Marco de bom jornalismo
Publicado em 27 de agosto de 2020
Por Jornal Do Dia
* Jaime Sautchuk
Morreu o jornalista Washington Novaes, símbolo de um jornalismo que encontra dificuldades pra sobreviver num país onde a grande mídia ajuda a fazer golpes de estado e o atual presidente da República diz que vai "encher de porrada" a boca de um jornalista que lhe havia feito uma pergunta. Vai com ele uma rara referência de bom jornalismo.
Aos 86 anos, Washington ainda produzia textos impecáveis, publicados em jornais e portais de Goiás, onde vivia há várias décadas, e de todo o país. Ele faleceu em um hospital de Aparecida de Goiânia, na região metropolitana da capital, após cirurgia pra retirada de um tumor no intestino. Seu nome ficará com destaque na história do jornalismo brasileiro.
Ele nasceu em Vargem Grande do Sul, São Paulo, em 1.934, e desde muito jovem se dedicou ao jornalismo, atuando como repórter, editor e colunista de alguns dos principais veículos da imprensa brasileira. Atualmente, era colunista dos jornais O Popular, de Goiás, e O Estado de S, Paulo (SP). Com grande destaque, atuou também nas principais redes de TV do Brasil, e era consultor jornalístico de comentarista da TV Cultura de São Paulo.
Como profissional, Washington não gostava de ser chamado de "jornalista ambiental", como era frequentemente mencionado. "Jornalista é jornalista, e pronto – preocupação com o meio ambiente é dever de todo cidadão", dizia ele. Ele introduziu temas ambientais e relativos aos povos indígenas nas pautas dos telejornais da TV Globo, por exemplo, e foi um dos criadores do Globo Repórter, programa jornalístico daquela rede que se notabilizou por abordar esses assuntos com maior profundidade.
Em seus ambientes de trabalho, ele explicava aos colegas que a opção por essa temática não era nenhuma invenção extraordinária, mas fruto da própria realidade brasileira, durante a ditadura (1964-1985). A rigorosa censura aos meios de comunicação de massa, na época, era menos rígida quando lidava com essas questões, o que permitia que se tratasse da realidade brasileira de modo indireto, mas bastante eficaz.
Em 1981, Washington dirigiu o documentário "Amazonas, a pátria da água", exibido pelo Globo Repórter. O programa ganhou medalha de prata no Festival de Cinema e Televisão de Nova York, nos Estados Unidos, em 1982. Duas décadas depois, foi responsável pelo roteiro e direção da série documental "O desafio do lixo", que foi ao ar pela TV Cultura.
Ao longo da década de 1980, Washington viveu em completa imersão no universo dos povos indígenas do Xingu. A experiência gerou a série de documentários "Xingu, a Terra Mágica" e o livro "Xingu, uma Flecha no Coração". Ele descrevia desta forma essa experiência de vida:
"Chegar perto do índio, da cultura do índio, exige uma mudança radical de perspectiva, como se o olho passasse a ver pelo lado oposto, no sonho, no inconsciente. Entender o índio, entender a sua cultura e respeitá-lo, implica despirmo-nos desta nossa civilização. Porque o encontro com o índio é um mergulho em outro espaço, em outro tempo".
Logo depois, Washington recebeu convite do jornalista Batista Custódio e foi dirigir o jornal Diário da Manhã, de Goiânia, uma rica experiência jornalística que empreendeu. Com enfoque nacional e uma abordagem aberta, livre, com maior envolvimento de personagens nas notícias por eles geradas e dos repórteres nos relatos que faziam. Depois, adotou Goiás como local de moradia.
Em 1999, participou, como consultor ambiental, do 1º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA), evento do governo estadual de repercussão mundial, em que atuou por mais de duas décadas. Era pessoa digna, correta, símbolo de um jornalismo cada vez mais raro no Brasil.
* Jaime Sautchuk trabalhou nos principais órgãos da imprensa, Estado de SP, Globo, Folha de S.Paulo e Veja. E na imprensa de resistência, Opinião e Movimento. Atuou na BBC de Londres, dirigiu duas emissoras da RBS.