Mantras e aboios na mesma toada
O nordeste além da paisagem
Publicado em 17 de junho de 2018
Por Jornal Do Dia
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, para lembrar Raulzito. Embora a coluna sempre recla me bandeiras coloridas, sanfonas e fogueira em todas as esquinas, pede agora licença para lembrar um disco já antigo, de raízes as mais fundas, que pouco tem a ver com a invenção do nordeste das peças publicitárias.
O ‘Nordeste Oculto’ (2012) da Cabruêra está entre os raros registros capazes de manter os pés enterrados no rico imaginário do lugar sem, necessariamente, soar reverente à tradição. Um feito e tanto. As formas musicais adotadas neste quinto disco da banda paraibana não se metem a ousadias estruturais. O retrato é o mesmo de sempre. As cores, no entanto, quase sempre transbordam os limites do traço. As visagens em forma de canção operam por força dos contrastes.
A dimensão mítica da região, em sintonia com uma espécie de transcendência de inspiração oriental. Os filhos bastardos do mangue beat – como a banda era definida pela maioria, há quinze anos, quando iniciou a própria caminhada – buscam os pontos de contato negados pelos acidentes da geografia para revelar uma verdade metafísica. Trata-se de mirar além do que a vista alcança, ainda que evocando vultos, ritos e paisagens.
A aproximação mencionada se dá, sobretudo, por meio dos arranjos, aparentemente pensados para ressaltar o singular afim nas duas bandas da Terra. Mantras e aboios, na mesma toada. Se o repertório anterior da Cabruêra é assumidamente festivo, como que voltado para fora, aqui a banda se dedica a um esforço introspectivo de imersão e reconhecimento.