O diabo é o pai do rock

 

A vizinha evangélica lava o carro, encorajada por um hino religioso repleto de vibratos. Eu respondo com Black Sabbath, virado no diabo. Mas o som a toda altura, a falta de educação escandalosa, não é a única razão do ódio aqui pronunciado com todas as letras, uma declaração de guerra aos eleitos da cristandade. À inconveniência das senhoras de bíblia na mão, requisitando atenção às portas dos incautos, estamos todos mais ou menos acostumados. Novidade é a pretensão legisladora ganhando terreno Brasil afora. O povo de Deus anda muito assanhado.

O mito do estado laico, uma fantasia negada pela influência crescente da bancada evangélica no Congresso Nacional, já não serve de obstáculo à falsa moral dos caras de pau – santidades muito vivas, com interesses de carne e osso. Pastores e rebanhos de todas as denominações religiosas perderam a vergonha, e agora se metem a arbitrar o que pode e o que não pode em matéria de quase tudo. Confundem o País inteiro com a própria paróquia. Atiram pedras, como se livres de pecados.

É por essas e outras que a censura ao exercício artístico vem se insinuando com volume preocupante, no Brasil do “golpe”. Os casos se multiplicam. Quer museu, o peladão do MAM, o Jesus Cristo travesti, do espetáculo Rainha do Céu, e por aí vai – quem lembra? Os censores de agora não ligam para qualquer implicação de ordem estética, só querem saber de pau e buceta – só pensam naquilo, os tarados.

Ateu, graças a Deus! Esgotou-se a minha pouca paciência com o establishment gospel. E, neste particular, creio estar muito bem acompanhado. Embora a turma do amém não cuide mais do reino dos céus, ocupada em promover vigílias à entrada dos museus, a verdade é que, em matéria de exercício artístico, o tinhoso tem mais conhecimento de causa. Deus é dez, mas o diabo é o pai do rock.