, segundo os depoentes de Maria Cleide, com resultados eficientes, valendo ao Santo a condição de segundo padroeiro da cidade.
Atualmente, Maria Cleide Leite Andrade Calderaro é conhecida na rede estadual de ensino de Sergipe. É professora de história no Colégio Professor João Costa, em Aracaju, atuando também como preceptora do programa de Residência Pedagógica do Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Sergipe.
Em tempos de idealização à cloroquina e à hidroxicloroquina, remédio de verme, indicados indiscriminadamente para o tratamento da COVID-19, não seria de todo um mal, recorrer-se às ações milagrosas de São Roque. Que o diga o povo campo-britense, de experiência própria e de eficácia devidamente comprovada, inclusive, historicamente.