Nós contra eles

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

O Cine Vitória abriga hoje a primeira exibição do filme ‘Medida Provisória’ na terrinha. Tudo indica, a estreia do diretor Lázaro Ramos segue o rastro de sucessos recentes, a exemplo do superestimado ‘Bacurau’ e o coreano ‘Parasita’. Sobre a obra, em si, é impossível realizar qualquer julgamento de antemão. Desde já, no entanto, a perseguição promovida pela horda bolsonarista nas redes sociais anima a audiência.
De repente há urgência. Uma questão de sensibilidade e de sobrevivência, também. Bolsonaro é aquele para quem artista de verdade é um tal MC Reaça. O leitor há de lembrar o episódio. Anos atrás, ainda no início do atual desgoverno, o valente espancou uma mulher grávida, antes de cometer suicídio. O crime chamou atenção pelas circunstâncias aviltantes, mas só repercutiu em larga escala após a manifestação de solidariedade do presidente Jair Bolsonaro – não à mulher no leito de um hospital, não ao inocente espancado na barriga da mãe, mas ao bandido!
Pura coincidência, o talento do criminoso fez vibrar alguma corda insuspeita na psique singular do presidente. São de sua lavra, os versos que comparam feministas a animais de quatro patas. Como sempre, as inclinações em comum precedem o afeto. Não foi à toa que o MC Reaça esteve engajado na campanha Bolsonaro.
Quando se dizia, lá atrás, que a eleição do capitão reformado daria corpo às paixões mais primitivas, eventualmente guardadas no peito de seu eleitorado, a conversa soava como um lamento de derrotados. Melhor seria. O episódio Golden Shower, de escatologia berrante, entretanto, deu status de conhecimento público aos parâmetros éticos e estéticos da gestão Bolsonaro.
Bolsonaro deu fim ao Ministério da Cultura, fez propaganda contra o Carnaval brasileiro, levantou a voz em favor da memória de um agressor de mulheres, em agradecimento aos jingles de gosto duvidoso entoados por gente sem modos nem vocabulário para o debate político. Reza pela mesma cartilha de um torturador condenado. Não admira, portanto, que se cerque de tanta competência para a bravata e a perversidade.
Misoginia é matéria ordinária na linha de montagem da música popular brasileira. Mulheres são mortas todos os dias, atiradas pelas janelas, muitas vezes impunemente. Pela primeira vez, contudo, o feminicídio conta com a anuência de um presidente da República no exercício do cargo. A face criminosa do MC Reaça corresponde a um verdadeiro retrato do artista para a família Bolsonaro.
A quem interessar possa: ‘Medida Provisória’ será exibido pelo Cine Vitória hoje, às 18h15; sábado, às 15h00; domingo, às 17h15; segunda, às18h30.