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O bom filho à casa torna


Publicado em 19 de novembro de 2013
Por Jornal Do Dia


Shujz - Aqui, como no resto do mundo

Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br

Embora os dramas familiares não expliquem o desterro do sergipano Fábio Batista, foi como uma espécie de filho pródigo que ele ambientou a narrativa de Amigo Anônimo na Aracaju de nossos dias. Contemplado pelo Edital 2012, da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura, o filme está sendo rodado integralmente na terrinha. Hoje, a aventura do realizador – que enfrentou as BR’s da vida com o polegar no vento, à mercê da boa vontade dos outros, na esperança de uma carona, para estudar cinema na Universidade Federal Fluminense -, parece até meio romântica. Há alguns anos, no entanto, quando ele pendurou uma mochila nas costas e ganhou o mundo, a história era outra, muito diferente. "A enorme vontade de fazer cinema me impulsionou".

Jornal do Dia – Esse é o seu curta-metragem, o primeiro rodado em Aracaju (correto?). Dá pra fazer um diagnóstico da cena audiovisual sergipana, a partir de sua experiência?

Fábio Batista – Amigo Anônimo é o meu primeiro curta-metragem a ser rodado integralmente na cidade de Aracaju. O primeiro de muitos que virão, tenho certeza. É um prazer imenso realizar um projeto tão lindo na minha cidade e conseguir reunir uma equipe tão competente e tão empenhada. Alguns profissionais vieram do Rio de Janeiro, mas a grande maioria da equipe é formada por profissionais sergipanos, amigos e colegas de trabalho de longa data que apostaram e mergulharam de cabeça nesse projeto.
Politicamente falando, atualmente, meu grau de envolvimento não é muito forte, naturalmente… Passei 6 anos na graduação de Cinema e Audiovisual, na Universidade Federal Fluminense. Fui estudar fora procurando me capacitar, numa época que ainda não possuíamos o curso de Audiovisual na UFS, sempre com o intuito de voltar para realizar em Sergipe todas as ideias que pairavam na minha cabeça.
A enorme vontade de fazer cinema me impulsionou. Eu fui em busca daquilo que acreditava, sem condições finaceiras de prestar vestibular fora, cheguei a fazer os trajetos através de várias caronas, passando dias na estrada, por conta desse sonho.

A ideia sempre foi voltar para fazer coisas na minha cidade.
Diagnóstico é uma palavra de grande peso, mas consigo, devido à minha curiosidade, leitura, conversas que mantenho, participação em páginas na rede social do Audiovisual Sergipano, ficar por dentro do que acontece no Estado em termos de políticas públicas, novas produções etc. Acho que a cada dia a produção audiovisual sergipana vem ganhando em qualidade técnica, estética e narrativa, principalmente quando comparamos ao quadro que vivíamos há 6 anos atrás. Percebemos uma crescente preocupação dos órgãos públicos, ainda que não tão satisfatória, no que diz respeito à solidificação de um ‘cinema sergipano’ de verdade, e uma busca cada vez maior dos estudantes e jovens profissionais da área por estudo e capacitação técnica. Claro que isso tudo está intimamente ligado às políticas do Núcleo de Produção Digital e à criação do Curso de Audiovisual da UFS.

JD – Segundo o release da produção, Amigo Anônimo trata da comunicação e de sua ausência. Eu penso que esse é uma das principais angústias de nosso tempo. Ao mesmo tempo, essa também é uma aflição estética inerente a qualquer gênero de realização artística. Há alguma pretensão de metalinguagem em seu filme?

Batista – O filme Amigo Anônimo traz antes de tudo esse universo da incomunicabilidade num mundo de comunicação veloz, sem barreiras. Tratar deste tema, com esta abordagem, é sempre um risco pela naturalização dessa velocidade nas novas gerações. Porém, o curta carrega sensibilidade e poesia na criação do universo particular desse personagem que acompanhamos. Shujz, estrangeiro de origem desconhecida, chega a Aracaju para morar e se depara com a dificuldade da língua. A partir daí desenvolve outros meios de comunicação e convivência com as pessoas ao seu redor.

Em qualquer obra artística há sim essa natural angústia de se comunicar ou de não-comunicar de maneira eficiente. Aqui, essa angústia salta à tela, sem a pretensão da metalinguagem. Há aqui uma clareza de linguagem e de acompanhamento espectatorial da trajetória deste nosso protagonista.

A linguagem sensível, poética e fluida serve ao universo que envolve Shujz, antes de tudo. É o clima que conduz nossa narrativa. Além disso, foi o que impulsionou ainda mais a realizar esse filme na cidade de Aracaju, indo de encontro aos estereótipos de temáticas nordestinas, seca, terra rachada etc. solidificados pelos meios de comunicação e muitos dos filmes realizados e que falam do nordeste.
JD – De que maneira a paisagem de Aracaju, onde as imagens do filme serão registradas, se prestam a tal projeto?

Batista – O sentimento abordado no filme trata justamente da angústia que temos nas mudanças mais importantes e radicais nas nossas vidas. Sejam elas voluntárias ou inesperadas. É aquela sensação de não-adaptação em um novo lugar, situação ou modo de vida. O personagem principal chega do exterior, país desconhecido, e escolhe Aracaju para se instalar e neste sentido tratamos da recepção calorosa das pessoas com que cruza, da empatia alheia com sua busca de uma nova forma de linguagem senão a convencional verbal (já que a língua falada por ele não existe)… enfim.

É justamente por vir do exterior e desembarcar aqui numa cidade do nordeste do Brasil, que Shujz vai andar por ai, conhecendo a cidade e tentando sistematizar uma nova codificação de linguagem para sua comunicação pessoal e profissional (Shujz busca emprego, sem saber falar português). Além de procurar alentos nos seus momentos de reflexão nos pontos turísticos da cidade.

JD – Amigo Anônimo foi realizado com financiamento do MinC. Perfeitamente legítimo. Mas há meios de fazer audiovisual (um produto caro, por sua própria natureza) sem capital estatal? Edital é política pública de Cultura?

Batista – Há inúmeras possibilidades de se fazer cinema sem apoio estatal, principalmente após do advento do vídeo, da portabilidade na captação de imagens, na simplificação de ilhas de edição, entre outros fatores. Negar esses meios de produção paralelos é fechar os olhos para inúmeros realizadores independentes, vários coletivos e grupos que se destacam na nova produção do Brasil.

Porém, sem dúvida, a solidificação de uma cultura cinematográfica brasileira, na conjuntura política do país, só é possível em consonância com as políticas públicas para a cultura. Para a estabilização de uma real indústria cinematográfica, na qual o cinema é mantido pelo próprio cinema, como ocorre em Hollywood, é preciso colocar o cinema no hall da economia do país e se investir em um projeto de construção de um mercado que se mantenha, assim como acontece em Hollywood.  É uma outra realidade.

Hoje, no Brasil, a maneira mais eficaz e que mantém a segurança da nossa produção nacional é justamente o lançamento de editais de fomento, bem como toda a política pública através das leis de incentivo (Lei Rouanet, Lei do Audiovisual etc). Sendo assim, tudo que se refere à política cultural ligada a órgãos fomentadores do audiovisual interfere na produção brasileira, como no caso do MinC. Desde a época da renovação do Ministério da Cultura, passando pela discussão de qual Ministério a Agência Nacional do Cinema seria atrelada (da Cultura ou do Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio Exterior), pela reformulação dos editais de incentivo etc, os efeitos das mudanças são sensivelmente percebidos em quantidade e qualidade na produções.
É possível fazer cinema sem apoio estatal, mas por enquanto, no Brasil, se não tivermos essa mão pública impulsionadora, no mínimo não teremos a diversidade e qualidade técnica que estamos alcançando.

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