Quinta, 16 De Janeiro De 2025
       
**PUBLICIDADE
Publicidade

KAKAY X MAINARDI: UMA PALAVRINHA SOBRE O PALAVRÃO


Publicado em 04 de maio de 2021
Por Jornal Do Dia


 

* Lelê Teles
Eu sou punk e aprecio a arte do insulto, creio que não há, em idioma algum, recurso mais libertador que o palavrão.
Mesmo quando o palavrão é apenas uma palavrinha, aquela que se refere à única parte do corpo onde o sol não bate, "o adjetivo esdrúxulo em U".
Porém, o esparro, o espirro, o esporro e o expurgo, são recursos estilísticos e devem ser usados no momento certo e no lugar adequado; é preciso ter classe para usar a mais desclassificada das palavras.
É por isso que podemos xingar, e sermos xingados, usando os vocábulos mais sujos do nosso vocabulário, olhando nos olhos da pessoa que mais amamos, ali mesmo, no alcóvico ato de amar. 
Na cama, o mais horrível dos palavrões pode soar como o mais belo dos poemas; Bukowski concordaria com isso.
O palavrão recitado sob a tântrica sombra da luz vermelha é elogioso, exaltativo, extasiante.
Por outro lado, se prendo o dedo mindinho na quina de um móvel, vomito e trovejo os mesmos insultos, ao léu e a plenos pulmões. mas aqui ninguém é alvo do xingamento, o xingo xinga só por xingar.
Estudos no campo psicanalítico e cognitivo mostram que xingar alivia a dor, ou sugestiona o corpo a assimilá-la com menos sofreguidão. 
É por isso que o fazemos, instintivamente, toda vez que o dedo prende na porta.
Se o palavrão não existisse, diria Sartre, o homem do dedo na porta inventá-lo-ia.
É sabido que numa situação de dedo na porta, jamais dizemos "ai, minha nossa senhora", ou "louvado seja nosso senhor Jesus Cristo…", isso falamos quando o avião está caindo.
Portanto, orar é como xingar; um alivia a alma, o outro, o corpo. é preciso saber o momento de usá-los para provocar o efeito desejado. 
Filósofos da linguagem, bem como semânticos e pragmáticos, hão de concordar comigo.
Ou seja, com o avião com o bico pra baixo, em queda livre, ninguém xinga, porque isso não ajuda em nada, nem conforta; nessa situação é a alma quem deve gritar, não o corpo: o momento exige oração.
Dito isto, digo mais. 
Pode parecer contraditório que progressistas desconstruídos tenham ficado chocado com o palavrão que o homem-mosca usou contra o nosso beletrista barba-ruiva, no tal manhattan connection. Ora, não faz muito tempo, esses mesmos progressistas viralizaram uma canção que nada mais dizia a não ser aquilo que Mainardi disse a Kakay. 
Por que na canção o mesmo palavrão não pareceu tão palavresco?
Procurei um sábio para mitigar essa aparente contradição.
E fi-lo porque recebi, pelo zap, esse pedido de socorro de um inconformado barbudinho; "por que diabos, Lelê Teles, o palavrão palavrado por Mainardi, um homem que usa e abusa do vão palavrório, chocou-me e chocou o progressismo descolado, se fazemos uso diário e constante da mesma atitude palavral?"
O sapientíssimo Cacique Papaku ajudou-me nessa: 
"Se Kakay tivesse xingado Mainardi seria lindo, libertador, provocativo e, mesmo, um ato político ", disse-me o oráculo da floresta, "já Mainardi xingando Kakay foi apenas desonesto, grosseiro e estúpido".
Segundo o grande cacique, xingar é um ato de fala tão humano, comum e natural como a própria fala.
Por isso, o palavrão – explicou-me o homem da floresta, com a destreza de um lexicógrafo -, existe em todas as línguas humanas. 
"Antes de prosseguirmos, nobilíssimo dorso-nu, aproveito o ensejo para tirar uma dúvida minha, o seu nome é um insulto, uma provocação ou um xingamento?"
Papaku sorriu folgadamente e me deu uma aula de etimologia, coisa sublime para um velho ágrafo; disse-me que na língua de sua etnia [papá] significa santo ou sábio – os papakus não fazem essa distinção entre a iluminação científica e religiosa -, e [ku] significa homem.
"Santificado seja o vosso nome", eu disse.
"Assim é", respondeu-me, laconicamente.
Prossegui, "por que diabos o criminalista criminalizou o palavrão de mainardi? Kakay é amante da boa prosa e da boa poesia, e é ali, todos o sabemos, que vicejam os mais saborosos palavreados, os dizíveis e os indizíveis, os fastos e os nefastos."
"Alto lá", disse o da tanga de penachos, "Kakay não criminalizou nada, o advogado apenas advogou, com as devidas e polidas vênias, que o seu interlocutor agiu como um estúpido e desequilibrado. o sujeito estava a receber um convidado em seu programa, o que exige cortesia e cordialidade, é o que reza a mais básica regra da anfitriãlidade, aqui e alhures. Mainardi usou a boca como se fosse o próprio aparelho excretor". 
O velho cacique ainda salientou que o palavrão usado por mainardi nem foi um recurso estilístico, ele o usou por falta de recurso, por falta de palavras, por pequenez intelectual e covardia. 
Para ilustrar o raciocínio, Papaku lembrou de uma cena do filme Ó Paí Ó em que o personagem vivido por Lázaro Ramos acusa o racismo de seu interlocutor, esporrando-lhe na cara toda a sua negra revolta.
O personagem de Wagner Moura, pego de calças curtas, sem argumentos para confrontar as duras palavras do outro, agiu mainardicamente com a mesma simplória, bolsonárica e covarde resposta.
"Captei a vossa mensagem", pensei comigo, emulando o mainárdico Rolando Lero.
O indígena prosseguiu: "mandar um convidado tomar no c* é como xingar a mãe, é como um pastor usar um palavrão no púlpito, é como ensinar a uma criança a falar xingando". 
Para Papaku, Mainardi agiu como um papagaio de piada ruim, porque fulanizou o insulto, atribuindo ao fiofólogo da Virgínia a construção de um sintagma tão manjado.
"A partir daquele dia infame", disse o velho cacique, "chamar Mainardi de jornalista, ou escrever seu nome com iniciais maiúsculas, é o mesmo que dizer um palavrão, um palavrão usado de forma inadequada, no momento errado e por covardia travestida de valentia".
Aquele dia será para sempre lembrado como o dia que Mainardi xingou o palavrão.
Palavra da salvação.
* Lelê Teles é jornalista, publicitário e roteirista

* Lelê Teles

Eu sou punk e aprecio a arte do insulto, creio que não há, em idioma algum, recurso mais libertador que o palavrão.
Mesmo quando o palavrão é apenas uma palavrinha, aquela que se refere à única parte do corpo onde o sol não bate, "o adjetivo esdrúxulo em U".
Porém, o esparro, o espirro, o esporro e o expurgo, são recursos estilísticos e devem ser usados no momento certo e no lugar adequado; é preciso ter classe para usar a mais desclassificada das palavras.
É por isso que podemos xingar, e sermos xingados, usando os vocábulos mais sujos do nosso vocabulário, olhando nos olhos da pessoa que mais amamos, ali mesmo, no alcóvico ato de amar. 
Na cama, o mais horrível dos palavrões pode soar como o mais belo dos poemas; Bukowski concordaria com isso.
O palavrão recitado sob a tântrica sombra da luz vermelha é elogioso, exaltativo, extasiante.
Por outro lado, se prendo o dedo mindinho na quina de um móvel, vomito e trovejo os mesmos insultos, ao léu e a plenos pulmões. mas aqui ninguém é alvo do xingamento, o xingo xinga só por xingar.
Estudos no campo psicanalítico e cognitivo mostram que xingar alivia a dor, ou sugestiona o corpo a assimilá-la com menos sofreguidão. 
É por isso que o fazemos, instintivamente, toda vez que o dedo prende na porta.
Se o palavrão não existisse, diria Sartre, o homem do dedo na porta inventá-lo-ia.
É sabido que numa situação de dedo na porta, jamais dizemos "ai, minha nossa senhora", ou "louvado seja nosso senhor Jesus Cristo…", isso falamos quando o avião está caindo.
Portanto, orar é como xingar; um alivia a alma, o outro, o corpo. é preciso saber o momento de usá-los para provocar o efeito desejado. 
Filósofos da linguagem, bem como semânticos e pragmáticos, hão de concordar comigo.
Ou seja, com o avião com o bico pra baixo, em queda livre, ninguém xinga, porque isso não ajuda em nada, nem conforta; nessa situação é a alma quem deve gritar, não o corpo: o momento exige oração.
Dito isto, digo mais. 
Pode parecer contraditório que progressistas desconstruídos tenham ficado chocado com o palavrão que o homem-mosca usou contra o nosso beletrista barba-ruiva, no tal manhattan connection. Ora, não faz muito tempo, esses mesmos progressistas viralizaram uma canção que nada mais dizia a não ser aquilo que Mainardi disse a Kakay. 
Por que na canção o mesmo palavrão não pareceu tão palavresco?
Procurei um sábio para mitigar essa aparente contradição.
E fi-lo porque recebi, pelo zap, esse pedido de socorro de um inconformado barbudinho; "por que diabos, Lelê Teles, o palavrão palavrado por Mainardi, um homem que usa e abusa do vão palavrório, chocou-me e chocou o progressismo descolado, se fazemos uso diário e constante da mesma atitude palavral?"
O sapientíssimo Cacique Papaku ajudou-me nessa: 
"Se Kakay tivesse xingado Mainardi seria lindo, libertador, provocativo e, mesmo, um ato político ", disse-me o oráculo da floresta, "já Mainardi xingando Kakay foi apenas desonesto, grosseiro e estúpido".
Segundo o grande cacique, xingar é um ato de fala tão humano, comum e natural como a própria fala.
Por isso, o palavrão – explicou-me o homem da floresta, com a destreza de um lexicógrafo -, existe em todas as línguas humanas. 
"Antes de prosseguirmos, nobilíssimo dorso-nu, aproveito o ensejo para tirar uma dúvida minha, o seu nome é um insulto, uma provocação ou um xingamento?"
Papaku sorriu folgadamente e me deu uma aula de etimologia, coisa sublime para um velho ágrafo; disse-me que na língua de sua etnia [papá] significa santo ou sábio – os papakus não fazem essa distinção entre a iluminação científica e religiosa -, e [ku] significa homem.
"Santificado seja o vosso nome", eu disse.
"Assim é", respondeu-me, laconicamente.
Prossegui, "por que diabos o criminalista criminalizou o palavrão de mainardi? Kakay é amante da boa prosa e da boa poesia, e é ali, todos o sabemos, que vicejam os mais saborosos palavreados, os dizíveis e os indizíveis, os fastos e os nefastos."
"Alto lá", disse o da tanga de penachos, "Kakay não criminalizou nada, o advogado apenas advogou, com as devidas e polidas vênias, que o seu interlocutor agiu como um estúpido e desequilibrado. o sujeito estava a receber um convidado em seu programa, o que exige cortesia e cordialidade, é o que reza a mais básica regra da anfitriãlidade, aqui e alhures. Mainardi usou a boca como se fosse o próprio aparelho excretor". 
O velho cacique ainda salientou que o palavrão usado por mainardi nem foi um recurso estilístico, ele o usou por falta de recurso, por falta de palavras, por pequenez intelectual e covardia. 
Para ilustrar o raciocínio, Papaku lembrou de uma cena do filme Ó Paí Ó em que o personagem vivido por Lázaro Ramos acusa o racismo de seu interlocutor, esporrando-lhe na cara toda a sua negra revolta.
O personagem de Wagner Moura, pego de calças curtas, sem argumentos para confrontar as duras palavras do outro, agiu mainardicamente com a mesma simplória, bolsonárica e covarde resposta.
"Captei a vossa mensagem", pensei comigo, emulando o mainárdico Rolando Lero.
O indígena prosseguiu: "mandar um convidado tomar no c* é como xingar a mãe, é como um pastor usar um palavrão no púlpito, é como ensinar a uma criança a falar xingando". 
Para Papaku, Mainardi agiu como um papagaio de piada ruim, porque fulanizou o insulto, atribuindo ao fiofólogo da Virgínia a construção de um sintagma tão manjado.
"A partir daquele dia infame", disse o velho cacique, "chamar Mainardi de jornalista, ou escrever seu nome com iniciais maiúsculas, é o mesmo que dizer um palavrão, um palavrão usado de forma inadequada, no momento errado e por covardia travestida de valentia".
Aquele dia será para sempre lembrado como o dia que Mainardi xingou o palavrão.
Palavra da salvação.

* Lelê Teles é jornalista, publicitário e roteirista

 

**PUBLICIDADE



Capa do dia
Capa do dia



**PUBLICIDADE


**PUBLICIDADE
Publicidade