Expressão de força.
Experiência e memória
Publicado em 18 de julho de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos – riansantos@jornaldodiase.com.br
Lançar mundos no mundo, modelar o barro da História a partir do olhar derramado sobre o tempo presente, o modo sensível comoEverlane Moraes realiza documentários amplia a perspectiva sobre experiência e memória. Além do fato, além do dado e do relato, emergeuma verdade decantada ao longo de um período muito dilatado, o acúmulo de dias incontáveis, alheio aos marcos dos calendários. Etalerupçãoevoca uma ferida aberta desde sempre.
Everlane é uma verdadeira autora. Só elapode contar as histórias que ela conta da maneira como ela as conta. A sua voz, o seu olhar, reverberam mundo afora, mas permanecem enraizados em uma verdade subjetiva muito profunda, patrimônio inalienável da Caixa D’água, o quilombo urbano onde a diretora nasceu e cresceu, em Aracaju, onde ela se criou e virou gente.
O leitor não me entenda mal: Fazer-se gente, strictu senso, é sempre resultadode grande empenho. Para uma mulher negra, contudo, o esforço exigido é muito maior. Estas precisam arrebentar mordaças. Finalmente libertas, entretanto, senhoras de si mesmas, jamais aceitarão ter a palavra cassada de novo.De uma vez por todas, gente.
Pelourinhos, correntes, senzalas, diplomas, o ouro e a chibata, escreveram uma história horrível sobre o território das colônias ao sul do Equador. O Cinema de Everlaneconta outra. Embora não negue o horror de interdições diversas, aferrada à realidade concreta, ela acrescenta um tanto de imaginação e beleza ao relato ancestral, investe na linguagem – a marca indelével de todo autor, toda autora.
Everlane Mores, diretora de Cinema nascida e criada nas alturas da Caixa D’água, cresceu e apareceu, presença altiva na cena audiovisual de Terra Brasílis, a ponto de ter o conjunto de sua obra debatido numa mostra do sul maravilha (ver nesta página). Não é para menos. Ela própria, carne e osso, a sua trajetória artística e profissionalé uma expressão de força.