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A ESQUERDA ARMADA EM SERGIPE: A prisão violenta do major João Teles de Menezes


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Publicado em 03 de junho de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Afonso Nascimento

Em 1952, ocorreu a mais importante prisão do major João Teles de Menezes. Ela teve lugar num contexto de Guerra Fria (EUA versus URSS, através de terceiros), depois de membros do PCB mostrarem as caras ao participarem de eleições e, em 1947, serem postos novamente na ilegalidade. Em Sergipe, nesse mesmo ano, em um protesto realizado contra a ilegalização do “partidão”, foi morto pela polícia estadual o operário Anísio Dario. Entre os militares, a guerra ideológica girava em torno de militares nacionalistas e entreguistas no Clube Militar no Rio de Janeiro. Assim que o general Estillac Leal e seu grupo perderam o controle do referido clube, a direita militar começou uma “caça aos comunistas” nos quartéis brasileiros que também chegou ao 28º. BC. Em Aracaju, foi fabricada a farsa de uma “revolução comunista” como pretexto para a perseguição de militares de esquerda como o major João Teles de Menezes.
A história de sua prisão teve início um pouco antes no confessionário do 28º. BC. O capelão de direita extremada, Waldemar Resende (apelidado de “agente secreto”, “espião”) ouve a confissão do praça Ulisses Guarani de acordo com a qual estava em andamento o processo de uma “revolução comunista em Sergipe” (Este texto está baseado em livro do historiador FIGUEIREDO, Ariosvaldo. História política de Sergipe. Aracaju: 3º. Vol. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe, 1989, mas suas informações são livremente usadas por este autor).
O padre delator fez saber ao maior número de autoridades militares o que estava sendo supostamente acontecendo – coisa que chega rapidamente ao Comando da 6ª. Região Militar, a que pertence Sergipe, sediada em Salvador. O que se viu então foram, primeiro, prisões de militares e, em seguida, outras detenções de civis em Aracaju. No meio dos militares presos está o major João Teles de Menezes, que passa algumas horas na Capitania dos Portos e é enviado em seguida para prisão militar em Salvador.
O militar de esquerda foi detido em sua fazenda em São Cristóvão por “dois majores José Freire do Prado e Orlando Benjamin de Viveiros e pelos tenentes Paulo Ávila da Costa e Justino Cavalcanti de Barros” (FIGUEIREDO, p.341). A sua prisão foi completamente ilegal, não havendo mandado judicial para tal ação arbitrária. As prisões do major e de outros militares “foram todas feitas pelo tenente Ávila e a horas irregulares. Não foi à hora normal, mas sempre à meia-noite ou, então, às cinco da manhã” (FIGUEIREDO, p.360).
Será nos cárceres do Exército da capital baiana que o major João Teles de Menezes será submetido a todo tipo de sevícias e de torturas que, literalmente, quase o levam à morte. Eis aqui parte de documento enviado ao Ministério da Justiça denunciando as ações fora da lei de militares contra militares e que foi citada no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade:
“O major João Teles de Menezes denunciou que foi arbitrariamente preso e mantido incomunicável por 49 dias, tendo se deteriorado seu estado de saúde, sem atenção médica. Nessa ocasião, foram presos seus filhos e genros e ameaçadas sua esposa e filha.
Major João Teles de Menezes: preso no dia 15 de agosto de 1952 foi conduzido à Bahia e recolhido ao 19º. BC, de onde era levado ao Forte do Barbalho para depor passando de cada vez 3 a 4 dias no forte, jogado numa cova infecta, antigo depósito de lenha com (…) um balde onde deviam ser satisfeitas as necessidades fisiológicas, o qual não era despejado.
Acometido de forte infecção intestinal, em consequência da alimentação que lhe era dada, não teve tratamento adequado, o que fez agravar tanto seu estado de saúde que, chamado para depor, debaixo de insultos de baixo calão, perdeu por duas vezes os sentidos. Certa vez foi levado de madrugada, em uma camionete, a uma praia, numa nova forma de coação.
Seus filhos e genros foram espancados, tendo um dos filhos fugido por ter sido ameaçado de morte. Levaram as ameaças a sua esposa e filha. Passou 49 dias incomunicável durante os quais sua debilidade orgânica chegou a um grau tal que, quando sua família pôde vê-lo, tinha que ser ajudado a se levantar da cama. Ao ser levado para assinar os ‘depoimentos’, disse-lhe o coronel (João de Almeida) Freitas: ‘cheguei a não dar nada pela sua vida’. Já comunicável, ao ser levado para acareações, as mesmas eram precedidas da ameaça de que, se não confirmasse tudo quanto lhe fosse perguntado, seria posto em situação pior do que a anterior” (CNV, pp.19-20). De acordo com FIGUEIREDO, “sua esposa Heronita foi obrigada a depor, o tenente Paulo Ávila Costa ameaça de espancamento a sua filha Etodéa, seu filho Eurípedes abandona Aracaju, a esposa e seis filhos” (FIGUEIREDO p.342).
Ao tomarem conhecimento do que estava acontecendo com o major João Teles de Menezes nos cárceres do Exército em Salvador, muitos amigos, empresários, autoridades judiciais e políticos (o deputado federal Orlando Dantas na tribuna da Câmara de Deputados, o prefeito de Laranjeira José de Faro Sobral, o deputado estadual Clóvis Rollemberg, o presidente do Tribunal de Justiça desembargador Hunald Cardoso, entre outros mais) fizeram pressão sobre o comandante da 6ª. Região Militar para libertar o militar de esquerda. A grande liderança da UDN em Sergipe, o poderoso Leandro Maciel, entre outros esforços, escreveu carta (que será anexada ao processo) ao advogado do major, em que afirma: “Quanto ao major João Teles de Menezes, o conheço há mais de vinte anos e o tenho com muita honra entre os meus correligionários políticos. Conheço suas inclinações, seus ideais e posso atestar que são inclinações e ideais de um patriota, de um homem de bem” (FIGUEIREDO, p. 367).
Diante de tantos pedidos e muitas pressões (a conhecida força das relações pessoais), foi pedida e aceita a transferência (ou desaforamento) do processo judicial e do preso major João Teles de Menezes para o Rio de Janeiro. De que era acusado o major de esquerda, afinal? De “incitação à indisciplina”. De acordo com FIGUEIREDO, “a denúncia fala em diversos sargentos que se reuniam em Aracaju, na residência do major João Teles de Menezes” (FIGUEIREDO, p.354). Em 1953, o major de esquerda foi absolvido pela Justiça Militar no Rio de Janeiro. Terminaram, assim, o martírio baiano do major João Teles de Menezes e a farsa que também alcançou comunistas civis sergipanos. Em relação às vítimas civis, o seu pesadamente longo processo judicial teve fim quando um juiz estadual foi designado para o caso e disse que aquilo era coisa para a Justiça Militar e mandou arquivar o processo. Simplesmente assim.

Afonso Nascimento é professor de Direito da UFS

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