O Senador Alessandro Vieira
Espelho, espelho meu
Publicado em 20 de dezembro de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
A Justiça Eleitoral de Sergipe mandou a federação PSDB-Cidadania devolver pouco mais de 34 mil reais aos cofres públicos, sob a grave acusação de passar a mão grande em recursos destinados a candidaturas negras nas eleições de 2022. Naquela ocasião, o senador Alessandro Vieira declarou-se pardo. O Tribunal Regional Eleitoral, no entanto, não considera o senador “colorido” o bastante.
Não é a primeira vez que a autodeclaração étnico-racial resulta em contestações judiciais e mal entendidos. Por esse motivo, ACM Neto virou meme. Eu mesmo já fui pego de surpresa, antes de me perceber brasileiro, como no Descobrimento, o poema de Mário de Andrade.
Preto, eu?! – Para mim, todo homem livre tem o direito sagrado de viver como bem entende, sem lenço, sem documento. Mas o pacto social de faz exigências. Ao perder a Carteira de Identidade, fui obrigado a declarar o contratempo em Boletim de Ocorrência. Na delegacia, depois das perguntas usuais, o escrivão me olhou de alto a baixo e tascou no formulário: Pardo.
Eu fiquei estupefato. O samango não sabia, mas estudei a vida inteira em escola particular, os olhos da cara de papai e mamãe. Educação pública, só conheci a de terceiro grau, uma farra! Contra todas as aparências, jamais corri atrás de emprego, bati ponto, estudei para concurso. A minha vida inteira, apesar de todos os pesares, fui um privilegiado. Nada disso o fulano sabia. Para ele, eu era mais um mestiço brasileiro, essa jabuticaba racial, um homem pardo.
Assim como eu, muita gente começa a se olhar no espelho, cá pelas bandas da Atalaia. Héloa virou índia; Alex Sant’Anna está cada vez mais negão; Valdevan 90 tem alma de rodoviário. Uma amiga se diz vadia com muito orgulho. Outro, não binário.
Tudo certo, tudo lindo. O homem é o momento. Lembro agora que, certa vez, próximo a um show de rock, no Centro da cidade, sofri um baculejo. Mão na cabeça, documento, as gentilezas de praxe. Por sorte, não teve flagrante. Mas, pensando bem, eu já devia ter me tocado.