Sábado, 12 De Abril De 2025
       
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Feliz com um segredo


Publicado em 25 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia


A juventude, por um menino virgem

 

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
A sensação é a de um 
calor subterrâneo. 
Em plena pandemia, enquanto trabalhadores menos afortunados arriscam o pescoço na rua, ele se abanca à escrivaninha do escritório, feito um poeta de repartição pública, e derrama uma balde de palavras gastas no ecrã luminoso, sob pretextos diversos. Passa a vista nas estatísticas fúnebres, lamenta o número de mortos enterrados às pressas, em valas coletivas, mas escreve apenas sobre si mesmo, os seus discos, os seu livros, as saudades.
No fundo, feliz com um segredo, não sente culpa. O amor é assim mesmo, ele pensa, um bicho faminto, capaz de transformar o mais temente dos cristãos em um monstro egoísta, movido por determinação e vontade. Chove do lado de fora,há motivo de sobra para lágrimas e ranger de dentes.Dentro, no entanto,o café na caneca impregna tudo com um perfume cálido, pelando de quente.
Enquanto escreve, divagações sem argumento, o ex-ministro Sérgio Moro tenta justificar os equívocos de sua ainda breve carreira política, na televisão. O jornalista não dá ouvidos à voz de marreco. Sabe dos seus crimes. Abusa do direito à alienação, um controverso privilégio profissional dos críticos de arte, desliga o aparelho, procura emprego mais proveitoso para passar o tempo.
Olh ao jardim, uma explosão de cor, pela janela. Uma borboleta de asas negras pousa sobre um livro póstumo de Roberto Bolaño. A trajetória repleta de voltas reverbera no ambiente, como um aviso, uma advertência. O governo vacila. A vida segue, imprevisível, um plano de traçado incontornável. Casais entram em acordo. Laços se partem.
Dizendo assim, uma insignificância depois da outra, à moda de Virginia Woolf, nem parece que se trata aqui de um dia histórico, com o perdão do adjetivo empoeirado. O livro do escritor chileno, aberto ao acaso, conta da juventude com a urgência própria de um menino virgem. Ele sente a areia que lhe escapa por entre os dedos. O tempo arde.

Rian Santos

A sensação é a de um  calor subterrâneo.  Em plena pandemia, enquanto trabalhadores menos afortunados arriscam o pescoço na rua, ele se abanca à escrivaninha do escritório, feito um poeta de repartição pública, e derrama uma balde de palavras gastas no ecrã luminoso, sob pretextos diversos. Passa a vista nas estatísticas fúnebres, lamenta o número de mortos enterrados às pressas, em valas coletivas, mas escreve apenas sobre si mesmo, os seus discos, os seu livros, as saudades.
No fundo, feliz com um segredo, não sente culpa. O amor é assim mesmo, ele pensa, um bicho faminto, capaz de transformar o mais temente dos cristãos em um monstro egoísta, movido por determinação e vontade. Chove do lado de fora,há motivo de sobra para lágrimas e ranger de dentes.Dentro, no entanto,o café na caneca impregna tudo com um perfume cálido, pelando de quente.
Enquanto escreve, divagações sem argumento, o ex-ministro Sérgio Moro tenta justificar os equívocos de sua ainda breve carreira política, na televisão. O jornalista não dá ouvidos à voz de marreco. Sabe dos seus crimes. Abusa do direito à alienação, um controverso privilégio profissional dos críticos de arte, desliga o aparelho, procura emprego mais proveitoso para passar o tempo.
Olh ao jardim, uma explosão de cor, pela janela. Uma borboleta de asas negras pousa sobre um livro póstumo de Roberto Bolaño. A trajetória repleta de voltas reverbera no ambiente, como um aviso, uma advertência. O governo vacila. A vida segue, imprevisível, um plano de traçado incontornável. Casais entram em acordo. Laços se partem.
Dizendo assim, uma insignificância depois da outra, à moda de Virginia Woolf, nem parece que se trata aqui de um dia histórico, com o perdão do adjetivo empoeirado. O livro do escritor chileno, aberto ao acaso, conta da juventude com a urgência própria de um menino virgem. Ele sente a areia que lhe escapa por entre os dedos. O tempo arde.

 

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