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O desafio da equidade na educação básica


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Publicado em 12 de maio de 2022
Por Jornal Do Dia Se


Josué Modesto dos Passos Subrinho

O Plano Nacional de Educação (2014-2024), em sua meta 8, estabeleceu:
“Elevar a escolaridade da população de 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcançar, no mínimo, 12 (doze) anos de estudo no último ano de vigência deste Plano, para as populações da região de menor escolaridade no País e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade média entre negros e não negros declarados à Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.
Essa é a meta que enfrenta de forma incisiva a questão da equidade na educação básica em suas diversas facetas: socioeconômica, étnica e regional. Não custa lembrar que estávamos passando por um período de aprofundamento da democracia no Brasil, no qual a igualdade formal perante a lei era contestada como via suficiente de promoção da igualdade de direitos, tendo em vista o acúmulo de desigualdades secularmente construídas entres nós. Consolidava-se a ideia de ações afirmativas, políticas públicas compensatórias e expansão dos gastos públicos sociais. Em 2012, corroborando as iniciativas de algumas universidades públicas, entre as quais a Universidade Federal de Sergipe, o Congresso Nacional aprovou a Lei de Reserva de Vagas para egressos das escolas públicas e estudantes oriundos de famílias de baixa renda e/ou de etnias historicamente discriminadas com o objetivo de promover a equidade de acesso a essas instituições.
Antes de se encerrar o prazo de vigência do Plano Nacional de Educação, as condições políticas mudaram substancialmente. Uma crítica de que a expansão do gasto público não se transformava em serviços públicos de qualidade antes parecia fomentar a corrupção, e o desperdício colocou em xeque a legitimidade de sua contínua expansão. Não nos compete descrever o desenrolar da crise política, o impeachment da presidenta e a aprovação da Emenda Constitucional do Teto do Gasto Público (Emenda Constitucional 95/2016). Para os nossos fins, basta assinalar a ruptura do compromisso político de viabilizar a extensa pauta de direitos sociais inserida na Constituição Federal de 1988. Nesse contexto, é de certa forma surpreendente que o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) tenha sido não apenas prorrogado, em 2020, mas também se transformado em permanente; mais ainda, que a contribuição do Governo Federal aos fundos tenha sido ampliada de 10% para 23% do total. A heterogênea frente em defesa da educação pública teve êxito ao aprovar no Congresso Nacional a continuidade dos mecanismos de vinculação de receitas ao gasto com educação e seu aprofundamento por meio da Emenda Constitucional 108/2020, regulamentada pela Lei nº 14.113/2020.
Há uma importante mudança na Lei 14.113/2020, em relação ao Plano Nacional de Educação, na questão da equidade, que passou a ser condição de acesso pelas redes públicas de recursos adicionais transferidos pelo Governo Federal, nos seguintes termos:

“III – redução das desigualdades educacionais socioeconômicas e raciais medidas nos exames nacionais do sistema nacional de avaliação da educação básica, respeitadas as especificidades da educação escolar indígena e suas realidades”
Em seguida se detalha como se medirá a equidade de aprendizagem:
“§3º. A medida de equidade de aprendizagem, prevista no inciso I do §2º deste Artigo, baseada na escala de níveis de aprendizagem, definida pelo INEP, com relação aos resultados dos estudantes nos exames nacionais referidos naquele dispositivo, considerará em seu cálculo a proporção de estudantes cujos resultados de aprendizagem estejam em níveis abaixo do nível adequado, com maior peso para os estudantes com resultados mais distantes desse nível, e as desigualdades de resultados nos diferentes grupos de nível socioeconômicos e de raça e dos estudantes com deficiência em cada rede pública”.
Ou seja, no novo marco constitucional da Educação Básica brasileira e em sua regulamentação espera-se não apenas a universalização da escolarização como também o atingimento de padrão de qualidade de aprendizagem e de equidade na aprendizagem pelos estudantes vinculados a diferentes segmentos sociais, especialmente os que têm sido discriminados no acesso e nas condições de permanência na escola.
Uma questão que se impõe é se o padrão de financiamento é adequado para o atingimento de objetivos tão desafiadores. Os fundos contábeis de subvinculação de receitas aos investimentos educacionais foram eficientes na promoção da universalização da matrícula. Começando com o FUNDEF, focado no ensino fundamental e posteriormente no FUNDEB, com extensão para todas as etapas da educação básica, a ampliação da matrícula foi o grande êxito, tendo em vista nosso histórico secular de baixa penetração das redes escolares. A proporção de crianças e jovens com idade de 6 a 14 anos frequentando escolas está se aproximando da universalização. Nos anos finais do ensino fundamental começam a aparecer os segmentos que abandonam a escola, normalmente depois de trajetórias acidentadas de aprendizagem e/ou premidas por carências socioeconômicas. O FUNDEB, ao expandir as etapas cobertas pelo financiamento dos fundos estaduais, em alguns casos com complementação federal, ampliou significativamente a matrícula na pré-escola e em menor proporção na creche. O ensino médio, última etapa da educação básica, está passando por crescimento de matrícula e, finalmente, por melhorias ainda discretas, em nível nacional, da qualidade.
Quanto à expansão da matrícula na educação infantil, há um mecanismo de financiamento específico, ao destinar 50% dos recursos da parcela VAAT a essa etapa. Municípios sergipanos já começaram a receber transferências diretas do Governo Federal, e espera-se um forte crescimento na oferta de vagas pelos municípios.
A questão não resolvida é a do financiamento de ações que induzam a equidade. Ela passará a ser mensurada e seus resultados implicarão acessos maiores ou menores às transferências da parcela VAAR do FUNDEB, porém não há mecanismos de financiamento específico. Devemos relembrar um consenso entre os educadores de que os resultados de aprendizagem estão fortemente vinculados aos fatores socioeconômicos. Mais recentemente esta tese foi qualificada com a constatação de que a qualidade dos sistemas escolares faz diferença na aprendizagem; ou seja, sistemas escolares com elevados padrões de qualidade contribuem decisivamente para a melhoria das condições socioeconômicas dos estudantes, e estes, quando adultos, encontrarão melhores condições no mundo do trabalho e na inserção social.
Não há bala de prata capaz de superar todas as iniquidades. Numa rede escolar de alto padrão de qualidade de ensino, com universalização de acesso ainda persistirá a diferença de desempenho entre os estudantes vinculados aos segmentos de melhores condições versus os de piores condições sociais. Se os objetivos são minimizar as diferenças de desempenho atribuídas às condições socioeconômicas e maximizar a proporção dos que atingem patamares de qualidade sem rebaixar as expectativas em relação aos que já têm melhores desempenhos, não há dúvida de que gastos públicos direcionados a suprimir essas diferenças precisam ser realizados com foco nos objetivos e amplitude na escala.
Aqui reside o problema. Como a Lei não previu fontes de recursos para as ações que promovam a equidade nos resultados educacionais, ou supomos que as políticas de assistência social existentes são suficientes ou que há margem para uso dos recursos vinculados à educação para a promoção da equidade.
Os chamados gastos sociais, apesar de serem relativamente elevados no Brasil quando comparados aos de países de nível de desenvolvimento econômico assemelhado, não têm necessariamente um efeito positivo quanto à promoção da equidade; pelo contrário, são exatamente os estratos sociais que residem nas regiões mais desenvolvidas, têm mais acesso às informações, têm nível socioeconômico mais elevado e recebem mais recursos públicos sob a forma de gastos sociais. Para não sermos exaustivos lembremo-nos do valor per capta destinado pelo Governo Federal, através do Programa Nacional de Alimentação Escolar, a um estudante do ensino fundamental urbano como auxílio para custear sua alimentação na escola: R$ 0,36 por dia ou R$7,20 por mês. O leitor poderia comparar esse valor com o Auxílio Alimentação recebido diretamente por servidores públicos, especialmente com os de melhor remuneração, ou por trabalhadores da iniciativa privada, por meio de subsídios tributários concedidos às empresas. Em ambos os casos, quanto maior a remuneração maior o benefício.
Poderíamos imaginar que sob o novo marco legal uma demanda por maiores gastos, ou por acesso dos estudantes excluídos aos benefícios sociais, seria bem acolhida. O ceticismo quanto ao abrigo dos estudantes mais carentes decorre da constatação de que os gestores da área sempre poderão alegar que atendem a uma clientela mais carente do que os próprios estudantes. Por outro lado, uma vedação explícita contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de custear programas de caráter assistencial com recursos destinados à educação coloca-nos diante de um impasse. Com que recursos contaremos para dar efetividade às políticas que promovam a equidade da aprendizagem entre os estudantes vinculados aos segmentos mais vulneráveis do ponto de vista socioeconômico. Como prover alimentação escolar adequada, uniformes escolares e material didático de uso individual – desde os mais tradicionais e prosaicos até os novos dispositivos eletrônicos – se não houver uma clara definição das fontes de financiamento? Sem isso, equidade não passará de uma palavra difícil e desprovida de conteúdo para os gestores educacionais e, principalmente, para os milhões de estudantes que precisam de recursos não providos por seus familiares.

Josué Modesto dos Passos Subrinho, secretário de Estado da Educação, do Esporte e da Cultura – Seduc -, e foi reitor da Universidade Federal de Sergipe e da Universidade Federal da Integração Latino-Americana no Paraná.

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