Quinta, 16 De Janeiro De 2025
       
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Os áudios do caminhoneiro Genival


Publicado em 20 de junho de 2018
Por Jornal Do Dia


 

* Antonio Passos
Como quase a totalidade dos companheiros de profissão, Genival também estacionou o seu caminhão à beira da estrada durante dez dias, em um lugar bem distante da cidade onde mora. Participou com garra da grande paralisação do transporte rodoviário de cargas, recentemente ocorrida no Brasil.
Foram dez dias de sacrifícios e esperanças. Em tudo Genival manteve-se integrado aos seus irmãos caminhoneiros. Logo nos primeiros dias, sem mobilidade e com pouco dinheiro no bolso, passou longas horas alimentando-se pouco, até que as doações de comida passaram a chegar com mais regularidade.
Ao lado dos companheiros também se emocionou. Lembrou da família distante e preocupou-se com a possibilidade de faltar alimentos na mesa da companheira e dos filhos. Mas a esperança era grande. Sonhou com a redução do preço e um freio nos aumentos do diesel e com um bom reajuste no valor do frete.
Genival, entretanto, teve duas iniciativas, uma durante a paralisação e outra logo após o retorno ao batente, que o destacou em meio aos demais manifestantes. Ele gravou e compartilhou dois áudios, o primeiro pedindo a compreensão e a solidariedade de um dos filhos e o segundo expressando decepção ao final.
No primeiro áudio, já muito emocionado, fez um apelo ao filho mais velho. Pediu que o garoto tentasse reunir os colegas da escola e fossem todos até a rodovia mais próxima se somar aos caminhoneiros. Aquela luta, afinal, argumentou Genival, era por uma vida mais digna para todos, o que incluía melhoria da educação.
Superada a paralisação veio o segundo áudio. Nesse, já sem conter o choro, Genival perguntou desapontado: "que povo é esse? Como é que a gente fica aqui fazendo o maior sacrifício pra melhorar o país e as pessoas fazendo fila na cidade pra abastecer os carros, pagando gasolina a dez reais?" Também viralizou.
 Agora, os dois áudios de Genival, que circularam por todo o país e comoveram multidões, quase não são mais lembrados. O diesel está com o preço congelado por sessenta dias, o aumento na remuneração dos fretes tornou-se uma batalha jurídica e a TV informa que a vida do povo brasileiro voltou ao normal.
Muitas coisas, entretanto, vão mudar. A vida de Genival, por exemplo, vai sofrer reverses. Ele não vai conseguir melhorar a educação dos filhos. A situação financeira da família será deteriorada. Ainda vai continuar dirigindo o caminhão por mais algum tempo, mas, provavelmente, logo terá que vendê-lo.
Genival não podia saber, nem sequer desconfiar do que teria pela frente. Como um crédulo cidadão que acompanha notícias e comentários pela mídia empresarial, a ele e a milhões de outros é negado o acesso a reflexões honestas sobre a realidade. Nas sombras, um tenebroso destino estava sendo traçado.
Durante uma década Genival viu o Brasil crescer. Políticas de redistribuição de renda aqueceram o consumo e o vai e vem de cargas disparou. Ele então aproveitou o momento e trocou o velho caminhão herdado do pai por um novo. A confiança no futuro animou o casal e fizeram um segundo filho.
Enquanto isso, forças do comando capitalista mundial não admitiam tamanho aumento do consumo de combustíveis pelos brasileiros. Eles entendem que todas as fontes de energia do mundo devem ser comandadas por eles e para eles, cabendo aos povos periféricos apenas modestas e controladas cotas.
O Brasil passou dos limites e o império resolveu intervir. Tomaram de assalto o comando político por meio de prepostos e logo começaram uma violenta redução do consumo. A estratégia para os combustíveis foi o aumento sucessivo dos preços, ao passo que o transporte de cargas começou a minguar.
 Agora não cabem mais tantos caminhões e carretas na economia brasileira, muitos vão parar. Como sempre acontece sob o comando do mercado, o expurgo começa pelos mais fracos. Caminhoneiro autônomo e dono de um único caminhão que ele mesmo dirige, Genival foi um dos primeiros a sobrar.
Os fretes estão sumindo e quando aparecem mal pagam as despesas da viagem. Genival quase só tem feito pequenos transportes na região onde mora: verduras para feiras, mudanças… Talvez seja obrigado a tirar o filho da escola para ajudar na carga e descarga – um esforço na tentativa de manter o caminhão.
Mesmo sendo bombardeado dia e noite por falsas interpretações veiculadas pelos rádios e pela TV, os dois áudios gravados e compartilhados mostram que Genival teve uma intuição correta. Seria mesmo preciso que os estudantes e muito mais gente estivesse mobilizada pelo Brasil, mas não está.
A questão não era apenas o preço do diesel. A questão é a autonomia dos povos para decidir o que fazer com os seus recursos. Mas como alcançar isso se o país foi politicamente esfacelado? Como bem percebeu Genival, muitos estão preocupados apenas em encher o próprio tanque e o resto que se dane.
* Antonio Passos é jornalista

* Antonio Passos

Como quase a totalidade dos companheiros de profissão, Genival também estacionou o seu caminhão à beira da estrada durante dez dias, em um lugar bem distante da cidade onde mora. Participou com garra da grande paralisação do transporte rodoviário de cargas, recentemente ocorrida no Brasil.
Foram dez dias de sacrifícios e esperanças. Em tudo Genival manteve-se integrado aos seus irmãos caminhoneiros. Logo nos primeiros dias, sem mobilidade e com pouco dinheiro no bolso, passou longas horas alimentando-se pouco, até que as doações de comida passaram a chegar com mais regularidade.
Ao lado dos companheiros também se emocionou. Lembrou da família distante e preocupou-se com a possibilidade de faltar alimentos na mesa da companheira e dos filhos. Mas a esperança era grande. Sonhou com a redução do preço e um freio nos aumentos do diesel e com um bom reajuste no valor do frete.
Genival, entretanto, teve duas iniciativas, uma durante a paralisação e outra logo após o retorno ao batente, que o destacou em meio aos demais manifestantes. Ele gravou e compartilhou dois áudios, o primeiro pedindo a compreensão e a solidariedade de um dos filhos e o segundo expressando decepção ao final.
No primeiro áudio, já muito emocionado, fez um apelo ao filho mais velho. Pediu que o garoto tentasse reunir os colegas da escola e fossem todos até a rodovia mais próxima se somar aos caminhoneiros. Aquela luta, afinal, argumentou Genival, era por uma vida mais digna para todos, o que incluía melhoria da educação.
Superada a paralisação veio o segundo áudio. Nesse, já sem conter o choro, Genival perguntou desapontado: "que povo é esse? Como é que a gente fica aqui fazendo o maior sacrifício pra melhorar o país e as pessoas fazendo fila na cidade pra abastecer os carros, pagando gasolina a dez reais?" Também viralizou.
 Agora, os dois áudios de Genival, que circularam por todo o país e comoveram multidões, quase não são mais lembrados. O diesel está com o preço congelado por sessenta dias, o aumento na remuneração dos fretes tornou-se uma batalha jurídica e a TV informa que a vida do povo brasileiro voltou ao normal.
Muitas coisas, entretanto, vão mudar. A vida de Genival, por exemplo, vai sofrer reverses. Ele não vai conseguir melhorar a educação dos filhos. A situação financeira da família será deteriorada. Ainda vai continuar dirigindo o caminhão por mais algum tempo, mas, provavelmente, logo terá que vendê-lo.
Genival não podia saber, nem sequer desconfiar do que teria pela frente. Como um crédulo cidadão que acompanha notícias e comentários pela mídia empresarial, a ele e a milhões de outros é negado o acesso a reflexões honestas sobre a realidade. Nas sombras, um tenebroso destino estava sendo traçado.
Durante uma década Genival viu o Brasil crescer. Políticas de redistribuição de renda aqueceram o consumo e o vai e vem de cargas disparou. Ele então aproveitou o momento e trocou o velho caminhão herdado do pai por um novo. A confiança no futuro animou o casal e fizeram um segundo filho.
Enquanto isso, forças do comando capitalista mundial não admitiam tamanho aumento do consumo de combustíveis pelos brasileiros. Eles entendem que todas as fontes de energia do mundo devem ser comandadas por eles e para eles, cabendo aos povos periféricos apenas modestas e controladas cotas.
O Brasil passou dos limites e o império resolveu intervir. Tomaram de assalto o comando político por meio de prepostos e logo começaram uma violenta redução do consumo. A estratégia para os combustíveis foi o aumento sucessivo dos preços, ao passo que o transporte de cargas começou a minguar.
 Agora não cabem mais tantos caminhões e carretas na economia brasileira, muitos vão parar. Como sempre acontece sob o comando do mercado, o expurgo começa pelos mais fracos. Caminhoneiro autônomo e dono de um único caminhão que ele mesmo dirige, Genival foi um dos primeiros a sobrar.
Os fretes estão sumindo e quando aparecem mal pagam as despesas da viagem. Genival quase só tem feito pequenos transportes na região onde mora: verduras para feiras, mudanças… Talvez seja obrigado a tirar o filho da escola para ajudar na carga e descarga – um esforço na tentativa de manter o caminhão.
Mesmo sendo bombardeado dia e noite por falsas interpretações veiculadas pelos rádios e pela TV, os dois áudios gravados e compartilhados mostram que Genival teve uma intuição correta. Seria mesmo preciso que os estudantes e muito mais gente estivesse mobilizada pelo Brasil, mas não está.
A questão não era apenas o preço do diesel. A questão é a autonomia dos povos para decidir o que fazer com os seus recursos. Mas como alcançar isso se o país foi politicamente esfacelado? Como bem percebeu Genival, muitos estão preocupados apenas em encher o próprio tanque e o resto que se dane.
* Antonio Passos é jornalista

 

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