Lirismo sem firulas
Erasmo Carlos, símbolo da Jovem Guarda, morre aos 81 anos
Publicado em 23 de novembro de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br –
Erasmo Carlos encarnou uma espécie de Lado Bdo espírito brazuca. Compositor avesso às metáforas mais elaboradas, jamais fez pose de poeta e mensageiro de verdades alheias ao comum dos mortais. Ao contrário do artista popular consagrado pelo imaginário da brava gente, capaz de enfrentar ditaduras sanguinárias com palavras difíceis e as melhores intenções do mundo, o tremendão sempre fez música para tocar no rádio. E nunca foi perdoado pelo pecado de tanto sucesso.
Aprende-se na escola, nas aulas de história: No primeiro time da Música Popular Brasileira, os valentes exilados pela censura e os refinamentos de acento jazzy da Bossa Nova, sexagenária. Erasmo não jogava nem de um lado, nem de outro. Ocupado com o amor de carne e osso e os espinhos da vida real, jamais afetou erudição ou cometeu uma canção panfletária de protesto.
As canções assinadas em parceria com Roberto Carlos, Rei como Elvis Presley, a inspirada carreira solo, dedicada a rocks sem nenhuma firula, sempre se pautou pela comunicação de sentimentos conhecidos de toda a gente, no conteúdo e na forma. As distorções talvez soassem um tanto estranhas para o gosto médio da época, como sugere uma ruidosa passeata contra a guitarra elétrica, mas as baladas sempre acertaram em cheio – um tiro certeiro no coração da claudicante indústria fonográfica tupiniquim.
A apresentação realizada no festival Rec Beat, em pleno carnaval pernambucano, mais ou menos recente, atesta o acerto da fórmula. Poucos artistas podem sustentar um show inteiro amparado exclusivamente no apelo das canções, como ele fez ali. Firme e forte, apesar da voz pouca e dos cabelos brancos, Erasmo não precisou de piruetas e fantasias para domar a energia selvagem de uma banda formada por meninos ainda em fraldas, fedendo a mijo, nem teve de explicar a sua presença no palco para o prezado público. Bastou abrir a boca. A galera esteve o tempo inteiro na palma de sua mão.
‘Amor é isso’ (2018), seu último álbum digno de nota, com produção de Pupilo (leia-se Nação Zumbi), seguiu na mesma toada de sempre, tudo preto no branco, a começar pela capa, despida de qualquer adorno, sem qualquer ilustração. Na rima mais fácil, por assim dizer, a sua maior grandeza. As faixas escorrem, uma depois da outra, fluindo frescas como a água derramada da bica. Há afeto e desejo, além de uma comovente ponta de pieguice. Após décadas de carreira, o velhinho continuava mandando bem.