Like a rollingstone

 

Jamais fiz segredo de meus desafetos. Os falsetes da banda Calcinha Preta, por exemplo, sempre os releguei ao pé da página, a vala comum dedicada aos releases que celebram o sucesso de natureza estritamente comercial. 

Com o passar dos anos, entretanto, o romantismo de uma penúria abnegada, o preço cobrado a quem prefere ostentar a pureza das convicções artísticas ao invés de faturar alto com o alegado talento, soa cada vez mais forçada aos meus ouvidos. Há quem diga que todos os homens têm um preço. Eu não chego a tanto, mas começo a cogitar sobre o valor de minha cabeça calva no acanhado mercado de ideias local.

 Ao longo de mais ou menos duas décadas batendo prego na redação deste Jornal do Dia, evitei fazer grandes concessões. Aqui e ali, carreguei a mão em adjetivos imerecidos, a fim de levantar a bola de artistas carentes de aplausos, eu confesso. Mais das vezes, entretanto, dediquei-me a apontar o dedo duro orientado por paixão declarada, com o mais absoluto rigor, a ponto de tomado por um fio desencapado. 

 A recompensa nem sempre foi paga na mesma moeda. Rasteiras, a picuinha comum a toda cena emergente, tapetes puxados, fazem pensar no proveito das frágeis alianças firmadas em favor da sensibilidade nativa. Enquanto os caranguejos da aldeia puxam uns aos outros, confinados em panelinhas de caldo ralo, o dono da Calcinha Preta faz dinheiro como gente grande, lota estádios, cativa multidões, like a Rolling Stone.

Este fim de semana, a banda Calcinha Preta sobe mais uma vez em palco erguido pelo poder público local, decidida a deitar e rolar sob os holofotes próprios dos maiores espetáculos. A mim, não me apetece. Mas a multidão não lê artigos assinados por jornalistas pedantes, entupidos de Literatura. A multidão só tem ouvidos para o sucesso do rádio, a multidão canta e dança ao sabor de qualquer música.