Segunda, 27 De Janeiro De 2025
       
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Mutirões de terapia


Publicado em 11 de junho de 2019
Por Jornal Do Dia


 

* Antonio Passos
A quantidade de psicólogos em atividade havia caído drasticamente por todo o país. Inicialmente o governo aboliu a assistência psicológica no sistema público de saúde. Os profissionais da área passaram então a atender exclusivamente por meio de consultas particulares ou dos planos de saúde.
Progressivamente, outras mudanças também passaram a ser sentidas. A procura por atendimentos particulares rareou – tornaram-se pouquíssimas as pessoas que podiam pagar. Muitos profissionais, com a corda no pescoço, baixaram os preços. Tal iniciativa, em pouco tempo, inviabilizou os consultórios.
Com a privatização do sistema as empresas do setor ofereceram planos barateados, para atrair a massa empobrecida e desesperada. Porém, a assistência psicológica restou apenas nas modalidades mais caras. Apenas uma quantidade ínfima desses profissionais continuou atendendo por meio de planos de saúde.
Quando houve uma mudança política e o estabelecimento de um governo que não se portava como um mero impositor de interesses externos e nocivos ao povo, o país estava arrasado. A degradação urbana, ambiental, educacional, entre outras, era alarmante. A miséria e a depressão encobriam o que restou da nação.
Mutirões de trabalho e acolhimento solidário foram implementados, na esperança de que aquele povo pudesse voltar a sonhar com a conquista de autonomia e dignidade humana. Uma dessas frentes convocou todos os psicólogos remanescentes para coordenarem ações de tratamento dos alastrados casos de depressão.
Diante da precariedade de recursos os profissionais resolveram que a melhor alternativa para aquelas circunstâncias era reunir grandes grupos de pessoas que seriam convidadas a narrar e compartilhar seus dramas pessoais com o coletivo. Seguem algumas das narrativas que foram colhidas naqueles dias:
"No início o uso de veneno era lucrativo. Os gerentes dos bancos, os vendedores, todo mundo dizia… Depois chegaram as empresas grandes de fora. Elas plantavam só pra exportar, de outro jeito. Mas, por aqui, o veneno corria solto. Com o tempo a terra arruinou, perdi tudo… Muita doença maligna começou a aparecer, muita gente morrendo de todo lado… Hoje vivo atormentado, me sinto culpado por tudo isso que aconteceu…"
"Eu pagava a escola do meu filho e achava que era injusto o governo gastar tanto dinheiro com educação, com universidade… Aí fiquei desempregado, tive que colocar o menino em uma escola pública e logo depois a escola fechou… Eu reclamei mas não adiantou… Meu filho nunca mais foi pra escola, eu nunca pensei que um dia isso pudesse acontecer… A gente hoje vive fazendo bico e pedindo pra sobreviver…"
"Eu era contra aquela lei que tinha o nome de uma mulher. Eu era casada nova e achava que a mulher devia obedecer o marido, era o que eu ouvia. Parei de estudar e fiquei só tomando conta de casa. Depois deixei de ser mulher pra ele… Ele passou a me tratar como uma escrava, me bater… Até que me botou pra fora de casa e hoje, já velha, eu vivo na rua, pedindo esmola…"
"Eu achava certo todo mundo ter arma. Quando liberou peguei logo um 38, era o que eu podia comprar. Com o tempo comecei a ver muito tiro e morte. Qualquer briga virava um tiroteio e a polícia não tinha mais o que fazer… Um dia fui viajar com a família e uma carreta começou a buzinar atrás de mim. Mais na frente, ele me cortou e da janela um cara apontou um fuzil pra gente e disparou. Me assustei, saí da pista e capotei. Eu fui o único no carro que não morreu…"
* Antonio Passos é jornalista

* Antonio Passos

A quantidade de psicólogos em atividade havia caído drasticamente por todo o país. Inicialmente o governo aboliu a assistência psicológica no sistema público de saúde. Os profissionais da área passaram então a atender exclusivamente por meio de consultas particulares ou dos planos de saúde.
Progressivamente, outras mudanças também passaram a ser sentidas. A procura por atendimentos particulares rareou – tornaram-se pouquíssimas as pessoas que podiam pagar. Muitos profissionais, com a corda no pescoço, baixaram os preços. Tal iniciativa, em pouco tempo, inviabilizou os consultórios.
Com a privatização do sistema as empresas do setor ofereceram planos barateados, para atrair a massa empobrecida e desesperada. Porém, a assistência psicológica restou apenas nas modalidades mais caras. Apenas uma quantidade ínfima desses profissionais continuou atendendo por meio de planos de saúde.
Quando houve uma mudança política e o estabelecimento de um governo que não se portava como um mero impositor de interesses externos e nocivos ao povo, o país estava arrasado. A degradação urbana, ambiental, educacional, entre outras, era alarmante. A miséria e a depressão encobriam o que restou da nação.
Mutirões de trabalho e acolhimento solidário foram implementados, na esperança de que aquele povo pudesse voltar a sonhar com a conquista de autonomia e dignidade humana. Uma dessas frentes convocou todos os psicólogos remanescentes para coordenarem ações de tratamento dos alastrados casos de depressão.
Diante da precariedade de recursos os profissionais resolveram que a melhor alternativa para aquelas circunstâncias era reunir grandes grupos de pessoas que seriam convidadas a narrar e compartilhar seus dramas pessoais com o coletivo. Seguem algumas das narrativas que foram colhidas naqueles dias:
"No início o uso de veneno era lucrativo. Os gerentes dos bancos, os vendedores, todo mundo dizia… Depois chegaram as empresas grandes de fora. Elas plantavam só pra exportar, de outro jeito. Mas, por aqui, o veneno corria solto. Com o tempo a terra arruinou, perdi tudo… Muita doença maligna começou a aparecer, muita gente morrendo de todo lado… Hoje vivo atormentado, me sinto culpado por tudo isso que aconteceu…"
"Eu pagava a escola do meu filho e achava que era injusto o governo gastar tanto dinheiro com educação, com universidade… Aí fiquei desempregado, tive que colocar o menino em uma escola pública e logo depois a escola fechou… Eu reclamei mas não adiantou… Meu filho nunca mais foi pra escola, eu nunca pensei que um dia isso pudesse acontecer… A gente hoje vive fazendo bico e pedindo pra sobreviver…"
"Eu era contra aquela lei que tinha o nome de uma mulher. Eu era casada nova e achava que a mulher devia obedecer o marido, era o que eu ouvia. Parei de estudar e fiquei só tomando conta de casa. Depois deixei de ser mulher pra ele… Ele passou a me tratar como uma escrava, me bater… Até que me botou pra fora de casa e hoje, já velha, eu vivo na rua, pedindo esmola…"
"Eu achava certo todo mundo ter arma. Quando liberou peguei logo um 38, era o que eu podia comprar. Com o tempo comecei a ver muito tiro e morte. Qualquer briga virava um tiroteio e a polícia não tinha mais o que fazer… Um dia fui viajar com a família e uma carreta começou a buzinar atrás de mim. Mais na frente, ele me cortou e da janela um cara apontou um fuzil pra gente e disparou. Me assustei, saí da pista e capotei. Eu fui o único no carro que não morreu…"

* Antonio Passos é jornalista

 

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