Segunda, 20 De Janeiro De 2025
       
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História esvaziada


Publicado em 30 de outubro de 2018
Por Jornal Do Dia


 

* Antonio Passos
Estive, há duas semanas, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Lá, circulei sem pressa pela cidade. Conduzi meu veículo suavemente por amplas e desengarrafadas avenidas, andei por ruas do centro comercial, visitei feiras de artesanato, praias… E também, fui a alguns badalados pontos turísticos, entre os quais, a Fortaleza dos Reis Magos.
Construída sobre um arrecife, na beira da praia, bem ao lado do ponto onde o Rio Potengi deságua no mar, o acesso à fortaleza pode ser feito por um calçamento com cerca de 600 metros, erguido sobre pedras entre a margem do Rio Potengi e o mangue ou pela areia da praia. Fui por um caminho e voltei pelo outro.
Logo na entrada, uma placa cravada na parede me forneceu toda a informação que obtive no local sobre aquela histórica construção. Consta escrito na placa: "Fortaleza dos Reis Magos, 06 de Janeiro de 1598 – Tombada Pelo Patrimônio Histórico Nacional, 1949". Me foi oferecido o serviço de um guia turístico, mas, recusei.
Naquela ensolarada tarde de outubro, quando nenhum outro visitante além de mim circulava pela fortaleza, preferi caminhar solitariamente entre as paredes de pedra, subir e descer escadas, aprumar a vista na mira dos canhões, ouvir apenas o som ambiente e buscar, naquela entrega sensorial, algum contato com toda a história ali transcorrida.
A data gravada na placa não me saia da cabeça – 06 de Janeiro de 1598. Então teria sido aquele o ano em que os portugueses levantaram a fortaleza? Que arrojado empreendimento! Trazer materiais e gente capaz de erguer tamanha construção no meio do nada? E depois, ali permanecer, cercados pelas vastidões do mar e da mata e seus possíveis perigos?
No dia seguinte, entretanto, em uma loja localizada na praia que recebe o nome de Morro do Careca, eis que me deparo com um pequeno livro que acabou por aquietar toda a minha delirante imaginação. "Pequena História da Fortaleza dos Reis Magos", escrito por Hélio Galvão, revelou toda uma história que a singela placa pareceu esconder.
Incomodados com a presença francesa, pipocando aqui e ali, no imenso litoral desse território que veio a ser o que hoje chamamos de Brasil, portugueses sediados à altura de Pernambuco e da Paraíba receberam a incumbência da coroa portuguesa de avançar e ocupar terras mais ao norte – relata o historiador Hélio Galvão.
Expedições portuguesas deslocaram-se por terra e mar e encontraram-se na foz do Rio Potengi ao final do mês de dezembro de 1597. Ali se abrigaram e no dia 06 de janeiro de 1598 iniciaram, com madeira e lama, a edificação do que veio a ser a fortaleza, muito tempo depois. Não há registro de grandes avanços da obra nos primeiros anos.
Muita água do Rio Potengi correu e foi parar no mar até que, finalmente, os portugueses dessem a obra da Fortaleza dos Reis Magos por finalizada. Consta na documentação encontrada pelo historiador que apenas em 1628 a construção é mencionada como completa e, somente em 1630, descrita como concluída.
Assim, resta calculado, os empreendedores lusitanos levaram cerca de 32 anos para finalizar a construção e dela foram afastados após inteiramente concluída. Em 20 de dezembro de 1633, após cercada por alguns dias, a fortaleza foi tomada pelos holandeses. Apenas em 1654 foi retomada pelos portugueses.
Se eu tivesse aceitado a companhia do guia, provavelmente, todas essas informações teriam sido passadas e eu não teria baseado minhas deduções iniciais apenas no que consta escrito na placa. Dias depois, me peguei fazendo uma comparação entre o que vivenciei e o modo como a história tem sido experimentada nas redes sociais.
Assim como a informação reduzida, contida na placa, muita redução histórica consta também nos chamados memes postados nas redes sociais. Do mesmo modo que minha imaginação tanto distorceu a realidade, muitas deformações de entendimento estão decorrendo de afirmações simplistas que buscam ofuscar processos históricos.
No caso da informação cravada na parede da fortaleza, não há má-fé. Trata-se de uma típica placa comemorativa, com informações reduzidas a uma mera datação. O mesmo não podemos dizer dos memes postados nas redes socais: esses estão reescrevendo a história, sustentados em afirmações intencionalmente deformadas.
* Antonio Passos é jornalista

* Antonio Passos

Estive, há duas semanas, em Natal, capital do Rio Grande do Norte. Lá, circulei sem pressa pela cidade. Conduzi meu veículo suavemente por amplas e desengarrafadas avenidas, andei por ruas do centro comercial, visitei feiras de artesanato, praias… E também, fui a alguns badalados pontos turísticos, entre os quais, a Fortaleza dos Reis Magos.
Construída sobre um arrecife, na beira da praia, bem ao lado do ponto onde o Rio Potengi deságua no mar, o acesso à fortaleza pode ser feito por um calçamento com cerca de 600 metros, erguido sobre pedras entre a margem do Rio Potengi e o mangue ou pela areia da praia. Fui por um caminho e voltei pelo outro.
Logo na entrada, uma placa cravada na parede me forneceu toda a informação que obtive no local sobre aquela histórica construção. Consta escrito na placa: "Fortaleza dos Reis Magos, 06 de Janeiro de 1598 – Tombada Pelo Patrimônio Histórico Nacional, 1949". Me foi oferecido o serviço de um guia turístico, mas, recusei.
Naquela ensolarada tarde de outubro, quando nenhum outro visitante além de mim circulava pela fortaleza, preferi caminhar solitariamente entre as paredes de pedra, subir e descer escadas, aprumar a vista na mira dos canhões, ouvir apenas o som ambiente e buscar, naquela entrega sensorial, algum contato com toda a história ali transcorrida.
A data gravada na placa não me saia da cabeça – 06 de Janeiro de 1598. Então teria sido aquele o ano em que os portugueses levantaram a fortaleza? Que arrojado empreendimento! Trazer materiais e gente capaz de erguer tamanha construção no meio do nada? E depois, ali permanecer, cercados pelas vastidões do mar e da mata e seus possíveis perigos?
No dia seguinte, entretanto, em uma loja localizada na praia que recebe o nome de Morro do Careca, eis que me deparo com um pequeno livro que acabou por aquietar toda a minha delirante imaginação. "Pequena História da Fortaleza dos Reis Magos", escrito por Hélio Galvão, revelou toda uma história que a singela placa pareceu esconder.
Incomodados com a presença francesa, pipocando aqui e ali, no imenso litoral desse território que veio a ser o que hoje chamamos de Brasil, portugueses sediados à altura de Pernambuco e da Paraíba receberam a incumbência da coroa portuguesa de avançar e ocupar terras mais ao norte – relata o historiador Hélio Galvão.
Expedições portuguesas deslocaram-se por terra e mar e encontraram-se na foz do Rio Potengi ao final do mês de dezembro de 1597. Ali se abrigaram e no dia 06 de janeiro de 1598 iniciaram, com madeira e lama, a edificação do que veio a ser a fortaleza, muito tempo depois. Não há registro de grandes avanços da obra nos primeiros anos.
Muita água do Rio Potengi correu e foi parar no mar até que, finalmente, os portugueses dessem a obra da Fortaleza dos Reis Magos por finalizada. Consta na documentação encontrada pelo historiador que apenas em 1628 a construção é mencionada como completa e, somente em 1630, descrita como concluída.
Assim, resta calculado, os empreendedores lusitanos levaram cerca de 32 anos para finalizar a construção e dela foram afastados após inteiramente concluída. Em 20 de dezembro de 1633, após cercada por alguns dias, a fortaleza foi tomada pelos holandeses. Apenas em 1654 foi retomada pelos portugueses.
Se eu tivesse aceitado a companhia do guia, provavelmente, todas essas informações teriam sido passadas e eu não teria baseado minhas deduções iniciais apenas no que consta escrito na placa. Dias depois, me peguei fazendo uma comparação entre o que vivenciei e o modo como a história tem sido experimentada nas redes sociais.
Assim como a informação reduzida, contida na placa, muita redução histórica consta também nos chamados memes postados nas redes sociais. Do mesmo modo que minha imaginação tanto distorceu a realidade, muitas deformações de entendimento estão decorrendo de afirmações simplistas que buscam ofuscar processos históricos.
No caso da informação cravada na parede da fortaleza, não há má-fé. Trata-se de uma típica placa comemorativa, com informações reduzidas a uma mera datação. O mesmo não podemos dizer dos memes postados nas redes socais: esses estão reescrevendo a história, sustentados em afirmações intencionalmente deformadas.

* Antonio Passos é jornalista

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