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Rothschild; coragem, perseverança e unidade


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Publicado em 17 de junho de 2012
Por Jornal Do Dia


Há um velho ditado: "Avô rico, filho nobre e neto pobre". Lição que evidencia sobremodo a perda da capacidade criadora ao longo da descendência familiar em que o avô sabe fazer fortuna, o filho não a conserva, enquanto ao neto pouco sobra. Com os Rothschild não foi assim, em séculos de esforço, resistência e tenacidade numa luta de subsistência, um exemplo de sobrevivência só permitida aos mais fortes

 

* Odilon Cabral Machado
[email protected]

Os recentes noticiários dão contra de uma Europa em crise econômica. Primeiro é a Grécia que se denuncia em bancarrota. Fala-se da Espanha, da Itália também, e até do nosso ancestral Portugal.
Parece que o sonho de união europeia está indo de águas abaixo, como se fora um devaneio inútil de unidade pacífica que se tinha apresentado como contraposição a integração tentada na brutalidade em sucessivas guerras.
Se pela força das armas a união não aconteceu, parece que a unidade consensual está virando uma quimera de ingênuos e bem intencionados, afinal dizem os administradores mais eficientes do bloco, é preciso haver um orçamento equilibrado, a despesa ficando aquém da receita, e isso é difícil de ser aceito com o próprio sacrifício.
Austeridade! Prega a Alemanha de Angela Merkel em recomendação conservadora que traz consigo a necessária moderação dos gastos, palavra que soa como palavrão, afinal outros retornam a velha mania de cobrar toda a conta em cima dos setores, que em detendo maior riqueza, deveriam, por tese equivocada, ser os únicos a contribuir.
Ocorre que fazer assim equivale a tosquiar o rebanho mais produtivo, aqueles que realmente dispõem de capacidade de geração de emprego e renda.
Eis a história se repetindo em nova nuance, mas trazendo consigo a velha dicotomia do Welfare State, estado de bem estar social, estatista, ineficiente e gastador imoderado, e o liberista, aquele demonizado por insensível, cruel e egoísta, a requerer pouca regulamentação estatal e maior participação da iniciativa privada.
Ora! Diz o Eclesiastes: "o que foi é o que será". Mesmo que agora o novo seja o retorno dos socialistas ao poder, com François Hollande, "o presidente normal", querendo dourar a pílula ditando sua normalidade, gastando mais, economizando menos e empurrando o déficit para um futuro distante de fastígio.
E assim, vale lembrar a leitura do livro "A Dinastia Rothschild" de Herbert R. Lottman que acompanha a história europeia, particularmente das potências centrais França, Alemanha e Inglaterra, região de muitos conflitos políticos e ideológicos, onde quase tudo foi experimentado de grandeza e miséria, e onde a sobrevivência do clã traz consigo lições importantíssimas de unidade, persistência, coragem e inteligência, tudo que lhes negam seus detratores que o veem como a encarnação odienta do mal.
Se bem e mal pertencem ao humano, qual o segredo de um ramo familiar que consegue sobreviver, ampliando seus haveres em desafio à sequencia familiar que distribui e consome os bens adquiridos.
Há um velho ditado: "Avô rico, filho nobre e neto pobre". Lição que evidencia sobremodo a perda da capacidade criadora ao longo da descendência familiar em que o avô sabe fazer fortuna, o filho não a conserva, enquanto ao neto pouco sobra.
Com os Rothschild não foi assim, em séculos de esforço, resistência e tenacidade numa luta de subsistência, um exemplo de sobrevivência só permitida aos mais fortes.
Vistos como um símbolo proverbial de riqueza, não único no mundo, mas a despertar sobremodo, sentimentos de inveja e ódio, os Rothschild (escudo vermelho em alemão), surgiram como nome destacado de um impedimento aos judeus que ensejava humilhação e segregação: Era-lhes vedado possuir terras na Europa pré-revolucionária.
Sendo-lhes proibida a posse e exploração fundiária, diversa atividade agrícola e pecuária, comércio e confecção de alimentos, e sendo forçados a residir afastados do convívio geral, no Judengasse, o bairro judeu, um reduto inóspito e insalubre, nojento e periférico das cidades alemãs, e a utilizar vestes que os distinguissem, sobrava-lhes uma atuação abjeta num comércio tosco e restrito ao gueto onde estavam inseridos, de onde não podiam sair sem o pagamento de impostos e pedágios discriminatórios.
No caso dos Rothschild, a origem mais distante fala da morte em 1595 de um comerciante judeu de nome Isaak que pusera um cartaz na sua loja comercial no gueto judeu de Frankfurt, denominando-a "Haus zum Rot(h) en Schild" ou ‘Casa do Escudo Vermelho’.
Posteriormente, em sequencia familiar e sucessória há o destaque para o ano de 1743 quando um ourives chamado Amschel Moses Bauer abriu uma casa de câmbio no Juddengasse de Frankfurt com o nome Rothschild.
Um de seus filhos, Mayer Amschel, (1744-1812), revelou precoce qualificação para o trabalho com metais preciosos e troca de moedas novas e velhas desde a infância, tanto que continuou a atividade paterna, embora ficasse órfão muito jovem, com doze anos apenas, assumindo também a missão de agir como um pai para os irmãos mais velhos.
De Mayer Amschel, que adotou o nome Rothschild, deriva o grande império financeiro que se tornaria um símbolo proverbial de riqueza no mundo, a despertar ódios e sentimentos de inveja.
Por seu real tino comercial, Mayer Amschel aos 25 anos de idade tornara-se fornecedor oficial da corte de Hesse, principado central da Alemanha, com uma área próxima a de Sergipe, (21mil quilômetros quadrados), território que pertencia ao já decadente Sacro Império Romano-Germânico, tendo Wiesbaden como capital e Frankfurt como cidade de maior importância.
Do seu casamento com Gutele Schnapper, filha de outro comerciante do gueto, Mayer teria vários filhos, os primeiros a utilizar a marca Rothschild como sobrenome. Assim nasceram Amschel (1773-1855), Salomon (1774-1855), Nathan (1777-1836), Carl (17781855) e Jacob Mayer (1792-1868), também conhecido como James Rothschild, o fundador do ramo francês da família.
Por uma disposição estatuída ou por mero costume familiar, as filhas de Mayer e Gutele tiveram seus nomes esquecidos, porquanto lhes era vedada a participação societária nos negócios, só permitida aos varões que sequenciariam a continuidade da companhia Rothschild, firma que em 1795 já exibia o maior pagamento de impostos em Frankfurt, com base nos ganhos estimados.
Neste tempo, a Europa pós-revolucionária seria palco das guerras napoleônicas, quando os exércitos demandando despesas e fornecimentos que ampliaram sobremodo os seus ganhos, por exibirem "lealdade absoluta entre os membros da família, discrição na condução dos negócios alheios e rapidez e eficiência na transmissão de mensagens e dinheiro, extraordinárias para a época." (LOTTMAN, Herbert R. A Dinastia Rothschild. L&PM Editores. Porto Alegre-RS-Brasil. 2011. 2ª Edição. Pag. 9).
As guerras napoleônicas mudariam o mundo, derrubando reis entronizando plebeus, agitando estamentos e estabelecidos, como se ocorresse a agitação de uma mistura secularmente decantada, numa inversão de densidade, reconfigurando o peso específico das pessoas, dando poder ao estofo e a capacidade próprias do indivíduo e menos àquelas obtidas por tradição familiar do antigo regime.
Antes disso, em 1792, tempo em que o rei Luís XVI ainda conservava a sua cabeça, as nações germânicas tendo à frente a Áustria e a Prússia, constituíram aquela que seria a 1ª coligação contra a nascente República Francesa.
O principado de Hesse ingressou na guerra ao lado da Áustria, sendo Frankfurt ocupada pelos franceses em outubro de 1792. É verdade que tal ocupação fora de pouca duração, já que em dezembro as tropas austríacas retomaram a cidade que margeia o rio Meno. O dado, porém, é notável, porque sempre sabemos os excessos cometidos contra os vencidos. Excessos que não abalaram os negócios financeiros com os Rothschild sempre eficientes nos seus fornecimentos numa economia de guerra.
De longe, Mayer Amschel e seus filhos receberiam notícias de Paris. Ali começaria o terror com a decapitação do Rei, sendo guilhotinado com sua mulher e alguns parentes. Depois a navalha republicana demandaria mais sangue, com a entronização do terror e a lei dos suspeitos inserida na ordem do dia. E de suspeição por acusação o rito sumário acusava, julgava e executava, em rapidez louca, atingindo aleatoriamente como uma lâmina insana, incontrolável. Noticiário terrível a ensejar temores e estimular a desordem sob o império de desvalidos, dispostos a tudo demolir e pouco construir.
Chegaria depois Napoleão tentando conquistar o mundo para a nova realidade revolucionária. Na verdade ver-se-ia depois, até por análise lúcida e percuciente de Alexis de Tocqueville (1805 -1859), realizada em 1856 em "L’Ancien Regime et la Révolution", que ocorreria algo, a ser sempre renovado por tragédia ou farsa. Fatos que só seriam bem referidos cem anos depois, em 1954, quando Tomasi de Lampedusa colocou nos lábios de Tancredi, o aristocrata pragmático de "Il Gattopardo", a célebre frase exaustivamente copiada: "Se não estivermos lá, eles fazem uma república. Se queremos que tudo fique como está, é preciso que tudo mude." (Di LAMPEDUSA, Giuseppe Tomasi, O Leopardo, Editora Nova Cultural Ltda. São Paulo. 2002. Pag. 42).
No caso dos Rothschild, porém, enquanto o mundo mudava, sua adaptação se fazia inovadora, sempre ganhando mais poder e importância, tudo o que lhe trazia amplos ganhos de dinheiro.
Nos tempos napoleônicos o seu sistema de informação permitia não só presteza e exatidão no noticiário, informação, sobremodo necessária aos jogos mercantis, como também, numa ousadia impensável então, conseguia negociar até com os inimigos ingleses, desafiando nas águas do Meno o bloqueio continental ditado por Bonaparte.
Neste tempo, o velho Mayer Amscher já havia deslocado os filhos e os negócios da família. Nathan, por exemplo, já estava em Londres e Jakob adotaria na França o nome de James, de modo que ao falecer, em 1812, dizia-se como lenda, que "o velho Amscher, no leito de morte, dividira o mundo entre os seus descendentes".
Mas, qual seria o segredo do sucesso da família? Como conseguiram manter e acrescer seu patrimônio em pleno campo de batalha, quer nas guerras napoleônicas, quer nas outras turbulências que sempre aconteceram naquele cenário? Seria um misto de sorte, de proteção abençoada, ou seria a capacidade de se antecipar ao caos, conseguindo até ganhar um troco nesta agitação?
Por absoluta previdência, comprovou-se depois, a família se espalhou pela Europa. Amschel ficou em Frankfurt, Salomon foi para Viena, Nathan foi para Londres, Carl para Nápoles e Jacob iria para Paris onde adotou o nome de James.
Com tantos irmãos espalhados, o serviço de informação dos Rothschild era o mais rápido e preciso. Na batalha de Waterloo, por exemplo, Nathan estava presente onde viu de um ponto estratégico a derrota definitiva de Napoleão. Isto permitiu muitos ganhos financeiros com a notícia rápida e definitiva.
Os Rothschild passaram a deter enorme confiabilidade nos seus prognósticos e investimentos, cada vez maiores, a suscitar inveja e má querença.
Por outro lado, o casamento consanguíneo entre primos não fragmentava a riqueza acrescentada. Por uma tradição familiar só os cônjuges varões participavam do controle acionário da firma, da qual a ninguém era dado o direito de sair e, por uma capacitação individual sempre existia um membro que detinha o comando dos negócios sem maiores traumas e divergências.
Por outro lado, se havia algum período de fastígio, aconteciam momentos onde tudo parecia ruir.
No século XIX, por exemplo, se houve muito ganho no fornecimento aos exércitos de Napoleão ou no seu combate, a necessidade de víveres e montarias, armas, fardamento e pólvora era a mesma. Ganhava mais quem melhor fornecesse.
Depois viria a paz da Santa Aliança com Metternich e Taleyrand regrando a fluidez dos negócios. Mas, viriam as agitações, os quebra-quebras as barricadas. A derrubada dos Bourbon. Alternância de ministros amigos e inimigos. Relativa paz com Luiz Felipe, o rei burguês e financeiro.  Viria depois mais agitação com 1848 tentando uma revolução socialista, com a multidão avançando sobre o patrimônio privado e os Rothschild na ordem do dia como "inimigo do povo", na nova República Francesa, a Segunda.
A república não se sustenta em desordem. Clama-se pela ordem. Eis novamente outro Império, o Segundo, e outro Napoleão no poder, "Le Petit", como o apelidara Victor Hugo. Outro Bonaparte hostil, caçando-os e tentando tomar-lhes os bens.
Viria depois a guerra com as tropas de Bismark entrando em Paris. Iria surgir uma nova Republica, a Terceira, agitada e desordenada também com queda sucessiva de ministros, com o antissemitismo na ordem do dia e os socialistas querendo estatizar tudo; os bancos, as ferrovias, tudo que representava a riqueza de Rothschild, o fomento a produção, a geração de emprego e renda.
Chega nova guerra. Desta vez é mundial, com o campo de batalha na França e Alemanha. Dois países que se matavam a cada geração. Em 1870, 1914-18, 1939-45. França ocupada, dividida. Regime nazista títere de Pétain. Caça ao acervo artístico dos Rothschild, violação das suas residências, por desapropriadas. Obras de arte colecionadas por séculos foram levadas para o prédio do Jeu de Paume, para confisco, porque o patrimônio judeu pertencia desde então ao estado.
Mas, que estado, se existiam dois, o setor ocupado e o não ocupada com sede em Vichy? E por acaso Guy de Rothschild, o líder da família, não era um bom e genuíno francês, ele um herói de guerra com a Cruz de Ferro?
Mas, Hitler e Goering encantados com o acervo dos Rothschild surrupiam alguns quadros levando-os para suas próprias coleções.
Vota, contudo a pergunta: Se o patrimônio de Guy de Rothschild e seus familiares fora estatizado por ser judaico, que estado deveria deter sua posse? Demandas e discussões surgiriam impedindo que o patrimônio fosse destruído, com o bom senso prevalecendo. E enquanto nada se decidia, zelou-se para que nada fosse destruído por bombardeio, incúria ou vandalismo, com a guerra terminando, e Paris sendo libertada por De Gaulle.
Quanto ao patrimônio estatizado, restou administrado pelos mesmos funcionários de confiança dos Rothschild, de modo que quando a guerra acabou, parte desse acervo voltou a seus donos, por direito, embora a imprensa liderada por L’Umanité o desejasse diferente.
Mas a vida dos Rothschild nunca foi um mar de tranquilidade. Conseguiu-se passar sem maiores turbulências, mesmo nas agitações estudantis de 1968, com a calmaria de Georges Pompidou, homem saído dos seus quadros administrativos.
Mas, a saga estatista voltaria com o governo socialista de François Miterrand que nacionalizou o banco Rothschild, fazendo com que seu capital emigrasse.
Os tempos, porém, eram outros. A família se espalhara pelo mundo. Os Estados Unidos lhe dariam paz para crescer e fazer negócios, que se espalham sem temer fronteiras. De vinho a cavalo de raça, de estradas de ferro a minas, sem falar das entidades assistenciais mundo afora, e da ajuda prestada ao Estado de Israel.
Agora chega à França outro governo socialista. É François Hollande que se intitula "Presidente Normal".
Aos conselhos de austeridade, os socialistas franceses pregam ampliação de gastos, inclusive reduzindo o tempo de serviço para as aposentadorias e a sempre renovada taxação de grandes fortunas.
Parece a reedição dos anos de 1920, quando o Franco se volatilizava sem lastro. E só Rothschild convenceu Mendés France da necessidade da austeridade para a obtenção e conservação de uma moeda forte.
Agora, está o Euro sendo atacado. Todos o querem sem custo. Não seria melhor aprender um pouco com as lições dos Rothschild?

* Odilon Cabral Machado é professor emérito da UFS

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