ESPANTA A BOIADA
Publicado em 15 de maio de 2021
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Não. A presente crônica não tem nada a ver com aquela fatídica reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, quando o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Sales, inadvertida e irresponsavelmente, talvez sem saber que estivesse sendo gravado ou que a gravação não chegasse ao conhecimento público, disse: "Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só se fala de covid, e ir passando a boiada, e mudando todo o regramento (ambiental), e simplificando normas".
Trata-se antes de mais um exercício de memória à luz da cultura musical. Este, de modo particular, como nas demais situações, tem como detonadores de lembranças situações as mais diversas e até mesmo inusitadas. Sim, pois assim se comporta a nossa mente, conforme apregoam não somente especialistas no campo da psicologia, bem como teóricos que estudam a memória na sua interface com a história, por exemplo.
Pois bem. Estava eu numa Missa matutina de final de semana no Santuário de Nossa Senhora da Piedade, em Lagarto, quando ouvi o canto de um pássaro que só costumava ver e ouvir em ambiente rural. Refiro-me ao espanta-boiada, também conhecido como "quero-quero", "quem-quem", "tetéu", a depender da região do Brasil. Além de surpreso, também fiquei muito feliz, pois logo me reportei a minha infância mais tenra quando tive uma das primeiras experiências com esse tipo de pássaro.
Além disso, me vieram à mente algumas canções muito conhecidas, sejam do cancioneiro popular, sejam internacionais, como Blackbird (Beatles, 1968) e também da mesma banda, Free as a Bird, principalmente a regravação para o especial Anthology, do ano 2000. Ou ainda, Pavão Misterioso (Ednardo, 1974), Sonho de Ícaro (Byafra, 1998), Carcará (Bethânia, 1965), Asa Branca (Luiz Gonzaga, 1947) e Assum Preto (Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga, 1950).
Cresci sem me atentar muito para o porquê daquele pássaro se chamar assim, espanta-boiada. Minha mãe foi quem me disse pela primeira vez, quando de uma de nossas férias na Fazenda de Seu Daniel de Dona Maria José, nas dividas entre Lagarto e Riachão do Dantas, lá pelos finais dos anos 70, início dos 80. O fato é que o canto simples do espanta-boiada sempre preencheu minha alma de paz e de alegria. Assim, numa revoada deles na Fazenda Santa Maria, do saudoso pecuarista Martinho Almeida, meu tio-avô, fui finalmente entender a razão semântica quando ao mesmo tempo alguns bois e vacas por perto se agitavam diante do canto.
Entretanto, essa crônica não estaria completa sem uma justa homenagem a um dos grandes nomes da música internacional, pacifista e grande símbolo da juventude de várias gerações, inclusive a minha. Há quarenta anos, ele completou sua luta contra um câncer, um tipo de cranco que lhe tomou alguns órgãos vitais do corpo, falecendo no dia 11 de maio de 1981, em um hospital de Miami.
Robert Nesta Marley, o Bob Marley, nasceu na Jamaica no dia 6 de fevereiro de 1945. Cantor e compositor que ficou mundialmente conhecido pelo estilo, cultura e música reggae, mas também pela prática religiosa do Rastafári, eminentemente pacifista e de combate ao racismo contra negros e marginalizados, fazendo escola em várias partes, a exemplo do Brasil, com Édson Gomes e outros.
Amante do futebol, amigo de artistas brasileiros, a exemplo de Chico Buarque, foi um fenômeno de público e de vendas e também teve que enfrentar o ódio de alguns, tendo sofrido até mesmo atentado, como no dia 3 de dezembro de 1976, em sua casa, que foi invadida por sete homens armados. Marley fez várias ações para acomodar os ânimos políticos de uma Jamaica profundamente aguerrida e dividida. Sofreu inúmeras ameaças, mas antes de ser combalido pela doença, chegou até mesmo a fazer shows gratuitos em favor da paz.
Entre seus grandes sucessos, como Is This Love e No Woman no Cry, destaco um em especial como corolário do presente texto: Three Little Birds (Três passarinhos), de 1977. Uma canção que traduz meus sentimentos em relação ao canto do espanta-boiada, mas também vai ao encontro do que estamos todos vivendo no nosso tempo, sobretudo no trecho que diz: " Não se preocupe com isso / Cada pequena coisa vai ficar bem (…) / Levantei esta manhã / Sorri com o sol nascendo / Três pequenos passarinhos / Pousaram na minha porta / Cantando doces músicas / De melodias puras e verdadeiras / Dizendo, "Esta é minha mensagem para você: "