O povo todo em um só (Divulgação)
O tal folclore
Publicado em 24 de agosto de 2024
Por Jornal Do Dia Se
Rian Santos
riansantos@jornaldodiase.com.br
Tropeço em uma fotografia realizada por Adriana Hagenbeck nas redes sociais. E me deparo com a única expressão genuína do tal folclore sergipano ao alcance de qualquer um. Não a fotografia, em si. Mas o seu “objeto”.
Refiro-me ao semblante de um senhor negro, com a pele curtida pelo sol, coberto de fitas coloridas, amarelas, verdes e azuis. Em termos práticos, longe dos círculos intelectuais, para aqueles profundamente identificados com os suplicantes apontados pela elite quando se refere ao povo, isso que os entendidos chamam de folclore é justamente a representação encarnada do próprio povo, sem tirar nem por.
Não lanço palavras ao vento quando afirmo vislumbrar em Dona Nadir a Mussuca inteira, dos pés à cabeça, em carne e osso. Sem ela, sem outras como ela, as meninas do samba de pareia, a Mussuca não existe.
Volto à fotografia de Adriana e reconheço a minha própria experiência emoldurada no retrato. Eu conheço aquele senhor de camisa floral e óculos escuros de camelô, embora nunca o tenha visto mais gordo. Ele é seu Antônio, vizinho de minha falecida avó, em Penedo. É também seu Luiz, o vendedor de tapioca que me aborda no mercado central de Aracaju, insistente. É ainda um dos amigos de copo do meu pai, com quem a gente jogava dominó e bebia cerveja na praça, até virar a mesa, humilhados pela derrota… O senhor no retrato de Adriana é o povo todo virado em um só.
Os cortejos, os batuques, as brincadeiras do folclore soam para mim como a manifestação palpável de uma comunidade ancestral, a lembrança de homens e mulheres muito simples, com quem eu convivi antes de engrossar o pescoço, metido a besta. Cruzo com eles nas ruas de Aracaju, todos os dias. Mas não os enxergo, realmente. A não ser assim, em vestes de folguedo, em forma de alegoria.