Trata-se de parar e olhar em volta.
No meio do mundo
Publicado em 27 de abril de 2022
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Na primeira oportunidade, ponho a cabeça fora da bolha e respiro fundo, como se me faltasse o ar nos pulmões. O mundo é grande, acredito piamente. De tudo quanto não conheço, careço, tenho fome.
Foi assim, como a brisa boa de uma novidade feliz, que a voz doce e segura da menina Marla Rabello chegou a meus ouvidos cansados de frases feitas, batuques de boutique, redundâncias oportunistas. Não que ela realize algo como a descoberta da pólvora, longe disso. Mas sou adepto de brindar às novidades e levanto a minha taça com entusiasmo, embriagado com a descoberta. Sou, talvez, o último a saber. Mas pouco importa se faço alarde de notícia velha, tanto faz se aceno com o jornal de ontem.
‘Rua da Frente’, um EP com cinco faixas, comunica algo de familiar, para além da paisagem evocada no simpático projeto gráfico e na bela faixa de abertura do registro. Trata-se de parar e olhar em volta, a fim de perceber tudo, o vai e vem de toda a gente, papéis sociais, pescadores, jovens desempregados, trabalhadores açoitados pelo relógio de ponto, “polícia e ladrão”.
Isso de adivinhar na superfície um significado outro, subjacente, o sentimento abafado, a história enterrada mais fundo, faz parte da poética alinhavada com a honestidade sem artifícios das crianças. Ela mira a onda que quebra na Atalaia e vislumbra caravelas, alcança Angola num pulo.
Ao longo do registro, há também a intenção declarada de conexão com origens ancestrais, o feijão com arroz servido hoje pela música independente brazuca. Mas, diferente de tantos versos sem força, berrados aos quatro ventos, com gestos forçados de um heroísmo mentiroso, o lirismo da artista não tem nada de pedestre. A poesia de Marla Rabello pega pela mão, carrega no braço, arrasta a gente.