Com Mano Brown, o mundo real finalmente ingressa na Academia
Mano Brown igual Camões
Publicado em 25 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia
A universidade brasi leira é um mundo à parte, flutua a muitos palmos do chão. A Federal de Sergipe, por exemplo, cujo reitor se prestou ao ridículo de empenhar a própria palavra na campanha eleitoral do deputado André Moura, jamais demonstrou a mais breve preocupação com o seu entorno. Perdida no tempo, carola, com vocação para as cerimônias de fraque e cartola, a Academia tupiniquim é uma piada.
Não admira, portanto, a música dos Racionais MC’s ter passado batido pelos ouvidos moucos da Unicamp. Somente agora, em plena era do streaming, quando o LP ‘Sobrevivendo no inferno’ completou 21 anos, os doutores diplomados com os títulos mais pomposos reconhecem a sua força evidente. Explica-se: A Unicamp incluiu o disco ‘Sobrevivendo no inferno’ (1997) entre as referências sugeridas aos candidatos do concurso Vestibular 2020. É a primeira vez que a relação de obras literárias inclui um trabalho musical.
"Nos chamou a atenção a questão da valorização da cultura da periferia proposta pelo disco. É uma obra que traz o olhar ácido e crítico dos Racionais e continua relevante. E ela mescla várias referências, o que é uma característica da literatura, trazer referências de outros discursos", explicou o professor José Alves de Freitas Neto, coordenador executivo do Vestibular Unicamp, em declaração para o jornal O Globo.
A Unicamp descobriu a pólvora. À época do lançamento, o disco lançado por um selo independente (leia-se, sem a força da grana e a publicidade das gravadoras multinacionais), vendeu 1,5 milhão de cópias. ‘Sobrevivendo no inferno’ ocupa a 14ª posição na lista dos melhores discos da música brasileira publicada pela Revista Rolling Stone. Em 2015, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, presenteou o Papa Francisco com o álbum, durante visita ao Vaticano. Isso, para não mencionar o espanto imediato de artistas com o faro e a envergadura de Caetano Veloso, em declaração reiterada, no calor do momento.
Bom seria se os doutores nos quatro cantos do Brasil tivessem olhos e ouvidos abertos para o discurso articulado da brava gente. Discos são lançados todos os anos. No fim das contas, as rimas de Mano Brown contam um tempo e um espaço, igual os versos escritos por Luís de Camões.