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O Brasil vai para onde for a Escola Pública


Publicado em 21 de março de 2014
Por Jornal Do Dia


* Manuel Alves do Prado Neto

A recente divulgação do Censo Educacional Brasileiro pelo Ministro da Educação Paulo Paím chama a atenção para um dado que expressa o tamanho da responsabilidade dos governantes nas três esferas do poder executivo. Mas não apenas deles. As responsabilidades não são menores para os poderes legislativo e judiciário, para as secretarias de educação, para os gestores escolares, para os professores e, obviamente, para os pais e alunos que não podem se eximir do papel que lhes cabem nesse empreendimento gigantesco que é a Educação Básica no Brasil.

De acordo com os números publicizados o país tem hoje, nela, pouco mais de 50 milhões de estudantes, sendo 2.730.119 na creche; 4.860.481 na educação infantil; 29.069.281 no ensino fundamental e 8.312.815 matriculados no ensino médio. O conjunto dos dados nos diz ainda sobre os avanços na matrícula da educação integral, do atendimento educacional às crianças e jovens deficientes ou com altas habilidades e diz também da crescente matrícula na educação técnico profissionalizante. Para o problema que pretendemos levantar nos é suficiente os números acima mencionados.

Segundo o MEC, 82,6% dessa matrícula, no ano de 2013, está na escola pública. Dito de outro modo, dos mais de 50 milhões de estudantes, aproximadamente 42 são alunos da escola estatal, distribuídos entre as redes municipais, estaduais e federal. A primeira informação que tiramos disso é que o Estado brasileiro avançou na sua tarefa constitucional de oportunizar aos seus o acesso a escola. Obviamente que há crianças e jovens fora dela. Obviamente que a evasão e o abandono são assustadores na maioria das redes. Obviamente que, nos números acima, persiste uma estranha desproporcionalidade entre as populações em cada nível de ensino, todavia, a sonhada universalização está a alguns passos de nós.
Sigamos agora para o ponto que nos trouxe aqui. A afirmativa que intitula esse texto traz o sentido de um vaticínio. Estamos pressupondo que a escola, na qual o individuo passa, pelo menos, um terço de sua existência infanto-juvenil, cumpre um papel fundamental na construção do sujeito afetivo, do sujeito cognitivo, do sujeito ético, portanto, do sujeito homem.

Estamos considerando que sendo dos 4 aos 17 anos a vida escolar básica obrigatória no Brasil e sendo essa uma fase fundamental no processo de desenvolvimento do sujeito psico-motor resta-nos concluir que o projeto escolar, por meio de suas variadas dimensões, tem – ou pelo menos deveria ter – uma função político social cuidadosamente articulada, e porque não dizer subordinada, ao projeto de sociedade e de Estado-nação que, diariamente, dizemos querer.

Que sociedade queremos no médio e longo prazo? Que saberes e fazeres são fundamentais a cada indivíduo para que, na sua diferença, exerça, em condições mínimas de igualdade, a tão propalada cidadania? Que compromisso deve ter cada escola com os projetos que são individuais, mas são também dos coletivos de alunos nessa permanente construção da nação? Em que medida o (in)sucesso do aluno, que é também o (in)sucesso da escola, condiciona esse projeto coletivo de futuro? Até que ponto os gestores escolares e docentes podem, driblando desmandos e omissões, fortalecer o projeto escolar? Fazer da escola um ambiente de aprendizagem, à revelia de suas limitações, é estratégico na luta daqueles que se afirmam defensores de uma sociedade democrática e inclusiva?
Quarenta e dois milhões de crianças e jovens estão na educação básica hoje na escola estatal. Eles já são obviamente sujeitos de direito, mas amanhã eles serão também os homens e mulheres que intervirão e estarão construindo, em posição de maior protagonismo, o cotidiano da nação. A justiça social e a democracia do dia-a-dia, deles dependerão. Os projetos e alternativas do desenvolvimento econômico também serão produtos dos seus modos de fazer e estar no mundo e, de muitas formas, eles próprios serão produtos da escola que, hoje, fazemos.

Mais do que em todos os tempos o Brasil fala da superação da extrema desigualdade social, da histórica desigualdade de oportunidades no campo "étnico-racial" e, seguramente, fala, também, da superação de uma desigualdade que, à revelia do avanço na redistribuição de renda ocorrida na última década, tem se intensificado, qual seja, a de autonomia para se inserir e atuar, na condição de sujeito, no universo técnico-comunicacional que vem definindo a produção das relações em nossos dias. Em que medida o projeto de ensino do coletivo escolar dialoga com esses desafios?

As gigantes manifestações de junho de 2013 constituem um bom exemplo da interferência do mundo técnico-comunicacional na cultural política dos coletivos e trazem a tona movimentos que parecem questionar os regimes de governança. Parecem questionar o sistema de representação política que administram o estado e arbitram os interesses dos diversos segmentos que compõe sua população. Como a escola está lendo e pensando esses fenômenos?
Os indivíduos anseiam por maior participação e a sofisticada comunicação em rede disponível parece reconstruir, em nossos dias, a ágora ateniense. Porém, a presença nela exige de cada um de nós o exercício da atitude voluntária e ética indispensáveis à uma sociedade de massa que pretende ser democrático-inclusiva e participativa. Parece que definitivamente saímos do projeto de nação centrado em princípios míticos homogeneizadores para outro dedicado à construção de coletivos que tem no indivíduo e seus desejos o foco da atuação. Esse espaço transitório precisa compor a pauta escolar, todavia, precisa compor enquanto fenômeno sócio-histórico e nunca como destino inevitável. O que a escola está dizendo sobre isso?

O Estado e muitas das suas velhas instâncias de arbitramento começam a demonstrar incapacidade de lidar com as "realidades" mais recentes, apresentam mesmo sinais de cansaço diante de tantas e singulares demandas e as lacunas deixadas estão sendo ocupadas por intervenções no mínimo perigosas. A recente onda de aplicação do velho código de Hamurabi por populares, no Rio de Janeiro, é só o mais midiático exemplo de como a ignorância atua, com ampla legitimidade, sempre que a própria sociedade parece não se reconhecer nos seus signos e instrumentos de justiça e parece mesmo acreditar não tê-los. A escola não poderá fazer, sozinha, esse debate, mas pouquíssimas instituições em nossos dias tem a legitimidade e a obrigação de fazê-lo, por isso a escola que abriga a maioria absoluta das crianças e jovens brasileiros, dependendo do projeto que propor para si, poderá definir um dos caminhos a ser seguido pela nação.  

* Manuel Alves do Prado Neto é Coordenador Geral do Fórum Estadual de Educação.
netoalves18@yahoo.com.br

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