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A ESQUERDA MILITAR: COMO O MAJOR JOÃO TELES DE MENEZES SE TORNOU COMUNISTA


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Publicado em 16 de agosto de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Afonso Nascimento

João Teles de Menezes foi um militar nacionalista de esquerda. Uma dificuldade para escrever sobre esse major é que ele não deixou nada escrito. O único documento disponível é o seu depoimento no IPM a que respondeu em 1952, prestado na condição de indiciado. Isso leva o pesquisador a procurar informações sobre o major por meio de fontes orais. As pessoas mais qualificadas para falar sobre o que o major pensava e o que fazia na militância do Setor Militar do PCB ou estão mortas ou não quiseram falar. Essa não era uma atividade para ser relatada a familiares. Outra dificuldade consiste no fato de a gente não saber o que o major lia, quais eram – se tinha – os seus autores e livros preferidos, se tinha deixado uma biblioteca, etc.
Quem leu sobre o major, sabe que ele tinha admiração por Luiz Carlos Prestes, chegando ao ponto de comemorar a data de seu aniversário, como se festeja o aniversário de um parente próximo. Os dois, o major e Prestes, tinham algo em comum: ambos tinham sido militares que se tornaram comunistas. Essa ligação com Prestes, ele a levou consigo até a sua morte em 1981. Antes, em 1962, com a cisão dentro do PCB, ele ficou com Prestes. Também se posicionou do seu lado quando ocorreu a anistia de 1979 e foi aberta possibilidade de mudar-se para outro partido político. O major morreu antes de Prestes, em 1981, enquanto o assim chamado “cavaleiro da esperança” faleceu em 1990. Conheceu Prestes pessoalmente? Ele negou no IPM a que respondeu, mas teve diversas ocasiões em que pôde encontrar-se com Prestes no Brasil. Pode ter lido “O Cavaleiro da Esperança” de Jorge Amado. Pessoas que o conheceram disseram que ele tinha contato direto com Prestes e com a cúpula do PCB nacional – o que é indicador de seu prestígio junto aos comunistas brasileiros.
O ingresso do major no Exército, aos dezoito anos, o levou à interiorização de uma visão militar do Brasil e do mundo. Aprendeu os valores militares como a disciplina e a hierarquia, construiu uma identidade militar. Incorporou uma socialização castrense da qual jamais se afastará: era um homem metódico, organizador, enfim, uma pessoa “quadrada”. O rompimento com essa visão militar deve ter dado muitas preocupações ao major. Quebrar a disciplina e a hierarquia é proibido por lei militar. Ser comunista no Exército é ser maior do que essa instituição, embora possa reproduzir a mesma regra da disciplina e da hierarquia em grupos clandestinos como o Setor Militar do PCB. Prova disso pode ser encontrada na sua fala quando, em 1952, foi preso e acusado de incitar a indisciplina. A essa acusação o major respondeu que era um militar reformado. Ser comunista enquanto militar da ativa também comportava toda uma série de riscos implicados em uma atividade clandestina.
Não é exagerado afirmar que pode ter absorvido a visão hegemônica conservadora dos quartéis, todavia em um período de sua trajetória em que era possível a coexistência de visões do mundo como o comunismo e o integralismo, por exemplo. O comunismo e o integralismo eram ideologias contra-hegemônicas, sendo que a segunda, por seu conteúdo nacionalista, se aproximava do que era ensinado nos quartéis, escolas e academias militares. Contudo, ele nunca foi um integralista, me informou o ex-militante Wellington Mangueira. De fato, no relatório elaborado pelo então juiz Enoch Santiago, datado de 1943, o nome do major não aparece arrolado.
Buscar seus posicionamentos e suas preferências ideológicas na sua carreira militar pode ser um fio condutor para saber como o major João Teles de Menezes se tornou comunista – embora sabendo que militares cumprem ordens com quais nem sempre estão de acordo. Tomo o caso positivo do tenentismo nacional e sergipano. Aqui há certamente uma identificação do major com esse movimento político-militar. Confirmação disso é a escolha dos nomes de três dos seus filhos, isto é, Eurípedes (Eurípedes Esteves de Lima), Juarez (Juarez Távora) e João Alberto (João Alberto Lins de Barros), todos os três participantes na revolta tenentista em três diferentes estados. É razoável imaginar, na falta de documentos, que ele sabia que lutava contra as oligarquias sergipanas – apesar de, em 1924, ele ter apenas três anos como praça. Acho, porém, que sua formação política era então muito pouco elaborada, de alguém sem educação escolar e de não muitas leituras. Deve ter lido os manifestos dos tenentes paulistas e dos sergipanos. Por ter participado das lutas tenentistas em Sergipe, mais tarde, foi escolhido para ser intendente (prefeito) de Propriá, por um ano, em 1933, pelo tenente Augusto Maynard, interventor federal de Vargas.
Com a sua participação na Insurreição Comunista de Natal de 1935, do lado das forças da legalidade, ele tomou contato direto com comunistas (para o caso de isso já não ter acontecido em Sergipe) e seria estranho que ele possa não ter tido a curiosidade profissional de ler o manifesto dos revoltosos e aquele da Aliança Nacional Libertadora (ANL) fechada no mesmo ano e meses antes da revolta. Segundo a sua filha Etodea Teles de Menezes, ele teria lido o “Manifesto Comunista” de Carlos Marx e Frederico Engels no em que trabalhou em Natal. Todavia, isso não é tudo. Na mencionada insurreição potiguar, ele conheceu pessoalmente Giocondo Dias, outro militar tornado comunista (que terá um longo currículo de ativista comunista), o qual tentou, inclusive, atraí-lo para os revoltosos de Natal. Esse contato com comunistas em Natal pode ter influenciado – não ouso dizer em que nível – a sua futura decisão de tornar-se comunista.
Historiador da política brasileira e sergipana que escreveu sobre o Tenentismo e sobre a Revolução de 1930 no estado de Sergipe, Ibarê Dantas (que entrevistou o major em duas ocasiões) me sugeriu considerar, como hipótese de trabalho, a participação do major na repressão dos fascistas brasileiros, os integralistas, em 1938. Infelizmente, até agora, não foi possível encontrar elementos factuais de uma possível participação do major. A ser confirmada essa hipótese, o major terá reprimido tanto comunistas quanto integralistas.
O retorno dos militares sergipanos que foram combater fascistas e nazistas em território italiano pode provocado outro grande impacto sobre o major, direcionando-o para o comunismo. Esses brasileiros eram heróis da II Guerra Mundial, tendo lutado do lado (porém em áreas geográficas distantes) dos soldados russos, naquele momento compondo as forças aliadas contra o Eixo. Os combatentes da Força Expedicionária Brasileira (FAB) voltaram a Sergipe e o major teve, com certeza, contato com muitos deles. Além disso, no contexto do pós-Estado Novo, o PCB saiu da ilegalidade, se reorganizou em todo o território nacional e participou das eleições para a Assembleia Constituinte. O major pode ter sido contagiado pelo clima vivido de entusiasmo democrático, porém foi cauteloso. Lançou sua filha Etodéa Teles de Menezes, e não ele próprio, candidata a deputada estadual pela UDN e não pelo PCB.
O major era um quadro qualificado para membros de qualquer organização que quisesse fazer uma revolução comunista no país. Era um homem de ação, que participou, em diversos momentos de sua carreira militar, de missões estritamente militares, como aquela que depôs o governador da Bahia, J.J. Seabra, em 1933. Outrossim, conhecia o manejo de diversas armas, sabia atirar, conhecia estratégias militares, enfim, tudo o que candidatos a revolucionários gostariam de aprender. Caso aderisse ao Setor Militar do PCB, se necessário fosse, poderia oferecer treinamento militar a civis que sonhavam com revoluções como aquelas acontecidas na Rússia, na China e mais tarde em Cuba.
A conversão major ao comunismo não se deu através de comunistas civis, paisanos, mas dentro dos quartéis nos quais trabalhou, por colegas de farda. Com efeito, de acordo com o historiador Ariosvaldo Figueiredo, o militar João Teles de Menezes se tornou comunista quando conheceu e conviveu, por algum tempo, com outro futuro major, Humberto Freire de Andrade, em 1937, no quartel do Exército em Ilhéus, na Bahia. Quem foi esse mentor intelectual do major sergipano? Segundo Ariosvaldo Figueiredo, na sua História Política de Sergipe, Humberto Freire de Andrade era “homem culto, digno, cidadão correto, militar exemplar” ou, em minhas palavras, um intelectual e um militante político militar.
Ele foi um militar do Exército brasileiro, tendo estudado na Escola Militar, no Rio de Janeiro. Humberto Freire de Andrade se aproximou intelectualmente do comunismo ainda jovem – diferentemente do major sergipano. Ele “era aluno do Colégio Militar quando passou a ser um entusiasmado pela Rússia, por ocasião do estudo que fez da Revolução Russa com o extinto professor Isnar Dantas Barreto, comunista convicto”. Mais tarde, também exerceu a função de professor na mesma Escola Militar. O capitão Oscar Gonçalves Bastos foi aluno do major Humberto Freire de Andrade, em 1938.
Ocupou o cargo de diretor da revista do Clube Militar por quatro anos. Em 1950, escreveu o artigo “Considerações sobre a Coréia” que provocou uma grande crise entre militares nacionalistas e antinacionalistas. Quando a sua ala nacionalista perdeu o controle do Clube Militar e da revista do citado clube, como punição por seus posicionamentos nacionalistas, o ministro da Guerra, Canrobert Pereira da Costa, o transferiu para Aracaju, Sergipe – onde trabalhava Milton Pereira, comandante não comunista do 28º. B.C. que era seu cunhado. Na capital sergipana, uma espécie de finis terrae, trabalhará na 19ª. Circunscrição de Recrutamento do Exército, que se encontrava no Bairro Industrial.
Em 1951, em Aracaju, deu-se o reencontro dos dois amigos, colegas de farda e comunistas. Humberto Freire de Andrade liderou a fundação de uma célula militar comunista no 28º. B.C., juntamente com o major João Teles de Menezes. Os dois foram presos pelo Coronel João de Almeida Freitas, em 1952, em Aracaju e levados para Salvador. Com razão, Nelson Werneck Sodré liga a sua prisão como um desdobramento da crise militar no Clube Militar, que resultou na perseguição de comunistas em todo o país. O que não pode ser descartado é a existência de célula comunista no 28º. B.C. e o fato de o “partidão” estar bem estruturado em Sergipe. O pretexto para a repressão, uma suposta preparação de “Revolução Comunista em Sergipe”, consistiu numa verdadeira farsa política.
Aparentemente, Humberto não foi torturado em Salvador, onde passou quarenta dias incomunicável, libertado através de habeas corpus, em 1953. Ao receber sua ordem de prisão, Humberto Freire de Andrade escreveu: “Ciente. Embora proteste contra a arbitrariedade”. A casa do major Humberto foi objeto de busca e apreensão, ainda segundo Ariosvaldo Figueiredo. Não foi encontrada informação sobre o seu paradeiro depois dessa operação de 1952. Salvo engano meu, Humberto Freire de Andrade foi expurgado do Exército logo nos primeiros dias do golpe militar, por portaria do Exército baseada no Ato Institucional no. 1, de 1964 e, em seguida, teve os direitos políticos cassados por dez anos.
Volto ao major João Teles de Menezes. Depois de ter-se recuperado das torturas e de ser absolvido por unanimidade pela Justiça Militar da acusação de incitar a indisciplina no meio militar, o major retomou as suas atividades de militante comunista e de empresário. Ele poderia ter posto um termo na sua militância comunista naquele momento. Ocorreu o contrário. Parece que a prisão e as torturas só reforçaram as crenças comunistas do major tardiamente adquiridas ou manifestadas. Passou então a ser o líder do Setor Militar do PCB em Sergipe. Uma coincidência a ser registrada: o major disse ter ingressado no PCB sergipano em 1947, exatamente o ano de sua aposentadoria. Caso não tivesse havido o segundo encontro com Humberto Freire de Andrade, a trajetória de comunista do major sergipano poderia ter sido diferente nesse tempo de inflexão.

Afonso Nascimento, professor de Direito Aposentado da UFS.

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