O que nos diz o Censo da Educação Básica 2020?
Publicado em 28 de julho de 2021
Por Jornal Do Dia
O INEP adverte que nessa radiografia do ano letivo 2020 da educação básica brasileira, não se encontrará os efeitos da pandemia do novo coronavírus, cuja decretação, no país, aconteceu dias depois
* Manuel Alves do Prado Neto
A Diretoria de Estatísticas Educa cionais do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira, autarquia subordinada ao Ministério da Educação, tornou público, ainda no primeiro semestre deste ano, o Censo da Educação Básica 2020. Como está afirmado na apresentação do documento, trata-se de "uma pesquisa realizada anualmente pelo Inep em articulação com as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, sendo obrigatória aos estabelecimentos públicos e privados de educação básica, conforme determina o art. 4º do Decreto nº 6.425, de 4 de abril de 2008", o fornecimento das informações. Seu objetivo, ainda segundo o instituto, é"ser um instrumento inicial de divulgação com destaques relativos às informações de alunos (matrículas), docentes, escolas e gestores".
É um documento breve. Traz muitos números, gráficos e ligeiras notas acerca dos temas relativos aos quatro verbetes: alunos, docentes, escolas e gestores. São somente 27 páginas, nas quais estão incluídos as referências e um apêndice. Neste último, você encontrará, detalhadamente, os números anteriormente analisados em tabelas onde constam os mesmos dados referentes aos quatro anos anteriores, o que possibilita numerosas análises, resultantes das comparações que se impõem.
Quantas secretarias municipais e estaduais de educação se dão ao trabalho de observar, cuidadosamente, documentos como esse? Quantas delas tem quadros para produzir, sistematizar e construir "notas" acerca dos seus próprios números? Como esse censo da educação básica, anualmente produzido pelo INEP, pode ajudar as semed’s e seduc’s na elaboração e implementação das suas políticas? De que modos, essa breve publicação pode se constituir, anualmente, como uma medida diagnóstica do quanto estamos (ou não) avançando na perseguição das metas dos Planos Nacional, Estadual e Municipal de Educação, vigentes?A observação desses dados pode ajudar as secretarias na organização dos seus projetos fundamentais e na definição dos investimentos prioritários?
Ainda na apresentação, o INEP chama a atenção para a mudança da data de referência da pesquisa. Tradicionalmente, era a última quarta-feira do mês de maio, e em 2020 foi 11 de março. Desta forma, o instituto ressalta que nessa radiografia do ano letivo 2020 da educação básica brasileira, não se encontrará os efeitos da pandemia do novo coronavírus, cuja decretação, no país, aconteceu dias depois.
Vamos aos dados. Desse ponto em diante, me limitarei a transcrever os números e quando muito, deixarei perguntas e ou completarei com breves afirmações. Cada número isoladamente exigiria um texto exclusivo para si.
Segundo este censo, o país possui 179.533 escolas. Em 113.985 delas, a grande maioria, se faz a oferta da Educação Infantil. Os Anos Iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º Ano) são ofertados em 108.080 unidades escolares. O último nível da Educação Básica, por sua vez, é ofertado em somente 28.933 estabelecimentos. A diferença no número de unidades que oferta a educação infantil e o número referente às que atendem o Ensino Médio é gritante e atesta o funil da exclusão que é a Educação Básica brasileira.
Cumpre salientar que esses números não poderiam ser iguais, em razão da per capita estudante/turma distinta entre esses níveis de ensino, porém, a desproporcionalidade é absurda. Isso fica evidente quando encontramos os números de matrículas. Em 2020 registrou-se 26,7 milhões de estudantes no Ensino Fundamental e somente 7,6 milhões no Ensino Médio. A gente até podia ter menos turmas de Ensino Médio, na comparação com o número de turmas das etapas do Ensino Fundamental, mas o número de matrículas deveria ser quase igual. Essa diferença expressa o tamanho do "fracasso", da exclusão.
O professor Anísio Teixeira cunhou uma frase que ficou imortalizada no debate da Educação no país. Ele afirmou que a escola pública é a máquina que prepara democracias. Os números do censo educacional 2020 nos diz que ela é uma máquina destruidora de sonhos de crianças e adolescentes. É uma máquina que retem suas vidas e a vida sociocultural e econômica da nação. É uma máquina que lhes aprisionam no interior do "ensino" e muitas vezes os descartam sem lhes dá o direito de fazer o percurso.
Essa fábrica de reprovação, que é a escola pública brasileira, produz em Sergipe, por exemplo, números que embrulham o estômago de qualquer um que tenha o mínimo de noção do prejuízo sócio humanitário, cultural, econômico e político que eles nos trazem. Os percentuais de reprovação, por aqui, giram entre 10% e 16% nos Anos Iniciais; vai de 16% a 57% nos Anos Finais do E.F. e no Ensino Médio. A distorção idade-série, que está intrinsicamente ligada com a reprovação, como propõe o documento, assim se apresenta: 22% a 32% nos cinco primeiros anos do Ensino Fundamental; e 32% a 77% no segundo segmento do Ensino Fundamental e no Ensino Médio. 77% de distorção idade-série. É um holocausto educacional.
O Brasil registrou, na Educação Básica, 579 mil matrículas a menos em 2020, quando comparada com 2019. Uma queda de 1,2%. A princípio, isso não é um problema, se considerarmos as taxas de crescimento vegetativo que vem sendo observadas no país. Todavia, o déficit de atendimento da Educação Infantil e o crescimento necessário da matrícula, nesse nível de ensino,proposto, inclusive, pelas metas dos planos nacional, estaduais e municipais de Educação, estabelece, aqui, um dos grandes problemas trazidos por este censo.
Quando seguimos a leitura dos números, constatamos que essa queda da matrícula, em relação a 2019, é mesmo um problema. Contrariando um período de crescimento registrado entre 2016 e 2019, que chegou a 8,4%, a matrícula na Educação Infantil do país caiu em 2020, na comparação com o ano anterior. Observou-se queda de 0,5%. Ela até cresce 1,2% na etapa pré-escolar da escola pública, mas cai 0,5% na etapa de creche. Na rede privada o tombo é ainda maior, chega a 7,1%. Aracaju, por exemplo, apresenta grande déficit de atendimento de crianças de 0 a 3 anos, e o público de 4 e 5, cujo atendimento é obrigatório, ainda não tem atendimento universalizado.
Em 2025, terá terminalidade mais uma década sob a égide de um Plano Decenal de Educação. Considerando o Plano Nacional, sua terminalidade dar-se-á um ano antes. Suas metas para a Educação Infantil serão cumpridas, na capital dos sergipanos e demais municípios do estado?O Censo Educacional 2020, quando consideramos o Brasil, dá indícios que não. Num país que tem altíssimos índices de analfabetismo entre os adultos, registrou-se na matrícula da Educação de Jovens e Adultos queda de 8,3%. Sergipe possui mais de 200 mil adultos analfabetos. Aracaju tem, pelo menos, 37 mil deles.
Quase 90% da matrícula da Educação Básica do país está na área urbana. Quando delimitamos o atendimento ao âmbito da iniciativa privada, somente 1% se dá na zona rural. Escolas públicas municipais e federais são, respectivamente, as mais presentes fora dos espaços urbanos. Na zona rural estão 18,5% das escolas municipais e 12,6% das unidades federais. Esse último índice é, certamente, resultado da expansão da rede federal ocorrida nos governos Lula.
Para finalizar, lembremos que esses números não refletem as consequências da Pandemia do novo coronavírus. Ou seja, hoje o quadro é, certamente, mais grave. Quanto do congelamento dos recursos educacionais, iniciado no governo Temer, ajuda a explicar a piora de alguns desses dados, quando comparamos com os anos anteriores a 2019? Nacionalmente, a educação encontra-se num apagão. Há três anos não se sabe o que quer Ministério da Educação para a Educação Básica brasileira. Desejo ser surpreendido, mas para os próximos anos é possível que encontremos um alçapão no fundo desse poço.
* Manuel Alves do Prado Neto, professor de História da Rede Estadual