MATARAM DEUS E ESQUECERAM DE ENTERRÁ-LO
Publicado em 16 de agosto de 2020
Por Jornal Do Dia
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
A célebre frase "Deus está morto" é de autoria do filósofo alemão, Friedrich Nietzsche, que viveu entre os anos 1844 e 1900. Ele era de família luterana e chegou a cogitar a possibilidade de seguir a carreira na teologia. Depois, optou pela filosofia, tornando cético e dos maiores críticos do Cristianismo.
Entre suas obras mais conhecidas, nesse sentido, é "O Anticristo" (escrito em 1888 e publicado em 1895). Para Gabriel Rodrigues, trata-se de uma declaração de ódio ao Cristianismo, contra seus valores e ideais. Porém, qualquer crítica que se faça a este autor e a suas publicações precisa estar situada em seu contexto: segunda metade do século XIX, período marcado pelo secularismo e pelo progresso material.
Em linhas gerais, a principal crítica do filósofo alemão se deu à COMPAIXÃO, que para ele é contrária à natureza humana: a PAIXÃO. Logo, a sua análise pressupõe um leitor além da conta. Alguém, sobretudo, que esteja em condição, mesmo crente, de apreciar ideias novas, despido de convicções, sem necessariamente abrir mão delas.
Para Nietzsche, a bondade cristã é uma farsa. No fundo, aumenta o sentimento de poder. Aos sacerdotes, teólogos e até mesmo sos filósofos ele os chama de "pavões de Deus", particularmente os que defendem a sua existência: "(…) Em Deus, o nada é deificado, e a vontade do nada é canonizada".
Apesar dessa antipatia religiosa ao Cristianismo, ele valoriza, por exemplo o Budismo, que não combate o pecado. Antes, para ele, luta contra o sofrimento a partir do tripé: serenidade, silêncio e ausência do desejo. Ora, caríssimo leitor que me acompanha atentamente até agora: não se pode alcançar isto e este estado de coisas no Cristianismo? Não teria sido Jesus sereno? Quem com silêncio respondeu às inúmeras agressões até o calvário? Quem, como Jesus, não resistiu ao desejo e não me refiro apenas ao sexual, mas os de toda ordem, inclusive o de poder?
Sobre o amor, Nietzsche diz-se ser o estado em que o homem enxerga as coisas como elas não são. O pecado leva o sujeito à necessidade da redenção e isto implica em crer na existência de um Deus. E para tanto, o Cristianismo teria transformado o mundo num grande manicômio.
A ideia de um Deus morto para Nietzsche passa por Jesus Cristo, para quem ele poupa críticas mais duras e contundentes. Via de regra, o filósofo entende que morto na cruz, também Deus foi crucificado. Para ele, a ressurreição e todo o resto foi obra de fanáticos. E nessa conta, o apóstolo Paulo, a quem atribui a alcunha de ter sido o grande mentor de uma fraude, que atravessa os séculos.
Friedrich Nietzsche morreu aos 46 anos, de um colapso mental. Não se sabe ao certo o que gerou nele tanta aversão ao Cristianismo a ponto de ousar matar Deus. O problema é que ele segue vivo e incrivelmente bem vivo em um tempo cada vez mais marcado por egoísmos, negacionismo, escalada da violência e da intolerância, entre outros males humanos demais, no pior sentido da palavra.
Deus ainda está vivo, entre várias razões, porque a ciência preconizada naquele século XIX fracassou; os novos ideais ateus também; e, nada, foi colocado em seu lugar, no lugar da "inexistência" de Deus, de sua nota de falecimento. Em grande medida, Ele nunca morreu e se morreu, esqueceram de enterrá-lo.
Sobre a natureza de Deus, há uma passagem no livro de Êxodo, 3, versículo 14, que narra um diálogo do profeta Moisés com Deus. O profeta pediu a Ele que lhe desse uma orientação sobre como Moisés deveria defini-lo quando questionado pelo seu povo, no que lhe foi respondido: "Eu SOU aquele que É". Conjugado assim no presente, jamais foi criado e, portanto, não caberia morrer. Deus não morre; o que presumem matar é a ideia e Deus e a crença nele.
Para Rice Brooks, autor do livro "Deus não está morto", os críticos do Cristianismo ou neo-ateus do século XXI rejeitam Deus, mas não conseguem deixar de ser este a sua principal preocupação. Em tese, se ele morreu no século XIX, por que então tanto esforço intelectual para negar algo que não mais existe?
E aqui vai também uma ponderação reflexiva, também, para os que creem na existência de Deus: porque há cada vez mais pessoas se dedicando a provar que a máxima de Friedrich Nietzsche estava certa e à mesma medida mais pessoas crendo em Deus adotando uma postura somente devocional? Para crer, já o disse outro dia, é necessário também conhecer.
Para os que creem, Deus precisa ser uma realidade e não uma utopia ateia. Como diz Rice Brooks, os crentes precisam ser tão ousados e destemidos, em seu testemunho de vida cristã, quanto os céticos e ateus em suas certezas. Pois, em grande medida, os que creem poderão estar condenados a serem os primeiros a lançar sobre o túmulo de Deus uma pá de areia ou até mesmo uma pá de cal.