Domingo, 05 De Janeiro De 2025
       
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O GRANDE ENCONTRO [III]


Publicado em 01 de maio de 2020
Por Jornal Do Dia


 

* Manoel Moacir Costa Macêdo
Na linearidade do currículo do curso de agronomia, foram concluídos os dois compulsórios semestres no campus da Universidade Federal da Bahia – UFBA em Salvador. O seguinte, no campus de Cruz das Almas. No passado, o currículo por inteiro era no interior. Experiências do acordo MEC – USAID. Férias de três meses para os aprovados "por média", dispensados da "prova final" e liberados em dezembro. Março de 1974. Hora de partir para Cruz das Almas. Enfrentar os veteranos e os trotes. Não era mais calouro. Estava no segundo ano. Nada garantia que estaria livre deles. Angústia e medo.
A única viagem realizada foi de Rio Real para a "república de estudantes" em Salvador, moradia barata, no bairro periférico do IAPI,vizinha do "Sanatório Santa Mônica – o hospital dos doidos". Roteiro e disciplina nos três anos do então curso científico: IAPI ao Colégio Estadual Severino Vieira, no bairro de Nazaré, onde fui colega de Byron Amâncio. Uma camaradagem que não prosperou na universidade. Perdemos para ele uma disputa para o Diretório Acadêmico Landulfo Alves – DALA. Derrotou o candidato José Albertino. Adiante, soube que recebeu apoio do então clandestino Partido Comunista do Brasil – PC do B. Iniciava a aproximação com a política. Inicialmente, atraído pelo messiânico Deputado Federal Francisco Pinto de Feira de Santana, votado em Cruz das Almas. A seguir, pelas bravuras do colega Amílcar Baiardi. Amizade que perdura até hoje. Na época um procurado subversivo. Também admirava a história de Rosalvo Alexandre, um bravo sergipano.
Chegada à Escola de Agronomia. Primeiros dias alojado no "hospital". Tensão e pânico. Recebido com "galinha d’água e ameaças". A noite um horror. Inundações no quarto, gritos e palavras-de-ordem. Não dormir uma noite tranquila. Após uma semana, fui informado que não teria "direito ao alojamento, somente às refeições". Não soube lidar com o jeito "Angelina de ser". Com os colegas Bival e Haroldo, alugamos um quarto na residência das funcionárias Isolina e Rita. Pessoas simples e acolhedoras. Moradia resolvida. Residência na Escola. 
Em verdade, a minha vocação não era a agronomia, mas o direito. Estudei em escolas públicas. Prestei o vestibular sem "fazer o cursinho". Atendi apenas três matérias em regime intensivo. Não estava preparado para um vestibular concorrido. A sobrevivência definiu o destino. Influência decisiva do meu pai. Disse ele: como engenheiro agrônomo era fácil passar no vestibular e arranjar um emprego. Adiante, concluir o curso de direito. Quando, inquirido sobre a razão de duas carreiras tão díspares para a época, respondia: "primeiro cursei agronomia".  Na dialética, "tudo interfere em tudo". Escreveu o poeta Pablo Neruda: "você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências".
Na infância e adolescência, experimentei uma vivência rural dolorosa. Não convivi com um meio rural belo, confortável e amigável. A labuta paterna como agricultor familiar e o sofrimento dos trabalhadores rurais deixaram feridas. O trabalho "no sol a pino", o uso de ferramentas medievais como a enxada, a foice, o facão, o machado, as doenças, a pobreza e a morte precoce, incutiram uma ruralidade doída. Entendia a agronomia como uma profissão rural, para cuidar das plantas, solo e animais. O meu sentir era o inverso: olhar e cuidar das pessoas, tal qual a ingênua "extensão rural" do Professor Assis. Ao invés do produto, pensava no produtor rural e familiares. "O nosso comportamento, decide a vida em nós e fora de nós".
Desconhecia a generalidade do currículo do engenheiro agrônomo. Não sabia das disciplinas humanistas. A vocação estava parcialmente atendida na administração, economia, extensão e sociologia rural. Mas o direito, continuava no "fundo do peito". Vocação concretizada nos anos noventa, quando concluir o "Bacharelado em Direito" pela Universidade Católica de Salvador – UCSal. Advogado juramentado e inscrito na OAB. Por longo tempo, fui professor universitário no curso de direito. Admiro os colegas engenheiros agrônomos em sua "completa tradução". Passados meio século, futurologistas e planejadores não abstraíram às profundas transformações nas diversas ruralidades. Não se anteciparam à transdisciplinaridade entre o rural e o urbano, local e global, pluriatividade, meio ambiente e produção agropecuária lastreada em ciência. O rural não é mais essencialmente agrícola. Um novo mundo rural emergiu. Com ele a complexidade, externalidades, protagonismo dos consumidores e contradições sociais. Tarefa impossível para a unicidade do engenheiro agrônomo.
Assim foi a aproximação com as disciplinas profissionalizantes do curso de agronomia e a chegada ao campus de Cruz das Almas. A história possibilita entender o passado sem falsidades e mentiras, imaginar o futuro sem ignorar as diferenças. Com o tempo "tudo que é sólido se desmancha no ar".
* Manoel Moacir Costa Macêdo, engenheiro agrônomo

* Manoel Moacir Costa Macêdo

Na linearidade do currículo do curso de agronomia, foram concluídos os dois compulsórios semestres no campus da Universidade Federal da Bahia – UFBA em Salvador. O seguinte, no campus de Cruz das Almas. No passado, o currículo por inteiro era no interior. Experiências do acordo MEC – USAID. Férias de três meses para os aprovados "por média", dispensados da "prova final" e liberados em dezembro. Março de 1974. Hora de partir para Cruz das Almas. Enfrentar os veteranos e os trotes. Não era mais calouro. Estava no segundo ano. Nada garantia que estaria livre deles. Angústia e medo.
A única viagem realizada foi de Rio Real para a "república de estudantes" em Salvador, moradia barata, no bairro periférico do IAPI,vizinha do "Sanatório Santa Mônica – o hospital dos doidos". Roteiro e disciplina nos três anos do então curso científico: IAPI ao Colégio Estadual Severino Vieira, no bairro de Nazaré, onde fui colega de Byron Amâncio. Uma camaradagem que não prosperou na universidade. Perdemos para ele uma disputa para o Diretório Acadêmico Landulfo Alves – DALA. Derrotou o candidato José Albertino. Adiante, soube que recebeu apoio do então clandestino Partido Comunista do Brasil – PC do B. Iniciava a aproximação com a política. Inicialmente, atraído pelo messiânico Deputado Federal Francisco Pinto de Feira de Santana, votado em Cruz das Almas. A seguir, pelas bravuras do colega Amílcar Baiardi. Amizade que perdura até hoje. Na época um procurado subversivo. Também admirava a história de Rosalvo Alexandre, um bravo sergipano.
Chegada à Escola de Agronomia. Primeiros dias alojado no "hospital". Tensão e pânico. Recebido com "galinha d’água e ameaças". A noite um horror. Inundações no quarto, gritos e palavras-de-ordem. Não dormir uma noite tranquila. Após uma semana, fui informado que não teria "direito ao alojamento, somente às refeições". Não soube lidar com o jeito "Angelina de ser". Com os colegas Bival e Haroldo, alugamos um quarto na residência das funcionárias Isolina e Rita. Pessoas simples e acolhedoras. Moradia resolvida. Residência na Escola. 
Em verdade, a minha vocação não era a agronomia, mas o direito. Estudei em escolas públicas. Prestei o vestibular sem "fazer o cursinho". Atendi apenas três matérias em regime intensivo. Não estava preparado para um vestibular concorrido. A sobrevivência definiu o destino. Influência decisiva do meu pai. Disse ele: como engenheiro agrônomo era fácil passar no vestibular e arranjar um emprego. Adiante, concluir o curso de direito. Quando, inquirido sobre a razão de duas carreiras tão díspares para a época, respondia: "primeiro cursei agronomia".  Na dialética, "tudo interfere em tudo". Escreveu o poeta Pablo Neruda: "você é livre para fazer suas escolhas, mas é prisioneiro das consequências".
Na infância e adolescência, experimentei uma vivência rural dolorosa. Não convivi com um meio rural belo, confortável e amigável. A labuta paterna como agricultor familiar e o sofrimento dos trabalhadores rurais deixaram feridas. O trabalho "no sol a pino", o uso de ferramentas medievais como a enxada, a foice, o facão, o machado, as doenças, a pobreza e a morte precoce, incutiram uma ruralidade doída. Entendia a agronomia como uma profissão rural, para cuidar das plantas, solo e animais. O meu sentir era o inverso: olhar e cuidar das pessoas, tal qual a ingênua "extensão rural" do Professor Assis. Ao invés do produto, pensava no produtor rural e familiares. "O nosso comportamento, decide a vida em nós e fora de nós".
Desconhecia a generalidade do currículo do engenheiro agrônomo. Não sabia das disciplinas humanistas. A vocação estava parcialmente atendida na administração, economia, extensão e sociologia rural. Mas o direito, continuava no "fundo do peito". Vocação concretizada nos anos noventa, quando concluir o "Bacharelado em Direito" pela Universidade Católica de Salvador – UCSal. Advogado juramentado e inscrito na OAB. Por longo tempo, fui professor universitário no curso de direito. Admiro os colegas engenheiros agrônomos em sua "completa tradução". Passados meio século, futurologistas e planejadores não abstraíram às profundas transformações nas diversas ruralidades. Não se anteciparam à transdisciplinaridade entre o rural e o urbano, local e global, pluriatividade, meio ambiente e produção agropecuária lastreada em ciência. O rural não é mais essencialmente agrícola. Um novo mundo rural emergiu. Com ele a complexidade, externalidades, protagonismo dos consumidores e contradições sociais. Tarefa impossível para a unicidade do engenheiro agrônomo.
Assim foi a aproximação com as disciplinas profissionalizantes do curso de agronomia e a chegada ao campus de Cruz das Almas. A história possibilita entender o passado sem falsidades e mentiras, imaginar o futuro sem ignorar as diferenças. Com o tempo "tudo que é sólido se desmancha no ar".

* Manoel Moacir Costa Macêdo, engenheiro agrônomo

 

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