Quinta, 23 De Janeiro De 2025
       
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Frida Kahlo é pop!


Publicado em 19 de novembro de 2022
Por Jornal Do Dia Se


A forma esvaziada

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br – 

Escrevo mortificado pela inveja, eu confesso. Acesso as redes sociais e dou de cara com gente querida fazendo pose entre as peças de uma exposição de shopping, na capital vizinha. Foram à Bahia, lambuzaram-se com as melhores moquecas. Visitaram, talvez, a Casa do Rio Vermelho. A julgar pelos registros compartilhados em ambiente digital, Frida Kahloé mais popular que o Papa. Frida Kahlo é pop.
Eu mesmo tenho um retrato de Frida Kahlo pendurado na parede – um rosto feio, de sobrancelhas unidas e expressão dura, lançando afrontas visuais dentro de minha casa. Mais do que a figura com cara de poucos amigos, no entanto, incomoda-me o status vulgar do produto, incompatível com o restante de meu acervo. A mulher e toda a tinta derramada ao longo de uma vida extraordinária rebaixada num produto de feira.
Outro dia, uma amiga confessou, depois de algumas cervejas: a admiração por Frida Kahlo, tatuada na batata da perna, não deriva da grandeza de sua obra. A artista, para ela, é só uma personagem, carrega nos próprios traços uma força simbólica. Eu entendi ali que o surrealismo mexicano havia sido definitivamente assimilado pela cultura de massas. Para o bem e para o mal, a artista foi alienada do próprio trabalho (e, nesse caso, com uma boa dose de ironia), feito o Che Guevara das camisetas baratas.
Sei também que Frida Kahlo virou Barbie. Literalmente. Anos atrás, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a coleção’Barbie Mulheres Inspiradoras’ fez alusão a 14 personagens femininas que se destacaram em suas áreas de conhecimento. Além da artista mexicana, a aviadora AmeliaEarhart e a e cientista Katherine Johnson também ganharam as formas impossíveis das bonecas conhecidas por disseminar um ideal de beleza sem nenhuma conexão com o mundo real e as mulheres de carne e osso. São exatamente iguais a toda Barbie, mudam apenas o figurino e o penteado.
O capitalismo malvadão, a máquina de moer trabalhadores dos panfletos engajados, sempre esteve atento à economia das trocas sensíveis. Se “Tudo o que é sólido desmancha no ar”, também o ideal pode virar produto, um bem de consumo. A Barbie da Frida Kahlo martela mais um prego no caixão da artista, sucede as gravuras das feiras, as tatuagens nas pernas bronzeadas das meninas. Nas prateleiras infantis, nenhuma alusão à mulher e a suas lágrimas, resta somente a forma esvaziada. Como nas exposições de shopping.

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