FOI ASSIM (2) – COMO NA RUA DO BONFIM
Publicado em 31 de março de 2015
Por Jornal Do Dia
Na Aracaju dos anos 1950, tanto do lado certo como do errado da cidade, a menos que uma garota quisesse trabalhar como cantora – o que para isso precisava naturalmente saber cantar- na rádio Liberdade, a única ambição bem compreendida, particularmente para alguém como Adenair Deni, para os íntimos), que não tinha dinheiro nem pertencia a família rica e tradicional como os Franco, os Teixeira, os Rolemberg e os Maynard, por exemplo, era casar-se. A única forma aprovada para se deixar sair de casa, de cortar o cordão umbilical com o pai e a mãe e, assim, abrir caminho para o mundo. Evitando, a todo custo, o da prostituição.
Adenair estava de olho em Argemiro (o Miro das bocas, ri dos cabarés da Rua do Bonfim, zona principal da prostituição em Aracaju), gigolô bonitão e, conforme diziam as negas dele, muito bem dotado, capaz de deixar uma mulher enlouquecida na cama ou na lama…
Numa tarde de inverno, com o lamaçal dominando toda extensão da Rua do Bonfim, Deni viu Miro (era assim que o Argemiro gostava de ser chamado) que tentava com dificuldade atravessar a rua, com esplêndidos cabelos negros iguais aos Alain Delon (galã do cinema francês tido como o "homem mais bonito do mundo", indo ao encontro de uma de suas quengas. "não acredito que eles vão fornicar uma hora dessas…", pensou Deni. E deu uma outra olhada, mal acreditando no que os seus olhos testemunhavam. "Parecia ser…poderia ser?". Sim, o homem era insaciável, um tarado compulsivo e impenitente.
Deni logo se convenceu de que não teria nenhum futuro com aquele "vagabundo", como diziam os seus pais, amigas e irmãs. Além de mulherengo, Miro era viciado em jogo. Gastava quase tudo o que ganhava da Prefeitura, exercendo a função de motorista, no jogo que rolava solto nos cabarés, até altas horas da madrugada. Quando ganhava algum, gastava tudo comprando roupas e sapatos na Lojas Renner ou em Irmãos figueiredo lojas chiques da Rua João Pessoa. Andar bem arrumado era, depois das mulheres e do jogo, sua maior paixão. Narcisista, parava sempre diante de um espelho à vista, para aquele misto de admiração êxtase, repetindo baixinho: "Ah, eu queria ser uma mulher para me apaixonar pelo belo homem que vejo neste espelho!"
Por mais que tentasse, Adenair não conseguia esquecer o Argemiro. Não conseguia entender o porque dessa obsessão. Afinal, ele nem sequer olhava para ela. Só tinha olhos para ele mesmo e para as quengas da Rua do Bonfim. Assim mesmo, nesta ordem. Primeiro, ele, ele, ele… e pouca importância o resto.
Um dia, Deni, não conseguindo mais segurar o desejo, resolveu que daria só para ela, mesmo que apenas por uma noite, aquele homem bonito como um deus, "ou melhor, ela disse – "como Alain Delon". Foi até a garagem da Prefeitura , numa hora em que ela sabia que ele estaria lá, descansando, depois de ter feito uma viagem longa para Tobias Barreto, e, tomando coragem o abordou, de forma sensual, tipo Viviam Leigh em "Uma Rua Chamada Pecado", louca de tesão por Marlon Brando, de camiseta branca sem mangas, colada no tórax musculoso e viril.
– E aí, Miro – ela falou quase num sussurro, agarrando-o pelas costas -, topas?
– O que, sua louca? Eu mal lhe conheço.
– Hoje você vai me conhecer. Vamos?
Falando nisso, ela entrou imediatamente no carro, pedindo – quase suplicando ofegante, que Miro entrasse também, com as mãos na direção. Dentro do carro oficial, Deni já tinha se livrado da saia e das calcinhas, deixando à mostra tudo aquilo que deixava Miro louco. Diante daquela visão maravilhosa, ele perguntou:
– Pra onde você quer ir, sua doida?
– Pro inferno, querido, que é a luxuriosa morada de libertinos como nós. Juro que lá seremos felizes para sempre. Na cama ou na lama, como na Rua do Bonfim!