Quarta, 15 De Janeiro De 2025
       
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O Futebol numa perspectiva histórica


Publicado em 26 de maio de 2018
Por Jornal Do Dia


 

* Vânia Azevedo
Tido como paixão nacional, essa 
manifestação esportiva causa es
panto aonde chega, pela sua capacidade de mobilizar pessoas, a exemplo do que ocorria no Império Romano, quando os esportes da época – portadores de caráter violento – configuravam também em necessidade  social e política. Contudo, reconhecido como de origem inglesa, fato que ainda suscita dúvidas, foi no Brasil que o footballl encontrou sua verdadeira identidade a ponto de sua história se confundir com a própria história da sociedade e se tornar uma realidade inquestionável no desenvolvimento da economia brasileira.
O jovem Charles Muller, filho de ingleses radicados em São Paulo, frequentou na Inglaterra a Banister Court School e, valendo-se do conhecimento adquirido, desembarcou no Brasil em 1894, trazendo na bagagem duas bolas de futebol para apresentar aos amigos a nova paixão dos ingleses, cuja prática era prioridade da aristocracia inglesa. No Brasil, contudo, não foi diferente. Em se tratando de alguém que pertencia à aristocracia paulistana, era de se presumir que essa nova prática – a exemplo do tênis – estivesse ao alcance apenas de brancos e ricos.
Não tardou para Oscar Cox, em 1900, estudante e praticante desse novo esporte, desembarcar no Rio de Janeiro, vindo da Suíça, e incentivar a sua prática. De acordo com Davi Marongon, os primeiros praticantes do futebol moderno, a exemplo dos primeiros clubes, tiveram suas origens em S. Paulo, onde era praticado na chácara de propriedade de uma família de ingleses residente na capital paulista. A primeira partida foi disputada pelas equipes da Companhia de Gás e S. Paulo Railway. Mas foi através da Associação Athletica Mackenzie College que surgiu o primeiro clube brasileiro criado por e para brasileiros.
Em São Paulo, o Clube Atlético Paulistano, "O Glorioso", como era conhecido, fundado em 1900, teve seu ponto alto na sua estreia internacional, em 1925, momento glorioso em que o jornal francês L’ Équipe considerou a passagem pela Europa assombrosa e, devidamente, coroou os brasileiros como reis do futebol, segundo o jornalista Alexandre da Costa. Porém, o título de rei dos reis foi concedido a Arthur Friedenreich, considerado na ocasião o mais fantástico jogador que o mundo já vira. O irreverente Fried – como era chamado – era mulato (mãe ex-escrava) e possuía olhos verdes (herança do pai alemão), o que lhe permitiu frequentar a Escola Americana do Mackensie. Sendo seu maior feito a conquista do primeiro Campeonato Sulamericano de Futebol, no Rio de Janeiro, em 1919, onde foi  artilheiro e autor do gol que deu a vitória ao Brasil frente ao Uruguai. A campanha lhe rendeu o título de "El Tigre" oferecido pelos componentes da equipe uruguaia, em reconhecimento ao belo futebol apresentado.
Todavia, nem todas as glórias foram suficientes para manter vivo o Clube Atlético Paulistano que, em 1902 participou do primeiro campeonato estadual, e em 1930 fazia sua última participação no evento, em virtude do seu presidente Antonio Prado Júnior rejeitar veementemente a iminente chegada do profissionalismo. Do seu corpo administrativo foi criado o São Paulo da Floresta – por sinal, clube este que deu origem ao S. Paulo Futebol Clube.  
Se hoje temos o futebol como esporte de massa, nem sempre foi assim. Pior: as limitações impostas aos praticantes e admiradores deixavam claro que as suas regras não se limitavam apenas ao campo de jogo, mas às condições sociais. A  exemplo de S. Paulo, a Bahia e o Rio de Janeiro abriam suas portas para a elite, tanto dentro como fora de campo. Foi então que surgiu o Fluminense na zona sul carioca, onde pobres simpatizantes do time  tinha seu lugar na geral, em pé, ao nível do campo. Notoriamente, as arquibancadas  estavam reservadas àqueles de poder aquisitivo comprovadamente maior. Só quando surgem os praticantes de futebol procedentes dos clubes de fábricas e dos operários – impulsionados pelo crescimento econômico de estados como S. Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro – é que começa a mudar o perfil dos praticantes de futebol. Vale ressaltar a grande influência dos trabalhadores imigrantes que, além de reunir qualidades essenciais para o trabalho nas indústrias, eram portadores de habilidades necessárias para o futebol, uma vez que já praticavam em seus países de origem. Um ótimo exemplo a ser citado foi a criação do The Bangu Atlhletic Club, equipe formada por jogadores estrangeiros, funcionários graduados da Fábrica de Tecidos Bangu, e alguns brasileiros completava a equipe. Conforme relatos do livro "O Negro no Futebol", de Mário Filho, aponta o Bangu Atlético Clube (como passou a se chamar) como o primeiro a escalar um jogador negro, Francisco Carregal, em 1905. .
Pela sua condição de domínio elitista, evidentemente não havia espaço no futebol para negros. Para um esporte que chegou ao Brasil apenas sete anos após a assinatura da Lei Áurea, é de se conceber que fosse apenas disputado por brancos. 
O que não faltava era atitudes bizarras. Em 1914, em jogo contra o América, o jogador do Fluminense Carlos Alberto se atreveu a entrar em campo com o corpo maquiado de pó de arroz, numa tentativa de clarear a cor da pele. No decorrer do jogo o suor o desmascarou, daí originando o apelido de "clube pó de arroz" do aristocrático Fluminense.
A segregação social e racial era uma realidade nos clubes e teve seu momento emblemático quando a determinação de vetar negros partiu do então presidente da república Epitácio Pessoa. Depois de se reunir com diretores da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), o presidente "pediu" que apenas convocasse jogadores de pele clara e cabelos lisos, em publicação do jornal El País, em setembro de 1921.
Contudo, a sua disseminação com maior expressividade e que lhe permitiria mais adiante tornar-se um esporte popular, só aconteceu devido à política de resistência e luta no enfrentamento à discriminação racial, conduzida pela equipe do Vasco da Gama que, em 1904 havia elegido um presidente mulato, Cândido José de Araújo, fazendo história ao acolher   atletas negros e pobres; desarticulando a imposição elitista – até então vinculada à tradição inglesa -, que insistia em manter o futebol como esporte para brancos. A contratação de jogadores negros através do Bangu Atlético Clube (uma inovação para a época) foi outra atitude resolutiva para a conquista do campeonato carioca de 1923, sobretudo para solidificar a decisão de popularizar, sinalizando um caminho alternativo para o futebol brasileiro digno de reconhecimento. A atitude irreverente do clube carioca foi decisória para mudar o olhar em relação ao futebol, quebrando regras, ditando novas possibilidades e cumprindo seu papel social de agregar, como estabelece o estatuto de qualquer clube que se dispõe a cumprir o seu papel social. Em contrapartida, esse fato provocou uma dissenção no Campeonato Carioca levando a uma divisão com o propósito de manter o futebol como um esporte de brancos e ricos. Evidentemente, todos esses problemas contribuíram para procrastinar a visão do futebol como um jogo popular. E ao contrário do que aconteceu na Inglaterra onde a prática do futebol sofreu um processo de massificação mais rápido e indolor, no Brasil os campos de futebol foram palco, ao menos até 1930 e 1940, de um grande conflito sociocultural, como bem coloca Paolo Demuru, pesquisador do futebol. Conforme o purismo perdia espaço no futebol, este ganhava vida nas praias, surgiam os campos de várzea e acontecia a disseminação país a fora. A democratização do futebol brasileiro foi mais uma história de luta, entre tantas,  e determinação de um povo. 
Lembrando Caetano Veloso, é impressionante a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer. Quando o país se deu conta, ironiza Mário Filho, o futebol apagara a linha de cor. O clube esquecendo-se que tinha preto no time, o preto esquecendo-se, de não lembrar mesmo, que era preto.
 
* Vânia Azevedo é professora

* Vânia Azevedo

Tido como paixão nacional, essa  manifestação esportiva causa es panto aonde chega, pela sua capacidade de mobilizar pessoas, a exemplo do que ocorria no Império Romano, quando os esportes da época – portadores de caráter violento – configuravam também em necessidade  social e política. Contudo, reconhecido como de origem inglesa, fato que ainda suscita dúvidas, foi no Brasil que o footballl encontrou sua verdadeira identidade a ponto de sua história se confundir com a própria história da sociedade e se tornar uma realidade inquestionável no desenvolvimento da economia brasileira.
O jovem Charles Muller, filho de ingleses radicados em São Paulo, frequentou na Inglaterra a Banister Court School e, valendo-se do conhecimento adquirido, desembarcou no Brasil em 1894, trazendo na bagagem duas bolas de futebol para apresentar aos amigos a nova paixão dos ingleses, cuja prática era prioridade da aristocracia inglesa. No Brasil, contudo, não foi diferente. Em se tratando de alguém que pertencia à aristocracia paulistana, era de se presumir que essa nova prática – a exemplo do tênis – estivesse ao alcance apenas de brancos e ricos.
Não tardou para Oscar Cox, em 1900, estudante e praticante desse novo esporte, desembarcar no Rio de Janeiro, vindo da Suíça, e incentivar a sua prática. De acordo com Davi Marongon, os primeiros praticantes do futebol moderno, a exemplo dos primeiros clubes, tiveram suas origens em S. Paulo, onde era praticado na chácara de propriedade de uma família de ingleses residente na capital paulista. A primeira partida foi disputada pelas equipes da Companhia de Gás e S. Paulo Railway. Mas foi através da Associação Athletica Mackenzie College que surgiu o primeiro clube brasileiro criado por e para brasileiros.
Em São Paulo, o Clube Atlético Paulistano, "O Glorioso", como era conhecido, fundado em 1900, teve seu ponto alto na sua estreia internacional, em 1925, momento glorioso em que o jornal francês L’ Équipe considerou a passagem pela Europa assombrosa e, devidamente, coroou os brasileiros como reis do futebol, segundo o jornalista Alexandre da Costa. Porém, o título de rei dos reis foi concedido a Arthur Friedenreich, considerado na ocasião o mais fantástico jogador que o mundo já vira. O irreverente Fried – como era chamado – era mulato (mãe ex-escrava) e possuía olhos verdes (herança do pai alemão), o que lhe permitiu frequentar a Escola Americana do Mackensie. Sendo seu maior feito a conquista do primeiro Campeonato Sulamericano de Futebol, no Rio de Janeiro, em 1919, onde foi  artilheiro e autor do gol que deu a vitória ao Brasil frente ao Uruguai. A campanha lhe rendeu o título de "El Tigre" oferecido pelos componentes da equipe uruguaia, em reconhecimento ao belo futebol apresentado.
Todavia, nem todas as glórias foram suficientes para manter vivo o Clube Atlético Paulistano que, em 1902 participou do primeiro campeonato estadual, e em 1930 fazia sua última participação no evento, em virtude do seu presidente Antonio Prado Júnior rejeitar veementemente a iminente chegada do profissionalismo. Do seu corpo administrativo foi criado o São Paulo da Floresta – por sinal, clube este que deu origem ao S. Paulo Futebol Clube.  
Se hoje temos o futebol como esporte de massa, nem sempre foi assim. Pior: as limitações impostas aos praticantes e admiradores deixavam claro que as suas regras não se limitavam apenas ao campo de jogo, mas às condições sociais. A  exemplo de S. Paulo, a Bahia e o Rio de Janeiro abriam suas portas para a elite, tanto dentro como fora de campo. Foi então que surgiu o Fluminense na zona sul carioca, onde pobres simpatizantes do time  tinha seu lugar na geral, em pé, ao nível do campo. Notoriamente, as arquibancadas  estavam reservadas àqueles de poder aquisitivo comprovadamente maior. Só quando surgem os praticantes de futebol procedentes dos clubes de fábricas e dos operários – impulsionados pelo crescimento econômico de estados como S. Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro – é que começa a mudar o perfil dos praticantes de futebol. Vale ressaltar a grande influência dos trabalhadores imigrantes que, além de reunir qualidades essenciais para o trabalho nas indústrias, eram portadores de habilidades necessárias para o futebol, uma vez que já praticavam em seus países de origem. Um ótimo exemplo a ser citado foi a criação do The Bangu Atlhletic Club, equipe formada por jogadores estrangeiros, funcionários graduados da Fábrica de Tecidos Bangu, e alguns brasileiros completava a equipe. Conforme relatos do livro "O Negro no Futebol", de Mário Filho, aponta o Bangu Atlético Clube (como passou a se chamar) como o primeiro a escalar um jogador negro, Francisco Carregal, em 1905. .
Pela sua condição de domínio elitista, evidentemente não havia espaço no futebol para negros. Para um esporte que chegou ao Brasil apenas sete anos após a assinatura da Lei Áurea, é de se conceber que fosse apenas disputado por brancos. 
O que não faltava era atitudes bizarras. Em 1914, em jogo contra o América, o jogador do Fluminense Carlos Alberto se atreveu a entrar em campo com o corpo maquiado de pó de arroz, numa tentativa de clarear a cor da pele. No decorrer do jogo o suor o desmascarou, daí originando o apelido de "clube pó de arroz" do aristocrático Fluminense.
A segregação social e racial era uma realidade nos clubes e teve seu momento emblemático quando a determinação de vetar negros partiu do então presidente da república Epitácio Pessoa. Depois de se reunir com diretores da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), o presidente "pediu" que apenas convocasse jogadores de pele clara e cabelos lisos, em publicação do jornal El País, em setembro de 1921.
Contudo, a sua disseminação com maior expressividade e que lhe permitiria mais adiante tornar-se um esporte popular, só aconteceu devido à política de resistência e luta no enfrentamento à discriminação racial, conduzida pela equipe do Vasco da Gama que, em 1904 havia elegido um presidente mulato, Cândido José de Araújo, fazendo história ao acolher   atletas negros e pobres; desarticulando a imposição elitista – até então vinculada à tradição inglesa -, que insistia em manter o futebol como esporte para brancos. A contratação de jogadores negros através do Bangu Atlético Clube (uma inovação para a época) foi outra atitude resolutiva para a conquista do campeonato carioca de 1923, sobretudo para solidificar a decisão de popularizar, sinalizando um caminho alternativo para o futebol brasileiro digno de reconhecimento. A atitude irreverente do clube carioca foi decisória para mudar o olhar em relação ao futebol, quebrando regras, ditando novas possibilidades e cumprindo seu papel social de agregar, como estabelece o estatuto de qualquer clube que se dispõe a cumprir o seu papel social. Em contrapartida, esse fato provocou uma dissenção no Campeonato Carioca levando a uma divisão com o propósito de manter o futebol como um esporte de brancos e ricos. Evidentemente, todos esses problemas contribuíram para procrastinar a visão do futebol como um jogo popular. E ao contrário do que aconteceu na Inglaterra onde a prática do futebol sofreu um processo de massificação mais rápido e indolor, no Brasil os campos de futebol foram palco, ao menos até 1930 e 1940, de um grande conflito sociocultural, como bem coloca Paolo Demuru, pesquisador do futebol. Conforme o purismo perdia espaço no futebol, este ganhava vida nas praias, surgiam os campos de várzea e acontecia a disseminação país a fora. A democratização do futebol brasileiro foi mais uma história de luta, entre tantas,  e determinação de um povo. 
Lembrando Caetano Veloso, é impressionante a força que as coisas parecem ter quando elas precisam acontecer. Quando o país se deu conta, ironiza Mário Filho, o futebol apagara a linha de cor. O clube esquecendo-se que tinha preto no time, o preto esquecendo-se, de não lembrar mesmo, que era preto. * Vânia Azevedo é professora

 

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