Sábado, 11 De Janeiro De 2025
       
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O que o povo diz


Publicado em 16 de setembro de 2020
Por Jornal Do Dia


 

*Rangel Alves da Costa
Há um provérbio judaico ensinando que "Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados".
Os provérbios, ou sentenças morais, conselhos ou expressões populares de conteúdo simbólico, são sempre recheados de sabedorias, ainda quando carregados de gracejos.
Pelos sertões, lá nas distâncias matutas de onde vim, os provérbios vagueiam no passo das gerações. Mesmo os modismos desenfreados não possuem o dom de afastar as lições repassadas como precaução ou norteamento de conduta.
O velho Leobino, ou simplesmenteVelho Lió, talvez possa ser visto como o rei das sentenças e dizeres matutos. Dizem que ainda possui, e devidamente guardado debaixo do colchão de capim, um caderno repleto de sabedorias. E tudo criado por ele mesmo.
Mas nada escrito por sua mão. Continua analfabeto de pai e mãe, como se diz por lá. Vai matutando sentenças e pede ao neto que coloquetudo em papel. E depois guarda o caderninho com todo cuidado.
Certa feita, perguntado por que guardava aqueles escritos se não sabia ler uma só palavra, o Velho Lió simplesmente respondeu que sua falta de leitura não significava que desconhecesse suas sentenças. Bastava lançar o olhar sobre qualquer uma e fazia a leitura que bem entendesse. 
E eis o que ouvi certa vez, e logicamente depois que o convidei até um pé de balcão e ofereci uma boa dose de casca de pau. Depois de duas talagadas da casca de angico na infusão de muitos dias, o velho passou a palha de milho pelo lábio ressequido, ajeitou o fumo, fez o cigarro de palha e depois começou a soltar das suas.
"Gemido de cancela é chegada ou partida. Mas se a estrada estiver empoeirando nem esquente o café que o larápio já levou seu cavalo".
"Não existe pata de bicho que seja amigo de quem chegue por trás. O coice é certeiro, ainda que se acredite na mansidão de animal. Nesse ponto, a diferença entre bicho e homem é que o do mato só da patada por trás".
"Mulher que se arruma toda e se perfuma dos pés à cabeça e depois vai correndo pra janela ou porta de casa, certamente que não está esperando que seu marido vá lhe dar um cheiro. O coitado ainda fica pensando que ela está esperando a procissão passar".
"Cuscuz ralado que não cheira e café torrado que não perfuma no ar, nem de pacote bom deve ser. Bem assim é a bondade demais que depois vai tirando proveito de tudo. Melhor não aceitar do que se finge de bom para não ter de retribuir a quem não presta".
"Quem muito pergunta, muito quer saber. E quando muito sabe, muito vai dizer, só que para quem não tem nada a ver com o que foi ouvido. E quando não sabe muito, muito vai esticar e inventar só pelo prazer de espalhar".
"Quanto mais velhos o pote e a moringa mais a água é doce de se beber. Mas também não precisa quebrar a cuia nova se não estiver com fome. Melhor fazer como aquele que só come quando está com fome de não mais suportar. Então come farinha seca com rapadura de lamber os beiços".
"Por tudo na vida evite o político. Não lhe abra a porta, não lhe estenda a mão, evite cumprimentá-lo, passe distante de onde um estiver bordejando. Nunca lhe prometa nem diga que vai pensar em ajudar. Se não fizer assim nunca vai ter sossego na vida e vai sentir remorso pelo resto dos tempos".
"Moça velha quando levanta a saia é igual a jumenta nova quando levanta o rabo. As duas estão querendo coisa, só que a jumenta é menos afoita e perigosa, ainda que dê coice de vez em quando".
"Quando um político chegar, logo lhe dê um assento perto de formigueiro. Ofereça água de caneca furada, mande o cachorro latir perto de onde ele estiver. Se ainda assim ele não sair, então também minta pra ele. Diga que vota".
"Não sei por que a pessoa embebeda. Se a primeira cachaça é do santo, a segunda é da pessoa e da terceira em diante não sabe mais de quem é, então a danada da pinga devia ficar espalhada e não pesar tanto no juízo de apenas um".
"Quando o mandacaru se dobrar de secura é sinal de que até o calango já morreu. E homem que ainda estiver de pé é porque enlouqueceu pensando que sol é chuva".
E assim vai o Velho Lió na sua sina sentenciadora pelos sertões adentro. Faz pouco tempo que tive o prazer de ouvir, num entardecer debaixo de pé de pau, sua última criação: "Quem disse que o sertanejo é um forte não separou o joio do trigo. Muito menos o homem de verdade daquele que se torna preguiçoso por uma esmola".
*Rangel Alves da Costa, advogado e escritor
Membro da Academia de Letras de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com

*Rangel Alves da Costa

Há um provérbio judaico ensinando que "Não se aproxime de uma cabra pela frente, de um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados".
Os provérbios, ou sentenças morais, conselhos ou expressões populares de conteúdo simbólico, são sempre recheados de sabedorias, ainda quando carregados de gracejos.
Pelos sertões, lá nas distâncias matutas de onde vim, os provérbios vagueiam no passo das gerações. Mesmo os modismos desenfreados não possuem o dom de afastar as lições repassadas como precaução ou norteamento de conduta.
O velho Leobino, ou simplesmenteVelho Lió, talvez possa ser visto como o rei das sentenças e dizeres matutos. Dizem que ainda possui, e devidamente guardado debaixo do colchão de capim, um caderno repleto de sabedorias. E tudo criado por ele mesmo.
Mas nada escrito por sua mão. Continua analfabeto de pai e mãe, como se diz por lá. Vai matutando sentenças e pede ao neto que coloquetudo em papel. E depois guarda o caderninho com todo cuidado.
Certa feita, perguntado por que guardava aqueles escritos se não sabia ler uma só palavra, o Velho Lió simplesmente respondeu que sua falta de leitura não significava que desconhecesse suas sentenças. Bastava lançar o olhar sobre qualquer uma e fazia a leitura que bem entendesse. 
E eis o que ouvi certa vez, e logicamente depois que o convidei até um pé de balcão e ofereci uma boa dose de casca de pau. Depois de duas talagadas da casca de angico na infusão de muitos dias, o velho passou a palha de milho pelo lábio ressequido, ajeitou o fumo, fez o cigarro de palha e depois começou a soltar das suas.
"Gemido de cancela é chegada ou partida. Mas se a estrada estiver empoeirando nem esquente o café que o larápio já levou seu cavalo".
"Não existe pata de bicho que seja amigo de quem chegue por trás. O coice é certeiro, ainda que se acredite na mansidão de animal. Nesse ponto, a diferença entre bicho e homem é que o do mato só da patada por trás".
"Mulher que se arruma toda e se perfuma dos pés à cabeça e depois vai correndo pra janela ou porta de casa, certamente que não está esperando que seu marido vá lhe dar um cheiro. O coitado ainda fica pensando que ela está esperando a procissão passar".
"Cuscuz ralado que não cheira e café torrado que não perfuma no ar, nem de pacote bom deve ser. Bem assim é a bondade demais que depois vai tirando proveito de tudo. Melhor não aceitar do que se finge de bom para não ter de retribuir a quem não presta".
"Quem muito pergunta, muito quer saber. E quando muito sabe, muito vai dizer, só que para quem não tem nada a ver com o que foi ouvido. E quando não sabe muito, muito vai esticar e inventar só pelo prazer de espalhar".
"Quanto mais velhos o pote e a moringa mais a água é doce de se beber. Mas também não precisa quebrar a cuia nova se não estiver com fome. Melhor fazer como aquele que só come quando está com fome de não mais suportar. Então come farinha seca com rapadura de lamber os beiços".
"Por tudo na vida evite o político. Não lhe abra a porta, não lhe estenda a mão, evite cumprimentá-lo, passe distante de onde um estiver bordejando. Nunca lhe prometa nem diga que vai pensar em ajudar. Se não fizer assim nunca vai ter sossego na vida e vai sentir remorso pelo resto dos tempos".
"Moça velha quando levanta a saia é igual a jumenta nova quando levanta o rabo. As duas estão querendo coisa, só que a jumenta é menos afoita e perigosa, ainda que dê coice de vez em quando".
"Quando um político chegar, logo lhe dê um assento perto de formigueiro. Ofereça água de caneca furada, mande o cachorro latir perto de onde ele estiver. Se ainda assim ele não sair, então também minta pra ele. Diga que vota".
"Não sei por que a pessoa embebeda. Se a primeira cachaça é do santo, a segunda é da pessoa e da terceira em diante não sabe mais de quem é, então a danada da pinga devia ficar espalhada e não pesar tanto no juízo de apenas um".
"Quando o mandacaru se dobrar de secura é sinal de que até o calango já morreu. E homem que ainda estiver de pé é porque enlouqueceu pensando que sol é chuva".
E assim vai o Velho Lió na sua sina sentenciadora pelos sertões adentro. Faz pouco tempo que tive o prazer de ouvir, num entardecer debaixo de pé de pau, sua última criação: "Quem disse que o sertanejo é um forte não separou o joio do trigo. Muito menos o homem de verdade daquele que se torna preguiçoso por uma esmola".

*Rangel Alves da Costa, advogado e escritorMembro da Academia de Letras de Aracajublograngel-sertao.blogspot.com

 

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