Ibarê Dantas e as Ciências Sociais em Sergipe
Publicado em 29 de abril de 2020
Por Jornal Do Dia
* Prof. Dr. Ivan Fontes Barbosa
José Ibarê Costa Dantas, professor e pesqui- sador aposentado do Departamento de Ci- ências Sociais da UFS (Universidade Federal de Sergipe), natural de Riachão do Dantas, pode-se dizer que se revelou num escritor prolífero. Consoante o resultado de uma exploratória apreciação do conjunto de sua obra, concluí que é um dos intelectuais que mais contribuiu para a compreensão da história e sociedade sergipanas.
O historiador e cientista político Ibarê Dantas legou, sob a égide dos critérios teóricos e metodológicos da história e das ciências sociais, a impossibilidade de esquecermos o nada monótono século XX em Sergipe. Sem a sua dedicação a essa missão, esse longo tempo estaria solto e incompreendido nas letras, muitas das vezes esquecidas e borradas, grafadas nas fontes documentais do APES (Arquivo Público do Estado de Sergipe), IHGS (Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe), BPED (Biblioteca Pública Epifânio Dória), BICEN-UFS (Biblioteca Central) e de muitos outros arquivos particulares que guardam os registros de nossa história. Ele é memória viva e elaborou importantes sínteses e compreensões que temos disponíveis acerca desse século em Sergipe.
Sobre nosso Estado, com os doze livros até hoje publicados, construiu uma obra vasta e criteriosa. Não obstante o volume, a rigorosa aplicação das coordenadas intelectuais e empíricas da história e das ciências sociais lhes dá uma credibilidade e uma densidade poucas vezes alcançada em obras dessa natureza. Em sua abordagem, o elemento social, político e econômico se conectam numa unidade que perpassa todo o escrutínio da narrativa da história presente em seus trabalhos.
Diferente de Silvio Romero e Tobias Barreto, autodidatas e reconhecidos precursores da sociologia brasileira no século dezenove, o professor Ibarê Dantas é o precursor das abordagens históricas, políticas e sociológicas operadas em Sergipe à luz de critérios empíricos e teóricos consagrados no campo da historiografia e das ciências sociais. A graduação em História, acompanhada pelo generoso e afetivo acolhimento de outro grande nome das ciências sociais em Sergipe, José Silvério Leite Fontes (1925-2005), concluída em 1970 na Universidade Federal de Sergipe, deu-lhe o instrumental inicial para o início dessa vereda. Partindo da ciência da História, assevera que ela oferece elementos fundamentais para a coleta e descrição fidedigna dos fatos históricos, e não esgota a sua abordagem aos horizontes teóricos e metodológicos desta ciência. Em 1975, ao ingressar na Universidade Federal de Sergipe, através de concurso de provas e títulos para lecionar Sociologia, dedicou-se ao estudo dos clássicos dessa ciência, assimilou seus referenciais teóricos e enriqueceu sua narrativa com categorias conceituais mais rigorosas e visão analítica ampliada. Ao mesmo tempo, crescia seu interesse pela Ciência Política, como interface da Sociologia. Não por acaso, deslocou-se, em 1978, com a família para Campinas a fim de fazer o mestrado em Ciência Política na UNICAMP sob a orientação do expressivo Professor Décio Azevedo Marques de Saes. Foi a centelha que faltava para que o pesquisador alargasse os horizontes das premissas que orientariam a sua abordagem sobre a sociedade Sergipana. O livro "Coronelismo e Dominação", publicado em 1987 é um exemplo disso. É um clássico da ciência política brasileira ao lado dos estudos "Coronelismo, Enxada e Voto", de Vitor Nunes Leal e "Coronelismo e Oligarquias" de El Soo Pang.
Se as interpretações sobre longos períodos perderam sua vez nos dias atuais, isso não se deve ao fato de elas não serem importantes. A especialização no mundo das ciências sociais e a incorporação da cultura do Ranking tem dificultado essa modalidade de produção e desmerecido a importância de trabalhos que fortalecem, pela abrangência do esforço, a memória e a identidade de um povo. Para uma juventude que, em suas experiências acadêmicas, se afasta dessa modalidade de trabalho que tem como mote a dedicação a entender Sergipe e a organizar um olhar criterioso sobre a diversidade dos seus fatos históricos e de seus não menos diversos registros, é fundamental reconhecer a importância do professor e pesquisador Ibarê Dantas. Sob a égide das orientações das ciências sociais essa dispersão inesgotável de fenômenos e fontes foi organizada sob a baliza de uma postura científica que tem o inestimável valor de prover a posteridade de uma ponderada, honesta e visceral memória.
Durante décadas de trabalho dedicados à UFS, contribuiu publicando livros que hoje são referências para entendermos essa sociedade. Ajudou a criar o Departamento de Ciências Sociais (que em 1991 começou a promover a oferta de vagas para o bacharelado em Ciências Sociais) desta Instituição, sendo um dos mais destacados professores da área da ciência política, e contribuiu, também, diretamente, para o desenvolvimento da excelência na qualificação dos pesquisadores e pesquisadoras destas ciências em Sergipe. Ajudou a criar e estruturar o Núcleo de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFS, como primeiro coordenador nos quatro em que dirigiu o Núcleo, o qual, mais tarde, se transformaria no Programa de Pós-graduação em Sociologia, o PPGS de hoje que oferece o Mestrado e Doutorado em Sociologia.
Seu vigor e compromisso com a produção do conhecimento sobre a nossa história é tão exemplar que ao ser convidado, no final do ano de 2019 para participar do encerramento da Semana de Ciências Sociais da UFS, abriu mão do convite e de retirar de um capítulo de suas páginas de seu grande livro sobre o século XX (publicados em mais de uma dezena de livros) em Sergipe, uma contribuição para o encerramento deste evento. Ao invés disso preferiu dar de presente aos participantes, a UFS e a memória das ciências sociais sergipanas, mais um organizado e inédito capítulo lapidado pelo rigor de seu labor. Ofereceu uma história do hoje tão bem sucedido PPGS. Como dizia o escritor russo Liev Tostoi, "se queres ser universal, começa por pintar a sua aldeia". A ciência, só metodologicamente falando, pode ser desinteressada e neutra.
* Prof. Dr. Ivan Fontes Barbosa, professor do Departamento de Ciências Sociais (UFS)