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"Eu gosto de votar"


Publicado em 25 de setembro de 2018
Por Jornal Do Dia


 

* Raymundo Mello
(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)
 
Duas edições seguidas escrevendo o 
artigo inteiro são suficientes para 
que me cheguem as costumeiras "reclamações" (entre aspas – sentido figurado), sempre antecedidas por um elogio: "Raymundinho, as coisas que você escreve são muito boas, mas quando a gente pega o jornal na terça-feira, já vamos direto pra página dos artigos pra ler uma memória de seu pai. Não nos prive das histórias dele". Creio que nem preciso citar o nome do prezado interlocutor – o grupo de contumazes leitores dos artigos de meu pai bem sabe quem é, por seu estilo de linguagem bem característico.
Pois bem! Nesta edição de hoje atendo o seu pedido – e de muitos outros – trazendo uma memória antiga, de 2010. Já se passam 8 anos da sua publicação. Como todos já bem sabem, tenho um critério para trazer as memórias de volta: a oportunidade do assunto. Então, como estamos num período eleitoral, lembrei desta história. Titulo original: "Bom de voto".
Assim escreveu Raymundo Mello:
"Eleições 2010 – processo encerrado, graças a Deus. Votei. Cumpri com meu dever cívico. Apesar de liberado pela idade, fiz questão de comparecer às urnas, primeiro e segundo turno. É que eu gosto de votar e já faço isso desde que recebi o meu primeiro título de eleitor, aquele feito à mão, sem fotografia, com o qual votei a 1.ª vez.
Acontece que votar levou meu nome ao Tribunal Regional Eleitoral e, por ser bastante conhecido de juízes e funcionários do TRE, tive meu nome lembrado para compor a mesa receptora de votos. Isso permaneceu eleições seguidas. Ocupei todos os cargos, de primeiro mesário a presidente em uma sessão (acho que era a 40.ª da 2.ª Zona Eleitoral – primeiro, no Grupo Manuel Luiz e depois no Jardim da Infância Augusto Maynard). Fiquei conhecido do grupo de eleitores e tive como presidente pessoas como o senhor Santana, comerciante, dono de armarinho na rua João Pessoa até o professor Cajueiro, figura de prestígio nos meios culturais e educacionais de Sergipe. A mesa era como um sodalício, onde a cada eleição comentávamos o ocorrido na eleição anterior. Presidente, secretário, dois mesários e três suplentes, já era um grupo consistente; entre uma eleição e outra, aparecia um novo membro, substituindo alguém que mudou de zona, candidatou-se ou por outro motivo qualquer foi liberado dos trabalhos. Tínhamos também a presença dos fiscais dos partidos, pessoas interessadas no bom funcionamento da seção e de olho vivo nos eleitores, já que a mesa era íntegra.
Os mesários davam exemplo em solidariedade aos eleitores e, assim como quem ia votar apresentava-se bem vestido da cabeça aos pés (era costume até roupa e sapatos novos), os da mesa faziam o possível para corresponder. O presidente não tirava o paletó, mas essa liberalidade era concedida aos demais membros da mesa – quem quisesse podia tirar o paletó e o colocava no encosto da cadeira. Era um formalismo impressionante até certa época, depois, a coisa foi se modernizando e a gravata foi caindo, idem o paletó e as camisas mangas compridas deram espaço às mangas curtas. O modernismo chegou, a democracia voltou e a eleição entrou na era do computador – hoje ela é rápida, eficiente, e as apurações, como se espera, imediatas e seguras.
É verdade que os processos, as impugnações, em alguns casos são lentas, amarradas, recursos pra cá, recursos pra lá, e, às vezes, passamos anos, termina o prazo dos mandatos e os processos emperrados. Alguns, não! São extremamente rápidos; a maioria, porém, lentos, muito lentos. Mas isso é lá com a justiça eleitoral e estou falando do dia "D", quando eleitores e prepostos dos TREs se encontram a cada dois anos, pelo menos.
No processo eleitoral à moda antiga, a mesa funcionava "a seco"; assim, perto do meio dia, chegava um grupo do PSD/PR e fornecia sanduíches de queijo ou presunto para mesários e fiscais. Daí a pouco, chegava o grupo da UDN com refrigerantes e cafezinho. Os demais partidos (e, como hoje, eram muitos) não mandavam nada.
Fato interessante: no plebiscito, SIM ou NÃO para o parlamentarismo instalado no Brasil para que João Goulart assumisse a Presidência da República após a renúncia de Jânio, ninguém distribuiu nada. As mesas receptoras funcionaram "a seco".
Ser mesário ou trabalhar nas eleições era e continua sendo algo de muito importante. Sempre atendi às convocações e só deixei de estar nas mesas receptoras de votos quando, atendendo a insistentes convites, principalmente de meu filho que fora nomeado para organizar determinado partido político aqui em Sergipe, subscrevi ficha de filiação ao grupo (ficha n.º 02, registre-se) e, naturalmente, perdi o direito (direito sim!) de continuar mesário.
Dois fatos quero relatar de memória.
1.º) Determinada eleição (que sempre acontecia a 3 de outubro) fui designado Presidente da mesa e já havia aceito convite para participar de um Cursilho de Cristandade no Convento São Francisco, em São Cristóvão – esse encontro terminaria no dia 2 de outubro (domingo), era fechado, não se saía ou entrava antes do final. Por isso, procurei o TRE, fui pedir para não ser o Presidente da mesa, pois não estaria livre na sexta-feira (30/09) que antecedia à segunda-feira (3 de outubro) para receber a urna e todo o material da eleição. E aí, me entendi com o Dr. João Oliva, amigo da nossa família e eficiente servidor do Tribunal. Explicados meus motivos (podia aceitar qualquer outro cargo na mesa menos a Presidência), daquele funcionário recebi a seguinte resposta: "Raymundo, vá para o Cursilho, reze por todos nós e não se preocupe, entrego todo o material da eleição em sua casa na sexta-feira, mais tardar no sábado, e na segunda-feira você estará presidindo a seção, tranquilamente. Não abro mão da sua Presidência". E assim foi – João Oliva fez a sua parte e eu a minha. Eleição tranquila.
2.ª) Os títulos eleitorais de então, eram feitos à mão, como se dizia. Não tinha retrato do eleitor, apenas seu nome e outros dados. Referido documento era entregue ao eleitor que tinha de contentar-se como ele estava e isso dependia de quem preenchia o citado documento. Alguns saíam com uma caligrafia quase ilegível e outros bem escritos, sentia-se que, quem o preencheu, escrevia bem. Já alguns tinham mais sorte ainda, como é o caso do nosso amigo, cantor de talento, Carlos Tirso da Costa Ouro, que, ainda hoje [friso que o texto foi escrito em 2010], guarda o seu antigo título, preenchido com grande esmero pelo funcionário conhecido como Zé Perigo, dono de uma caligrafia extraordinária. Já outros era meio complicado. Contava-se que em determinada seção que funcionava também no Grupo Manuel Luiz, o encarregado de chamar os eleitores para cumprir o seu dever cívico era extremamente míope, tinha catarata, enfim, lia com muita dificuldade, mas cumpria o seu dever. A vista não ajudava, mas ele se esforçava. Em determinada eleição, já tendo trocado algumas letras em títulos feitos com caligrafia ruim, mas sem comprometimento, chegou a hora de convocar determinado eleitor com um nome mal escrito, que ele não entendeu bem, mas, como ele mesmo disse, "tem pais que botam nomes horríveis nos filhos – assim, chamo para votar o eleitor Quinhentos Réis de B …"; relutou, mas soltou a chamada "Quinhentos Réis de Costa". Silêncio total. Ninguém se apresentou. Então, o Presidente da mesa levantou-se, foi ao mesário, pegou o título mal preenchido e chamou para votar "o senhor Quintino Reis da Costa". O eleitor apresentou-se, votou, e parece que nem notou a estranha ocorrência.
O título eleitoral de hoje é bem mais tranquilo!".
Complemento: Não apenas o título eleitoral, mas o processo eleitoral como um todo, graças à modernidade tecnológica. Exemplo disso pode-se ler na matéria cuja foto está estampada na 1.ª página do ‘Jornal do Dia’, edição de quinta-feira passada (20/09): "TER-SE inicia o processo de geração de mídias para as eleições de 2018".
E concluo, copiando – literalmente – a frase que meu pai escreveu ao começar o seu texto: "Votei. Cumpri com meu dever cívico. Apesar de liberado pela idade, fiz questão de comparecer às urnas, primeiro e segundo turno. É que eu gosto de votar".
Que neste momento crítico da história nacional, quando tantos pregam a abstinência como forma de protesto e indiferença política, este exemplo de meu pai possa ser imitado.
Que assim seja!
* * *
E.T. – Dedico esta publicação ao ‘Dr. João Oliva Alves’, notável intelectual sergipano, amigo de meu pai e do meu tio João Mello, que, conforme me informou a sua filha Carmelita Alves Oliva, minha colega de estudos ginasiais, continua nos privilegiando com a leitura deste artigo semanal, ainda que, hoje, com a minha humilde redação.
* Raymundo Mello é Memorialista
raymundopmello@yahoo.com.br

* Raymundo Mello

(publicação de Raymundinho Mello, seu filho)

Duas edições seguidas escrevendo o  artigo inteiro são suficientes para  que me cheguem as costumeiras "reclamações" (entre aspas – sentido figurado), sempre antecedidas por um elogio: "Raymundinho, as coisas que você escreve são muito boas, mas quando a gente pega o jornal na terça-feira, já vamos direto pra página dos artigos pra ler uma memória de seu pai. Não nos prive das histórias dele". Creio que nem preciso citar o nome do prezado interlocutor – o grupo de contumazes leitores dos artigos de meu pai bem sabe quem é, por seu estilo de linguagem bem característico.
Pois bem! Nesta edição de hoje atendo o seu pedido – e de muitos outros – trazendo uma memória antiga, de 2010. Já se passam 8 anos da sua publicação. Como todos já bem sabem, tenho um critério para trazer as memórias de volta: a oportunidade do assunto. Então, como estamos num período eleitoral, lembrei desta história. Titulo original: "Bom de voto".
Assim escreveu Raymundo Mello:
"Eleições 2010 – processo encerrado, graças a Deus. Votei. Cumpri com meu dever cívico. Apesar de liberado pela idade, fiz questão de comparecer às urnas, primeiro e segundo turno. É que eu gosto de votar e já faço isso desde que recebi o meu primeiro título de eleitor, aquele feito à mão, sem fotografia, com o qual votei a 1.ª vez.
Acontece que votar levou meu nome ao Tribunal Regional Eleitoral e, por ser bastante conhecido de juízes e funcionários do TRE, tive meu nome lembrado para compor a mesa receptora de votos. Isso permaneceu eleições seguidas. Ocupei todos os cargos, de primeiro mesário a presidente em uma sessão (acho que era a 40.ª da 2.ª Zona Eleitoral – primeiro, no Grupo Manuel Luiz e depois no Jardim da Infância Augusto Maynard). Fiquei conhecido do grupo de eleitores e tive como presidente pessoas como o senhor Santana, comerciante, dono de armarinho na rua João Pessoa até o professor Cajueiro, figura de prestígio nos meios culturais e educacionais de Sergipe. A mesa era como um sodalício, onde a cada eleição comentávamos o ocorrido na eleição anterior. Presidente, secretário, dois mesários e três suplentes, já era um grupo consistente; entre uma eleição e outra, aparecia um novo membro, substituindo alguém que mudou de zona, candidatou-se ou por outro motivo qualquer foi liberado dos trabalhos. Tínhamos também a presença dos fiscais dos partidos, pessoas interessadas no bom funcionamento da seção e de olho vivo nos eleitores, já que a mesa era íntegra.
Os mesários davam exemplo em solidariedade aos eleitores e, assim como quem ia votar apresentava-se bem vestido da cabeça aos pés (era costume até roupa e sapatos novos), os da mesa faziam o possível para corresponder. O presidente não tirava o paletó, mas essa liberalidade era concedida aos demais membros da mesa – quem quisesse podia tirar o paletó e o colocava no encosto da cadeira. Era um formalismo impressionante até certa época, depois, a coisa foi se modernizando e a gravata foi caindo, idem o paletó e as camisas mangas compridas deram espaço às mangas curtas. O modernismo chegou, a democracia voltou e a eleição entrou na era do computador – hoje ela é rápida, eficiente, e as apurações, como se espera, imediatas e seguras.
É verdade que os processos, as impugnações, em alguns casos são lentas, amarradas, recursos pra cá, recursos pra lá, e, às vezes, passamos anos, termina o prazo dos mandatos e os processos emperrados. Alguns, não! São extremamente rápidos; a maioria, porém, lentos, muito lentos. Mas isso é lá com a justiça eleitoral e estou falando do dia "D", quando eleitores e prepostos dos TREs se encontram a cada dois anos, pelo menos.
No processo eleitoral à moda antiga, a mesa funcionava "a seco"; assim, perto do meio dia, chegava um grupo do PSD/PR e fornecia sanduíches de queijo ou presunto para mesários e fiscais. Daí a pouco, chegava o grupo da UDN com refrigerantes e cafezinho. Os demais partidos (e, como hoje, eram muitos) não mandavam nada.
Fato interessante: no plebiscito, SIM ou NÃO para o parlamentarismo instalado no Brasil para que João Goulart assumisse a Presidência da República após a renúncia de Jânio, ninguém distribuiu nada. As mesas receptoras funcionaram "a seco".
Ser mesário ou trabalhar nas eleições era e continua sendo algo de muito importante. Sempre atendi às convocações e só deixei de estar nas mesas receptoras de votos quando, atendendo a insistentes convites, principalmente de meu filho que fora nomeado para organizar determinado partido político aqui em Sergipe, subscrevi ficha de filiação ao grupo (ficha n.º 02, registre-se) e, naturalmente, perdi o direito (direito sim!) de continuar mesário.
Dois fatos quero relatar de memória.
1.º) Determinada eleição (que sempre acontecia a 3 de outubro) fui designado Presidente da mesa e já havia aceito convite para participar de um Cursilho de Cristandade no Convento São Francisco, em São Cristóvão – esse encontro terminaria no dia 2 de outubro (domingo), era fechado, não se saía ou entrava antes do final. Por isso, procurei o TRE, fui pedir para não ser o Presidente da mesa, pois não estaria livre na sexta-feira (30/09) que antecedia à segunda-feira (3 de outubro) para receber a urna e todo o material da eleição. E aí, me entendi com o Dr. João Oliva, amigo da nossa família e eficiente servidor do Tribunal. Explicados meus motivos (podia aceitar qualquer outro cargo na mesa menos a Presidência), daquele funcionário recebi a seguinte resposta: "Raymundo, vá para o Cursilho, reze por todos nós e não se preocupe, entrego todo o material da eleição em sua casa na sexta-feira, mais tardar no sábado, e na segunda-feira você estará presidindo a seção, tranquilamente. Não abro mão da sua Presidência". E assim foi – João Oliva fez a sua parte e eu a minha. Eleição tranquila.
2.ª) Os títulos eleitorais de então, eram feitos à mão, como se dizia. Não tinha retrato do eleitor, apenas seu nome e outros dados. Referido documento era entregue ao eleitor que tinha de contentar-se como ele estava e isso dependia de quem preenchia o citado documento. Alguns saíam com uma caligrafia quase ilegível e outros bem escritos, sentia-se que, quem o preencheu, escrevia bem. Já alguns tinham mais sorte ainda, como é o caso do nosso amigo, cantor de talento, Carlos Tirso da Costa Ouro, que, ainda hoje [friso que o texto foi escrito em 2010], guarda o seu antigo título, preenchido com grande esmero pelo funcionário conhecido como Zé Perigo, dono de uma caligrafia extraordinária. Já outros era meio complicado. Contava-se que em determinada seção que funcionava também no Grupo Manuel Luiz, o encarregado de chamar os eleitores para cumprir o seu dever cívico era extremamente míope, tinha catarata, enfim, lia com muita dificuldade, mas cumpria o seu dever. A vista não ajudava, mas ele se esforçava. Em determinada eleição, já tendo trocado algumas letras em títulos feitos com caligrafia ruim, mas sem comprometimento, chegou a hora de convocar determinado eleitor com um nome mal escrito, que ele não entendeu bem, mas, como ele mesmo disse, "tem pais que botam nomes horríveis nos filhos – assim, chamo para votar o eleitor Quinhentos Réis de B …"; relutou, mas soltou a chamada "Quinhentos Réis de Costa". Silêncio total. Ninguém se apresentou. Então, o Presidente da mesa levantou-se, foi ao mesário, pegou o título mal preenchido e chamou para votar "o senhor Quintino Reis da Costa". O eleitor apresentou-se, votou, e parece que nem notou a estranha ocorrência.
O título eleitoral de hoje é bem mais tranquilo!".
Complemento: Não apenas o título eleitoral, mas o processo eleitoral como um todo, graças à modernidade tecnológica. Exemplo disso pode-se ler na matéria cuja foto está estampada na 1.ª página do ‘Jornal do Dia’, edição de quinta-feira passada (20/09): "TER-SE inicia o processo de geração de mídias para as eleições de 2018".
E concluo, copiando – literalmente – a frase que meu pai escreveu ao começar o seu texto: "Votei. Cumpri com meu dever cívico. Apesar de liberado pela idade, fiz questão de comparecer às urnas, primeiro e segundo turno. É que eu gosto de votar".
Que neste momento crítico da história nacional, quando tantos pregam a abstinência como forma de protesto e indiferença política, este exemplo de meu pai possa ser imitado.
Que assim seja!

* * *

E.T. – Dedico esta publicação ao ‘Dr. João Oliva Alves’, notável intelectual sergipano, amigo de meu pai e do meu tio João Mello, que, conforme me informou a sua filha Carmelita Alves Oliva, minha colega de estudos ginasiais, continua nos privilegiando com a leitura deste artigo semanal, ainda que, hoje, com a minha humilde redação.

* Raymundo Mello é Memorialistaraymundopmello@yahoo.com.br

 

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