Do homem, não ficou nem uma foto.
Lembrança de um velho safado
Publicado em 08 de julho de 2023
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Justo hoje, enquanto a inteligência nativa empenha todas as forças na redação de epístolas ufanistas, dou de cara com o vulto estragado de Newman Sucupira – um encontro inesperado. Estamos os dois numa bodega imaginária, cotovelos apoiados no balcão sujo, entre moscas, cascas de amendoim, garrafas vazias de cerveja. Ele blasfema, a fim de puxar assunto. Não suporta as declarações de amor ao lugar onde cometeu tantos pecados.
Bêbado de sonho, pergunto a Newman onde estamos. Ele aponta a porta do bar, com os beiços, acende um charuto barato. Um rio escuro corre do lado de fora. Só depois de empestear tudo com fumo, feito um canhão engasgado, arrisca um palpite: Desde quando se entendia por gente, esteve sempre enfiado num buraco.
Newman conta como cavou a própria cova, um conto depois do outro. Em primeiro lugar, abdicou de qualquer pretensão beletrista, renunciou às cerimônias, rapapés, formalidades. Jamais dobrou os joelhos. Nunca suportou o beija mão da alta sociedade. Depois chafurdou gostosamente no mangue das paixões, devotado ao estômago e o sexo, satisfeito de ser um velho safado.
‘Contos malditos e histórias de mim’, único livro publicado de Newman Sucupira, não mereceu edições luxuosas, não credenciou o seu autor à imortalidade cartorial da Academia Sergipana de Letras, não o transformou no cronista mais querido do lugar. Nem poderia. A vida real, como é tratada pelo escritor, um epicurista nato, não é assunto de intelectuais caindo de velhos. Nas páginas breves do volume magro, a grande beleza da música de Beethoven e o apetite faminto dos animais.Do homem, não ficou nem uma foto.O esquecimento era para ele um destino, antes mesmo de virar fato consumado.
Sem assunto, um tanto deprimido com o rumo da conversa, esquecido da emancipação política de Sergipe, conto a Newman das diarreias monstruosas curtidas em dias de ressaca, com a expressão canastrona de um herói trágico. O filho da puta não me dá moral, apalpa o próprio fígado e solta a maior gaitada.